quinta-feira, 4 de junho de 2015

Em Belém (onde é evidente o maior problema de Lisboa) / ANTÓNIO RESSANO GARCIA LAMAS


Em Belém (onde é evidente o maior problema de Lisboa)

ANTÓNIO RESSANO GARCIA LAMAS 05/06/2015 - PÚBLICO

Espero ainda poder ver o fim da barreira do comboio que separa Lisboa/Belém do Tejo, situação incompreensível para quem nos visita, e que se dê a Lisboa um novo futuro.
Entre os inúmeros problemas do património e ambiente da cidade, o que mais afeta a qualidade do sítio e prejudica os principais valores que caracterizam Lisboa é a barreira do caminho-de-ferro que a separa do rio Tejo.

A localização de Lisboa no estuário do maior rio da península, abrigada de tempestades mas aberta ao mar, conformou toda a história da cidade e de Portugal, e organizou o seu desenvolvimento urbano em encostas viradas a sul e à fruição de vistas sobre o rio e a escarpada e verde “outra banda”.

Lisboa acabou, porém, completamente separada do rio pela linha do comboio, que ia inicialmente de Cascais a Pedrouços mas que foi prolongada, em 1895, para vir até ao Cais do Sodré. Inicialmente motivo de progresso e júbilo por permitir ligar Lisboa às praias da costa do Estoril, esta linha acabou por ser uma terrível limitação da sua inestimável condição de cidade à beira de água.

Várias capitais europeias estão situadas em margens de rios, mas nenhuma como Lisboa é uma cidade com o potencial que a longa frente de um largo rio permitiria, mas que aceita, conformada, que esta lhe tenha sido subtraída: para se aproximar do rio constrói viadutos, cada um de pior gosto.

Tenho abordado esta questão por diversas vezes, em público e em tentativas de sensibilização de responsáveis políticos, mas, agora que presido ao Centro Cultural de Belém (CCB), recordo todos os dias a tentativa, sem êxito, para rebaixar o comboio na frente de Belém e o absurdo que é manter a frente ribeirinha quase inacessível.

Quando fui responsável pelo projeto do CCB em 1988, procurei que o enterramento da linha de Cascais na frente monumental de Belém permitisse, pelo menos nessa zona, ligar a cidade ao rio. Os estudos preliminares foram desenvolvidos e o despacho conjunto da secretária de Estado da Cultura e do secretário de Estado das Vias de Comunicação (Obras Públicas) de então, que ia permitir prosseguir com o projeto de construção de um túnel semiaberto, desde a Torre de Belém até à Cordoaria, esteve para ser assinado no fim de 1989. Porém, a mudança de governo ocorrida no princípio de 1990 fez esquecer o projeto.

Desde então, o ritmo dos comboios na linha de Cascais aumentou, obrigou a eliminar as passagens de nível e reforçou o seu carácter de barreira quase intransponível.

Ao mesmo tempo, esta barreira já quase só se justifica para ligar a linha suburbana de Cascais à rede do metropolitano de Lisboa no Cais do Sodré, pelo que o tempo que decorreu desde 1989 permite pensar numa solução melhor para ligar Lisboa ao rio do que a do enterramento parcial da linha férrea na frente de Belém. Isto é, a barreira do comboio em frente de Lisboa pode ser completamente eliminada, se a sua ligação à rede de metropolitano for estabelecida antes de o comboio de Cascais entrar na cidade.

Por exemplo, levando uma linha de metropolitano até Pedrouços/Algés, onde há terrenos suficientes para alojar uma estação de transbordo, eventualmente semienterrada como hoje ocorre no Cais do Sodré. Lisboa ficaria desse modo, de uma penada, liberta de toda a barreira da linha férrea e a zona de Pedrouços/Algés beneficiaria de uma ligação moderna à rede de metro.

As próprias rodovias, que correm ao lado da via férrea (de um lado as avenidas 24 de Julho e da Índia e do outro a Avenida Brasília), e que são quase vias rápidas contínuas, poderiam ser interrompidas em vários troços, permitindo algumas praças e ocupações urbanas na frente rio.

Os resultantes benefícios ambientais, urbanísticos e económicos, nomeadamente turísticos, quer para a cidade, quer para o Porto de Lisboa, compensariam, pelo menos em grande parte, o investimento necessário.

É um projeto ambicioso mas empolgante, para o qual pode não haver imediatamente recursos financeiros, mas que, pelo impacto que terá na cidade, e em particular em Belém, tudo devemos fazer para que não seja comprometido por decisões irrefletidas, e possa ser viável.

Espero ainda poder ver o fim da barreira do comboio que separa Lisboa/Belém do Tejo, situação incompreensível para quem nos visita e se dê a Lisboa um novo futuro.


Professor catedrático do IST e presidente do conselho de administração do Centro Cultural de Belém

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