Amanhã
será outro dia, mas hoje decide-se
Francisco
Louçã
Francisco Louçã, economista e ex-líder do Bloco de
Esquerda, esteve em Atenas a convite da presidente do Parlamento, Zoe
Konstantopoulou. Este texto reflecte as impressões dessa estadia
recente na Grécia
22-6-2015 / PÚBLICO
Zoe Konstantopoulou
é uma força da natureza. A presidente do parlamento grego reuniu na
passada semana, em Atenas, a Comissão para a Verdade sobre a Dívida
para apresentar o seu relatório preliminar e, durante dois dias,
membros do Governo e peritos internacionais analisaram as conclusões.
A última sessão,
que começou às 10h e se prolongou, sem interrupção, até às 19h,
foi seguida de uma conferência de imprensa de duas horas. E a
presidente partiu depois para mais reuniões, chegavam as notícias
da cimeira do Eurogrupo no Luxemburgo. “Ainda é possível o
acordo, desde que a Europa aceite que o caminho da austeridade está
fechado”, dizia ela, incansável.
Esse é o espírito
dos governantes gregos, a convicção de que um acordo é possível
até à última hora. Os ministros repetemna, os funcionários
também: o Governo alemão e os seus ainda vão recuar. Um fundador
do Syriza dizia-me, na manifestação da véspera do Eurogrupo, que
Berlim teria que aceitar um acordo — nenhum governante quer ficar
como responsável pelo início da desagregação da União.
O jogo da galinha. É
evidente que, durante a semana, Atenas tomou uma posição mais forte
nas negociações. Para efeitos internos, Tsipras discursou perante
os deputados da maioria, acusando o FMI de “conduta criminosa”
pela espiral de austeridade. No plano externo, reforçou a recusa de
um acordo que implicasse facilitar os despedimentos ou reduzir as
pensões e relançou a proposta de reestruturação da dívida. E
ganhou pontos.
A diferença
notou-se. Anna Asimakopoulou, deputada conservadora, dizia na
manifestação pró-UE de quintafeira, segundo o Guardian: “pela
primeira vez, esta semana fiquei convencida de que não estão a
fazer bluff ; se não conseguirem um acordo decente a meio caminho,
irão no sentido oposto, fora do euro”. Euclid Tsakalotos, o
responsável pelas negociações, confirma com humor que isto é
mesmo o “jogo da galinha”— as duas partes aceleram uma contra a
outra para ver quem se desvia primeiro. A resposta popular ratifica,
para já, esta escolha pela pressão: a última sondagem dá ao
Syriza 34% (36% em janeiro), mas o principal partido de direita desce
de 27% para 13%. Não há oposição interna.
Cosmo e Irene
Karalis, um casal de desempregados com um filho, explicava-me porquê:
o Syriza fez o mais importante, permitiu o reajustamento das dívidas
acumuladas pelas famílias que vivem a vida mais difícil. A economia
que serve é a que crie emprego e essa é a dificuldade.
Um meio termo? A
diferença neste “jogo da galinha” não era curta. Segundo
Wolfgang Munchau, do Financial Times, a proposta da Troika implicaria
uma queda do PIB de 12,6% em quatro anos e o aumento da dívida
pública para 200%. Depois de uma recessão que custou 27% do PIB, é
guerra a mais.
Na procura de um
meio termo, este fim-de-semana circulavam em Atenas informações
sobre duas hipóteses de acordo. A primeira seria um empréstimo
imediato de dez mil milhões e a extensão do acordo até Dezembro.
Seria certamente insuficiente: até Agosto, a Grécia deveria pagar
só ao FMI e ao BCE 8,3 mil milhões, o que seria dar com uma mão e
tirar com outra. O segundo plano seria um acordo diferente: a Grécia
aumentaria o IVA em alguns produtos e nas ilhas, reduziria pensões
antecipadas, cortaria despesas militares, mas começaria já um
alívio da dívida. De quanto, está por saber.
É uma solução
difícil mas não impossível. Parece ser esta a proposta que Tsipras
apresentou ontem a Merkel, Hollande e Juncker. A Grécia insiste numa
anulação de metade da conta do Mecanismo Europeu de Estabilidade e
da indexação dos pagamentos ao PIB. São 70 mil milhões a menos
desde já e uma redução dos pagamentos em juros, o que permite
investir e criar emprego.
O FMI apoia este
abatimento da dívida porque sabe que não há outra solução, desde
que o fardo fique só nas contas europeias. Para Merkel e Hollande, a
escolha é entre um default grego que lhes custará 160 mil milhões
ou um ajustamento que mantenha a integridade do euro. Finalmente,
Draghi, que percebe bem os riscos do euro, prefere sobretudo não ser
chamado a disparar o tiro mortal contra a Grécia. Todos sabem que,
se o Governo fosse socialista ou de direita, as mesmas propostas
gregas teriam sido aceites há muito.
Se este vier a ser o
caminho, então, o que distingue entre o bom e o mau acordo é a
redução da dívida que permita relançar imediatamente a procura
interna e o emprego.
Basta um acerto? Os
mais cépticos, entre os quais me incluo, registam que, depois de uma
queda de 61% da pensão média e com 45% dos pensionistas abaixo da
linha de pobreza mais 50% de jovens desempregados, há um limite
humano para esta austeridade e que um acordo deve ter efeitos
expansivos de curtíssimo prazo. Se amanhã é outro dia, para a
Grécia será preferível sair do euro a aceitar mais austeridade e
uma dívida em cavalgada.
Em todo o caso, para
Atenas a incerteza é o pior dos purgatórios. Mil milhões de euros
foram levantados dos bancos na sexta-feira — um recorde. Não há
filas nos multibancos e não se sente pânico nas ruas, mas o
dinheiro está a ser guardado debaixo dos colchões. Se não houver
acordo hoje, um controlo de capitais é necessário no dia seguinte,
porque, se falhar o apoio do BCE, os bancos ficam imediatamente
insolventes.
Pelo seu lado, o
Governo nunca apresentou esta “alternativa dracma”. Tsipras sabe
que a Grécia depende do mercado interno, é uma economia menos
aberta do que a portuguesa e a desvalorização não teria tanto
impacto sobre as exportações, mas o turismo seria beneficiado e,
sobretudo, a Grécia abateria 300 mil milhões das suas contas no
momento em que declare o incumprimento. Abre uma batalha e pode
preferir evitá-la, mas o maior custo financeiro é dos credores.
A escolha é
portanto unicamente política. A União Europeia optará entre o
castelo de cartas e a recuperação e ninguém quer ceder. Faltam
adultos nessa sala mas Merkel sabe que ela é que vai decidir e que o
seu nome ficará registado. É o seu momento histórico.
O equívoco europeu.
Tsipras começou o seu mandato com um equívoco que pagou caro:
acreditou que teria aliados entre os governos europeus, mas Renzi e
Hollande mostraram imediatamente que, na dúvida, obedecem a Berlim.
E, sobretudo, acreditou que a Alemanha conciliaria. Ficou sozinho.
A passagem do tempo
agravou o isolamento. Quase toda a esquerda está a recuar perante a
crise grega. Os que defendiam um acordo internacional para a
mutualização da dívida dão a causa por perdida, os que esperavam
os sensatos eurobonds desistiram e ainda há espectaculares renúncias
à luta pela reestruturação da dívida. A esquerda tem medo.
Percebeu agora que o Tratado Orçamental não tem margem para evitar
a austeridade e que a única solução estrutural para reestruturar a
dívida é emitir moeda própria e reorganizar a economia dependente.
Percebeu também que o protectorado é uma regra europeia e não se
dispõe a enfrentá-la, sente que o caminho é demasiadamente difícil
e que não sabe percorrê-lo.
O que se decide na
Grécia, por isso, é o fim de uma tragédia, se não for o princípio
de outra. Hoje, só Atenas pode salvar a Europa.
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