Yes,
Xi can?
TERESA DE SOUSA
14/06/2015 - PÚBLICO
O
Presidente americano fez do desafio chinês a sua prioridade
estratégica “número um”. A relação entre a superpotência
vigente e a futura determinará, em boa medida, o que será o mundo
dentro de algumas décadas.
1.O historiador
britânico Timothy Garton Ash dedicou a sua última coluna no
Guardian à China, que visitou recentemente, chamando a atenção
para uma série de mudanças fundamentais para o futuro. Tentou
aceder ao Google ou ao gmail, mas não conseguiu, ao contrário de
anteriores visitas.
Sentiu “um real
nervosismo entre intelectuais que, há um par de anos, falavam muito
mais livremente”, mostrando que “os limites do que pode ser dito
em público parecem reduzir-se constantemente.” O título da sua
coluna resume o essencial: “Perspectivas para a guerra ou a paz na
Ásia-Pacífico dependem do sucesso interno da China”. O ponto de
partida é a nova liderança chinesa e os desafios gigantesco que tem
pela frente, o primeiro dos quais é gerir uma aterragem suave da
economia chinesa, que já não pode ser apenas a fábrica do mundo
graças à mão-de-obra barata, e que precisa de um novo modelo de
desenvolvimento mais equilibrado. Xi Jinping, o novo líder chinês,
está a fazê-lo com mão de ferro. Centralizou nas suas mãos um
poder imenso sobre o partido, sobre o Estado, sobre os militares,
endureceu as regras internas e fez do combate à corrupção dentro
do Partido Comunista uma das suas prioridades. Está também a mudar
a política externa chinesa num sentido mais global e muito mais
“afirmativo”, deixando para trás o “peaceful rising” de Deng
(não fazer ondas para não perturbar o objectivo principal que era o
desenvolvimento económico) e abrindo as portas a uma nova fase que
muitos analistas designam por “not so peaceful rising”.
2. Garton Ash esteve
em Washington antes de visitar Pequim e pode assistir ao debate cada
vez mais intenso sobre se a estratégia de Obama é a mais adequada
ou se há necessidade de uma mudança que leve em conta esta nova
“afirmação” da China no mundo, por vezes através de meios
militares, como está a acontecer no Mar da China do Sul.
O Presidente
americano fez do desafio chinês a sua prioridade estratégica
“número um” (ainda que tenha passado a vida a acorrer a outras
situações imediatas, desde o Irão até à Rússia, passando pelas
novas formas de terrorismo cristalizadas no chamado Estado Islâmico).
A relação entre a superpotência vigente e a futura determinará,
em boa medida, o que será o mundo dentro de algumas décadas.
Hillary Clinton foi a intérprete desta política, estabelecendo a
cooperação com Pequim nos domínios possíveis, ao mesmo tempo que
renovava o compromisso americano com a segurança dos pequenos países
que rodeiam o gigante chinês. É uma política que tenta equilibrar
cooperação e contenção. A aliança com o Japão foi revigorada,
embora persista uma grande desconfiança em Tóquio sobre o grau de
empenhamento americano na sua segurança, em caso de problema sério.
A sucessão de pequenos conflitos com a China por cauda de uma ilha
deserta no Mar da China Oriental já levou o Japão a melhorar a sua
capacidade militar, limitada à “autodefesa” imposta pelos
americanos depois da II Guerra. O nacionalismo retórico que
caracterizou a primeira fase do governo de Shinzo Abe não ajudou em
nada, embora esteja hoje atenuado. Não é só na Europa que a
História continua à flor da pele. Os países ribeirinhos do Mar da
China do Sul (Vietnam, Filipinas, Malásia, Brunei e Taiwan) estão a
reagir contra a construção de uma ilha artificial sobre um recife
de corais onde Pequim quer instalar uma base militar, alegando que
são águas territoriais chinesas. A disputa trava-se em torno dos
arquipélagos das Spratlys e das Paracels, ignorando as advertências
de Washington, os protestos desses países e as decisões do tribunal
arbitral da ONU. Basta olhar para um mapa para perceber a sua
importância estratégia no controlo de rotas marítimas
fundamentais: passam ali 5 triliões de dólares de mercadorias por
ano.
3. Não se trata
apenas da deslocação da riqueza para Leste, trata-se de uma zona do
globo onde a ascensão da China está a provocar sérias tensões e
onde a corrida aos armamentos, não apenas do lado chinês mas de
todos os países que a vêem como uma potencial ameaça, não augura
nada de bom. Como diz o historiador de Oxford, se as coisas correrem
bem a nível interno (o que está longe de ser garantido), “o
capitalismo ocidental, liberal e democrático, terá um competidor
ideológico com um apelo mundial, sobretudo no mundo em
desenvolvimento.” Mas este não é o pior cenário, como ele
próprio reconhece. “Um regime comunista em crise teria muita
dificuldade em resistir à tentação de usar a carta nacionalista de
forma muito mais agressiva, pelo menos na sua vizinhança.”
Os sinais são ainda
contraditórios e exigem dos EUA uma grande ponderação. Não são
apenas os pequenos jogos de guerra no Mar da China que os americanos
têm de gerir com prudência. Só na semana passada dois
ciber-ataques a sistemas militares e civis muito sensíveis vieram
lembrar uma nova forma de “guerra” que é preciso prevenir. Outro
sinal recente e preocupante: a decisão chinesa de equipar os mísseis
de longo alcance DF-5 com múltiplas ogivas nucleares em vez de uma
só, quando os EUA e a Rússia estão a fazer o contrário. Por
enquanto, nem a China nem ninguém consegue aproximar-se sequer da
capacidade militar americana. Mas as coisas não são assim tão
simples.
4. E a Europa no
meio disto tudo? A União Europeia está muito longe de ter qualquer
estratégia face à China, que ultrapasse as relações comerciais e
a competição interna para ser o melhor amigo de Pequim. A última
triste demonstração pública foi a corrida desordenada entre os
grandes países europeus para serem fundadores do novo Banco Asiático
de Investimento e Infra-estruturas de iniciativa chinesa. O problema
é que a China tem uma estratégia para a Europa que está a pôr em
prática meticulosamente. No mês passado, aproveitando o 40º
aniversário do estabelecimento de relações entre Bruxelas e
Pequim, o primeiro-ministro chinês visitou as sedes das instituições
europeias para dizer as mais belas palavras de amizade, desafiando os
europeus a aprofundar as relações a todos os níveis. Não se trata
apenas de economia. A China parte do princípio de que será bom para
a sua afirmação mundial dividir os dois lados do Atlântico.
A crise europeia
ofereceu-lhe uma oportunidade de ouro que não vai desperdiçar.
Enquanto olha, horrorizada, para a forma como os europeus se gerem a
si próprios, vai aproveitando a vulnerabilidade dois países do Sul
e do Leste para criar as bases que lhe podem abrir caminho para a
Europa mais rica em áreas que considera fundamentais, incluindo de
alta tecnologia. E se há exemplo acabado desta estratégia, ele está
em Portugal. O capital chinês, estatal ou privado, comprou algumas
empresas estratégicas (por exemplo, a REN), lançou-se nos seguros
(com a compra da Fidelidade à CGD) e prepara-se agora para entrar na
banca com a aquisição do Novo Banco. Os chineses ganham porque
pagam mais do que os outros e não porque trazem consigo melhor
gestão e melhor tecnologia. O que é mais preocupante é que ninguém
discute sobre isto, como se fosse a coisa mais normal do mundo. Não
passa pela cabeça dos nossos governantes olhar para o que se está a
passar no Mar da China do Sul. A generalidade dos analistas acha que,
em tempo de “guerra”, não se limpam armas. Portugal tinha e tem
interesse em desenvolver relações comerciais com a China, sobretudo
na região de Cantão e através de Macau, mas nunca houve uma
estratégia para tirar partido desta antiga proximidade. Tudo o que o
Governo sabe é entrar na competição de quem é o “melhor amigo”
da China (que nunca ganhará), às vezes de forma patética,
invocando laços históricos que não soube aproveitar quando devia.
Podemos vender à
China as nossas empresas mas, no mínimo, convinha discutirmos os
riscos. Regressando a Garton Ash, ainda não temos resposta para a
questão fundamental: “Yes, Xi can?” Ninguém sabe.
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