Em
Belém (onde é evidente o maior problema de Lisboa)
ANTÓNIO RESSANO
GARCIA LAMAS 05/06/2015 - PÚBLICO
Espero ainda poder
ver o fim da barreira do comboio que separa Lisboa/Belém do Tejo,
situação incompreensível para quem nos visita, e que se dê a
Lisboa um novo futuro.
Entre os inúmeros
problemas do património e ambiente da cidade, o que mais afeta a
qualidade do sítio e prejudica os principais valores que
caracterizam Lisboa é a barreira do caminho-de-ferro que a separa do
rio Tejo.
A localização de
Lisboa no estuário do maior rio da península, abrigada de
tempestades mas aberta ao mar, conformou toda a história da cidade e
de Portugal, e organizou o seu desenvolvimento urbano em encostas
viradas a sul e à fruição de vistas sobre o rio e a escarpada e
verde “outra banda”.
Lisboa acabou,
porém, completamente separada do rio pela linha do comboio, que ia
inicialmente de Cascais a Pedrouços mas que foi prolongada, em 1895,
para vir até ao Cais do Sodré. Inicialmente motivo de progresso e
júbilo por permitir ligar Lisboa às praias da costa do Estoril,
esta linha acabou por ser uma terrível limitação da sua
inestimável condição de cidade à beira de água.
Várias capitais
europeias estão situadas em margens de rios, mas nenhuma como Lisboa
é uma cidade com o potencial que a longa frente de um largo rio
permitiria, mas que aceita, conformada, que esta lhe tenha sido
subtraída: para se aproximar do rio constrói viadutos, cada um de
pior gosto.
Tenho abordado esta
questão por diversas vezes, em público e em tentativas de
sensibilização de responsáveis políticos, mas, agora que presido
ao Centro Cultural de Belém (CCB), recordo todos os dias a
tentativa, sem êxito, para rebaixar o comboio na frente de Belém e
o absurdo que é manter a frente ribeirinha quase inacessível.
Quando fui
responsável pelo projeto do CCB em 1988, procurei que o enterramento
da linha de Cascais na frente monumental de Belém permitisse, pelo
menos nessa zona, ligar a cidade ao rio. Os estudos preliminares
foram desenvolvidos e o despacho conjunto da secretária de Estado da
Cultura e do secretário de Estado das Vias de Comunicação (Obras
Públicas) de então, que ia permitir prosseguir com o projeto de
construção de um túnel semiaberto, desde a Torre de Belém até à
Cordoaria, esteve para ser assinado no fim de 1989. Porém, a mudança
de governo ocorrida no princípio de 1990 fez esquecer o projeto.
Desde então, o
ritmo dos comboios na linha de Cascais aumentou, obrigou a eliminar
as passagens de nível e reforçou o seu carácter de barreira quase
intransponível.
Ao mesmo tempo, esta
barreira já quase só se justifica para ligar a linha suburbana de
Cascais à rede do metropolitano de Lisboa no Cais do Sodré, pelo
que o tempo que decorreu desde 1989 permite pensar numa solução
melhor para ligar Lisboa ao rio do que a do enterramento parcial da
linha férrea na frente de Belém. Isto é, a barreira do comboio em
frente de Lisboa pode ser completamente eliminada, se a sua ligação
à rede de metropolitano for estabelecida antes de o comboio de
Cascais entrar na cidade.
Por exemplo, levando
uma linha de metropolitano até Pedrouços/Algés, onde há terrenos
suficientes para alojar uma estação de transbordo, eventualmente
semienterrada como hoje ocorre no Cais do Sodré. Lisboa ficaria
desse modo, de uma penada, liberta de toda a barreira da linha férrea
e a zona de Pedrouços/Algés beneficiaria de uma ligação moderna à
rede de metro.
As próprias
rodovias, que correm ao lado da via férrea (de um lado as avenidas
24 de Julho e da Índia e do outro a Avenida Brasília), e que são
quase vias rápidas contínuas, poderiam ser interrompidas em vários
troços, permitindo algumas praças e ocupações urbanas na frente
rio.
Os resultantes
benefícios ambientais, urbanísticos e económicos, nomeadamente
turísticos, quer para a cidade, quer para o Porto de Lisboa,
compensariam, pelo menos em grande parte, o investimento necessário.
É um projeto
ambicioso mas empolgante, para o qual pode não haver imediatamente
recursos financeiros, mas que, pelo impacto que terá na cidade, e em
particular em Belém, tudo devemos fazer para que não seja
comprometido por decisões irrefletidas, e possa ser viável.
Espero ainda poder
ver o fim da barreira do comboio que separa Lisboa/Belém do Tejo,
situação incompreensível para quem nos visita e se dê a Lisboa um
novo futuro.
Professor
catedrático do IST e presidente do conselho de administração do
Centro Cultural de Belém
Sem comentários:
Enviar um comentário