Balbúrdia
na junta. Moradores do Parque das Nações pedem demissão do
presidente
JOÃO PEDRO PINCHA
4/6/2015
8, OBSERVADOR
O
Parque das Nações está mais degradado do que nunca. Junta de
Freguesia diz que tem trabalhado, mas falta tempo e dinheiro. Os
moradores pensam que é conversa fiada e estão fartos.
José Moreno no meio
dos protestos, enquanto ouvia apelos à demissão
João Pedro Pincha
Quando Rui Laginha
chegou à porta da Junta de Freguesia do Parque das Nações, em
Lisboa, só tinha à espera dois agentes da polícia, que haviam
chegado poucos minutos antes. Parecia descrente. O que as pessoas
dizem no Facebook é uma coisa, aparecerem é outra, explicava. Pouco
depois, no entanto, perceberia que entusiasmo era coisa que não ia
faltar. Aliás, entusiasmo de mais, na sua opinião. A concentração
que os moradores do Parque das Nações marcaram para esta
quarta-feira acabou com apelos à demissão do presidente da junta,
com toda a gente aos berros, com troca de acusações e com a mais
recente freguesia de Lisboa a desesperar por reabilitação.
Nos últimos meses,
o Parque das Nações tornou-se irreconhecível para quem o tenha
visitado durante a Expo 98 ou pouco depois. Muitas árvores estão
secas, a relva seca está, as tábuas de madeira estão podres e
despregadas, os jardins impraticáveis, a água desapareceu de muitos
sítios, os parques infantis estão abandonados. O rol de queixas dos
moradores é bastante grande e tem aumentado à medida que o tempo
passa. Quase tudo diz respeito à manutenção do Parque, mas
problemas como a proliferação de sem-abrigo, o tratamento dado à
educação e alguns posts recentes nas redes sociais puseram os
habitantes e a junta de freguesia em rota de colisão.
O culminar disto
foi, para já, a convocação daquilo que era para ser uma
concentração pacífica à porta da junta, enquanto o executivo
estivesse reunido. O protesto estava agendado para as 18h e, pouco
depois dessa hora, eram cerca de 50 as pessoas que já tinham chegado
à “marisqueira”, termo cunhado pelo Observador em outubro e que
os moradores agora usam para se referir à sede da junta. Às 18h13,
o que até então era quase um encontro de amigos tornou-se, de
repente, mais animado.
José Moreno,
presidente da junta, saiu do edifício enquanto decorria uma emissão
em direto da RTP. Dirigindo-se aos circunstantes, convidou-os a
entrar e a juntarem-se à reunião do executivo, que era pública.
“Demissão! Demissão! Demissão”, foi a resposta que obteve,
enquanto era também vaiado. Seguiram-se minutos de ânimos
exaltados, de troca de acusações, de muitos berros e de grande
confusão.
Golpe no paraíso
Rui Laginha não
tinha motivos para estar descrente. Das 173 pessoas que disseram no
Facebook que iam aparecer, estiveram na “marisqueira” pouco menos
de metade, o que, para ele, já era um grande feito, tendo em conta
que a população do Parque das Nações é maioritariamente jovem e
trabalhadora. Este homem tornou-se recentemente numa espécie de
herói do bairro, ao consertar pelas próprias mãos algumas das
coisas que estão mal no Parque: já pregou tábuas levantadas e
reparou bancos de jardim, por exemplo. Algo que, diz, competia à
junta de freguesia.
“O trabalho está
a ser feito. Não se podem resolver estes problemas de um dia para o
outro”, gritava José Moreno à multidão que exigia que se
demitisse. Ao mesmo tempo, era interpelado por diferentes pessoas que
punham em causa o que dizia e lhe faziam pedidos específicos. “Este
homem é lunático”, comentava Pedro Colaço, membro da JSD de
Lisboa e um dos membros mais ativos do grupo “Pela Qualidade Urbana
do Parque das Nações”, que tem levado a cabo iniciativas como
esta. Com um molho de papéis nas mãos, Pedro acusou Moreno de ser
responsável por um “golpe de Estado” na junta de freguesia.
Recentemente, o
grupo independente Parque das Nações Por Nós coligou-se com o
Partido Socialista e foram estas duas forças políticas que passaram
a comandar os destinos da junta. Para o executivo de José Moreno,
trata-se de um acordo que visa acelerar processos junto da câmara
municipal, mas para muitos moradores é uma traição.
“Eu votei nesta
junta, tal como muitos que agora a criticam, pois enquanto era apenas
uma associação de moradores, mexiam-se muito e eram muito ativos e
pareceram-me ser pessoas que conseguiam levar as coisas para a
frente. Mas, infelizmente, foi o oposto”, lamenta Isabel
Vasconcelos. Esta moradora acredita que, durante dois anos, “a
câmara boicotou a junta”, mas desde o acordo com o PS que nada
mudou. “Fiquei parva com o estado de abandono das coisas”.
Pedro Colaço pensa
que é tudo uma estratégia. “O PS teve 21% [de votação] e agora
são eles que mandam”, acusa, explicando que “basicamente, o que
esta junta quer fazer é desmontar tudo e voltar a fazer, para
mostrar obra”. O argumento não colhe junto de Moreno, que diz
estar a “trabalhar honestamente” e que as coisas até já estão
a mudar. Alguns espaços verdes, como o Jardim do Ulisses, já
tiveram intervenção, diz a junta, que acrescenta igualmente que
parte do sistema de rega, o original de há 17 anos, está novamente
operacional, depois de trabalhos de manutenção prolongados.
Do sonho à miséria
Na montra
envidraçada da junta estão colocados dois plasmas onde vão
passando imagens do que a junta diz ser trabalho já feito e provas
de como o Parque das Nações não está tão mal como o pintam. A
equipa de reportagem do Observador encontrou, no entanto, uma
realidade bem diferente, como atestam as fotografias abaixo. Em
outubro passado, o Observador já tinha dado conta do “estado de
degradação enorme” a que alguns espaços tinham chegado. Na
altura, José Moreno culpava a câmara pelo estado das coisas.
“Espero que na primavera possamos ter isto com melhor aspeto”,
dizia, no Parque do Tejo. Hoje, esse parque está com grande parte da
relva seca e muitas zonas completamente abandonadas.
O Jardim Garcia
d'Orta é dos mais degradados
© Fábio Pinto
Hoje em dia, o
Parque das Nações assemelha-se a um adolescente problemático.
Nasceu em berço de ouro, quando o propósito era impressionar o
mundo com a Expo 98 e havia dinheiro para quase tudo: madeiras
exóticas, peças assinadas por artistas de gabarito mundial, um
complexo e inovador sistema de rega. Depois, a exposição acabou e o
menino ficou nas mãos da Parque Expo, empresa que pediu o divórcio,
mas que foi assegurando a manutenção dos espaços até 2013, altura
em que o menino ganhou independência e se tornou uma freguesia de
Lisboa. Só que, desde aí, tem andado rebelde, com a degradação a
alastrar-se, e ninguém parece ter mão nele. A junta, que até há
pouco tempo culpava a câmara pela incúria, chuta agora para a
Parque Expo; já os moradores têm saudades de quando era esta
empresa privada a mandar.
Que o diga Camilo
António, o homem que diz ter gasto dois euros a fazer o cartaz mais
elaborado do protesto e que se deu ao trabalho de contar todas as
árvores que o Parque das Nações tinha, mas já não tem. “Perto
de 300″, diz. “Isto era um sítio de sonho e agora está uma
miséria”, afirma este morador da zona, que prefere a bicicleta ao
carro e era um dos mais indignados esta quarta-feira. “O mais
revoltante é [Moreno] dizer que está contente com o trabalho.
Quando uma pessoa diz uma coisa destas, ou está inconsciente ou está
maluca”, atirou, já depois de o presidente da junta ter recolhido
ao edifício, para continuar a reunião.
No seio do executivo
da junta, há a impressão de que os moradores só se começaram a
mexer agora porque se avizinham eleições legislativas. Os
manifestantes negam, alegando que apenas a qualidade de vida do
Parque os interessa. Um homem idoso, por exemplo, abordou a
reportagem do Observador apenas para que déssemos conta de que
considera que os automóveis andam com demasiada velocidade na
Alameda dos Oceanos. De seguida, retirou-se.
Camilo e o cartaz
que lhe custou dois euros a fazer
João Pedro Pincha
Guerra de
marisqueiras
Acabados os dez
minutos em que presidente e vogais da junta andaram na rua a
travar-se de razões com os habitantes da antiga Expo, a concentração
prosseguiu e a reunião, lá dentro, também. Pelas 19h15, grande
parte dos manifestantes já tinha desmobilizado. Se a junta se
assemelha a uma marisqueira, como o Observador escreveu em outubro,
alguns moradores não quiseram ficar atrás e, dali, seguiram para um
restaurante de peixe próximo, para debater futuras iniciativas.
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