Grexit.
O tsunami grego chega a Portugal?
17
Junho 2015
Catarina
Falcão/ OBSERVADOR
Vai
haver contágio? O que vai acontecer aos juros da dívida?
Ex-ministros das Finanças e o presidente da Associação Portuguesa
de Bancos analisam os riscos da saída da Grécia da zona euro.
Almofada
salva a dívida pública, privados estão expostos
Grécia
abala cenários macroeconómicos e eleições em Portugal
A
Grécia pode sair da zona euro. E o que acontece a Portugal? O que
acontece à dívida pública? O que acontece aos privados?
Ex-ministros das Finanças e o presidente da Associação Portuguesa
de Bancos analisam os riscos e as consequências de um Grexit. Entre
os cenários mais caóticos, há quem considere que o pior já
aconteceu.
É
esta a opinião de Miguel Beleza, antigo ministro das Finanças de
Cavaco Silva. Os impactos de uma saída da Grécia não seriam muito
sentidos em Portugal. “A Grécia é pequena e Portugal não tem uma
grande exposição à Grécia”, afirma ao Observador, considerando
que neste momento e depois de vários meses (e até anos) de impasse,
os mercados já “sabem distinguir entre os spreads portugueses e os
spreads gregos”. O ex-ministro sugere ainda que com a saída da
Grécia, “o euro até se pode fortalecer”. Quanto a consequências
prejudiciais para as economias dos restantes países em dificuldades,
Beleza defendeu que “o pior que poderia acontecer, já aconteceu”
e que “tudo que havia para ser descontado no colapso Grécia, já o
foi”.
“Portugal
pode sofrer da onda de choque”, diz Teixeira dos Santos.
Fernando
Teixeira dos Santos, antigo ministro das Finanças de José Sócrates,
não concorda. E assegura que “o risco de contágio da dívida
soberana é elevado”. “Há uma situação de nervosismo nos
mercados perante o default da Grécia e Portugal pode sofrer com a
onda de choque”, diz o agora professor universitário ao
Observador, dando como exemplo a subida das obrigações portuguesas
a 10 anos que estão a atingir mais de 3%, uma subida acompanhada
pelas obrigações italianas e espanholas.
Também
Jorge Braga de Macedo, ministro das Finanças de Cavaco entre 1991 e
1993, diz temer este contágio já desde 2009, pouco antes do colapso
grego de 2010. “Lembro-me que, em finais de 2009, quando disse que
‘Portugal tem de estar inquieto com o que acontece à Grécia. Se
começar a pensar que as balas não o atingem… corre o risco de se
tornar uma Grécia’. Iam-me mandando para as profundezas do
inferno… com razão, visto que estamos de facto muito longe!”,
diz ao Observador. E cita o economista alemão Rudi Dornbusch que
entendia que as crises “demoram sempre mais tempo a chegar do que
se espera mas quando chegam são sempre mais rápidas que previsto”.
E
a banca? “A exposição da banca portuguesa aos bancos e
instituições públicas gregas é atualmente irrelevante e residual.
Assim, não esperamos impactos diretos”, responde ao Observador o
presidente da Associação Portuguesa de Bancos, Faria de Oliveira.
“Os
impactos indiretos são de muito difícil previsão, dado o caráter
inédito de uma eventual saída de um membro da Zona Euro. Esses
mesmos impactos dependerão do comportamento dos mercados financeiros
e, a médio prazo, dos reflexos na economia europeia”, acrescentou,
confiante, contudo, que a recuperação económica de Portugal não
seja prejudicada. “A recuperação económica verificada em países
como Portugal, Espanha e Irlanda será certamente tida em conta pelos
mercados e não podemos deixar de confiar na capacidade que a Europa
terá de gerir e absorver os efeitos do que vier a ser o desfecho da
crise na Grécia”, defendeu.
"Há
uma situação de nervosismo nos mercados perante o default da Grécia
e Portugal pode sofrer com a onda de choque".
Teixeira
dos Santos
O
entendimento de que uma saída da Grécia do euro pode ser apenas um
gatilho não é consensual, mas tem eco na mais prestigiada imprensa
internacional. Ao Financial Times, já no fim de março, Gudin de
Vallerin, economista-chefe do Barclays para a Europa, disse que a
saída da Grécia poderia significar que a pertença à zona euro não
é irreversível, algo que poderia prejudicar países como Portugal,
Espanha e Itália, colocando-os sob maior pressão por parte dos
mercados. Na segunda-feira, o Washington Post referia que a dívida
periférica (de Portugal, Espanha e Itália) é neste momento um
investimento de “alto risco” dada a possibilidade de rápida
venda de ativos caso a Grécia abandone a zona euro. Esta informação
foi recolhida junto de Vincent Juvyns, estratega global do banco J.P.
Morgan, banco que tem vindo a reduzir a quantidade de obrigações
destes países.
Almofada
salva a dívida pública, privados estão expostos
Nos
últimos dias, sobretudo depois de ter falhado um acordo em Bruxelas
no domingo, o que era quase impossível tornou-se um cenário oficial
pela Europa fora. A possibilidade de saída da Grécia já foi nestes
dias admitida por ministros das Finanças, primeiros-ministros, até
por banqueiros centrais da zona euro. O banco de investimento UBS
colocou quatro cenários para o futuro da Grécia: um acordo que
viabiliza o segundo resgate com muita tensão à mistura, o default
da Grécia num determinado pagamento (e consequente reação do BCE),
uma saída rápida após um incumprimento e uma saída retardada em
que se começaria por emitir uma moeda paralela – conheça os
restantes cenários neste especial, tendo em atenção o agravamento
das negociações.
São
as últimas duas hipóteses que mais atormentam Teixeira dos Santos.
“O que eu temo é a dinâmica de desagregação da zona euro”,
explica o ex-ministro e recém-agraciado por Cavaco Silva, referindo
que a partir do momento em a Grécia saia, cria-se um precedente que
se pode estender a ouras economias em dificuldades. “Vai-se optar
pela solução solução mais fácil, que é a saída”, afirma o
antigo ministro, dizendo que a zona euro foi pensada para ser um
projeto integrado e solidário que pretende o crescimento das 19
nações que o compõem. Com uma saída, argumenta, “deixa de haver
pressão para concretizar esse projeto”.
Quanto
a Portugal, Teixeira dos Santos defende que o Governo já fez o
possível ao criar uma almofada de 15 mil milhões que vai garantir a
sustentabilidade da dívida pública. Passos Coelho, disse já esta
semana que “o Tesouro português está, até ao final do ano, em
condições de poder enfrentar qualquer volatilidade no mercado
externo e temos boas razões para pensar que nos próximos meses
teremos, com certeza, uma boa resposta também para o primeiro
semestre de 2016″.
Mas,
segundo o antigo ministro, “não garante o setor privado”,
podendo agravar assim as dificuldades de financiamento das empresas
portuguesas. Até a desvalorização do euro, que podia ser
considerada vantajosa para as exportações, pode virar-se contra as
empresas, já que muitas indústrias enviam os seus produtos para
parceiros da zona euro e caso a economia cresça menos, as
exportações vão contrair.
A
saída da Grécia seria mais “desagradável” para o próprio
país, considera Miguel Beleza, embora admita que seria mau para toda
a Europa. O antigo ministro, que também foi governador do Banco de
Portugal e passou pelo FMI entre 1984 e 1987, com responsabilidade na
Europa do Sul, disse ter experiência de negociação com a Grécia e
perceber o processo que se está desenrolar atualmente. “Para o
pior já estamos preparados. A Grécia tem raízes europeias fortes,
mas algumas particularidades”, assinalou o antigo governante.
“O
Governo devia estar calado daqui para a frente”, afirmou Miguel
Beleza.
Quanto
ao comportamento do Governo português nesta fase e perante uma
saída, Beleza diz que o Executivo “já salientou as diferenças
entre Portugal e a Grécia e não devia fazer mais coisa nenhuma”,
porque neste momento, “não adianta fazer nada”.
"Seria,
evidentemente, desejável que a Grécia permanecesse na Zona Euro e
creio que as instituições europeias têm atuado com abertura para
que tal aconteça".
Faria de Oliveira
Já Braga de Macedo,
ainda espera uma resolução para o impasse grego, a única maneira
de não haver repercussões em Portugal. “Quero acreditar que seja
ainda possível acordar numa solução ordeira para as três
instituições que o Eurogrupo possa aceitar, e que continuaria a não
ter consequências diretas para a economia nacional, embora se deva
completar a união bancária e financeira para a arquitetura
institucional da zona euro ser adequada”, avisou o antigo ministro.
Faria de Oliveira também ainda acredita na permanência da Grécia.
“Seria, evidentemente, desejável que a Grécia permanecesse na
Zona Euro e creio que as instituições europeias têm atuado com
abertura para que tal aconteça”, diz.
Grécia abala
cenários macroeconómicos e eleições em Portugal
Com o PS e a
coligação a fazerem promessas eleitorais, e a construírem os seus
programas, tendo como base cenários macroeconómicos que não
incluíam a possível saída da Grécia, Teixeira dos Santos defende
que todos esses cenários “têm de ser revistos em baixa”. “Há
um efeito psicológico imediato. Toda a gente vai ficar mais
apreensiva e as dúvidas em relação ao consumo e ao investimento
vão ressurgir num ambiente destes”, considerou o professor
universitário.
O programa do PSD e
CDS prevê para os próximos quatro anos um crescimento entre 2% e
3%, enquanto o PS estima que com as suas medidas, o país estará a
crescer 3,1% já em 2017. No entanto, as bases que alicerçam estas
perspetivas de crescimento estão assentes em cenários elaborados a
partir dos primeiros meses deste ano, nomeadamente previsões da
Comissão Europeia e outras instituições europeias que não tinham
em conta um imprevisto deste tipo. Costa procura ainda uma solução
conciliatória, afirmando que é “fundamental que a Grécia se
mantenha no euro”.
A possível saída
não se iria refletir apenas na economia e nas finanças, mas também
no discurso político dos principais partidos portugueses,
especialmente em vésperas de campanha. Carlos Jalali, professor
auxiliar da Universidade de Aveiro, considera que vão emergir da
Grécia imagens de caos e de confusão, que vão permanecer nos meios
de comunicação social durante duas ou três semanas e que poderão
permitir ao Governo de Passos Coelho “dizer que os sacrifícios que
foram feitos pelos portugueses conseguiram evitar uma situação
similar em Portugal”.
O politólogo
admite, mesmo assim, que o argumento tem um calcanhar de Aquiles,
pois caso as taxas de juro das obrigações portuguesas continuem a
subir, os eleitores podem questionar o porquê do aumento, se a
situação de Portugal está estabilizada. Quanto ao PS, Jalali prevê
que o discurso se mantenha de “cautela e distância” face à
Grécia depois da aproximação inicial de Costa ao Syriza. “Os
programas eleitorais deverão reconhecer o efeito da saída, mas já
estão escritos e é tarde para uma nova versão”, entende o
académico. Em outubro, logo se verá.
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