Do maquinista ao cientista, os militantes do Livre
prometem um “grito de impaciência” nas europeias
RITA BRANDÃO GUERRA 01/02/2014 – in Público
Novo partido alerta para
"profundo fracasso" da esquerda se coligação PSD/CDS ganhar
europeias. Renova apelo para a convergência e critica "alvoroço" pela
conquista de eurodeputados.
A coragem de formar um novo partido de esquerda em Portugal
foi uma ideia transversal aos dois dias do congresso fundador do Livre, no
Porto. Mas quem integra este projecto político para além do rosto mediático do
eurodeputado Rui Tavares? Há maquinistas ferroviários e sindicalistas. Mas
destaca-se uma maioria de jovens e licenciados. São biólogos, médicos,
arquitectos ou jornalistas. Muitos deles sublinham que nunca tiveram
intervenção política, muito menos partidária.
O auditório da Biblioteca Almeida Garrett foi o palco
escolhido pelos cerca de 250 membros e apoiantes para dar esse “passo difícil
de formar um partido”, como reconheceu Tavares. O processo de recolha de
assinaturas, feito nas ruas do país ao longo de cerca de dois meses, revelou o
coro de “descrença” na política e o “trauma” em relação aos partidos, mas
também a “imensa vontade de mudança”.
David Morais, 21 anos, veio de Lisboa e é finalista do curso
de Ciências Política e Relações Internacionais. Candidato a um dos 48 lugares
da Assembleia – órgão máximo entre congressos -, David gostava de ser
jornalista e nunca pertenceu a um partido, porque não é a mesma coisa que
aderir a “uma claque de futebol”. Considera-se social-democrata e, num momento
em que “a esquerda abdicou da sua identidade e caiu em descrédito”, quer ver no
Livre uma “esquerda moderna e progressista”.
Outro dos candidatos a dirigente é Diogo Ribeiro de Campos.
Foi militante da JS e é “militante-correspondente” do partido comunista
francês. O diagnóstico que faz é que nas juventudes partidárias já não se
discutem “ideias”, mas “lugares”. O surgimento deste partido configura, para
ele, a oportunidade de regressar aos ideais, ao mesmo tempo que oferece ao
Livre a sua “grande formação em assessoria de imprensa”.
Nas moções específicas apresentadas durante a tarde deste
sábado, os promotores privilegiaram temas tão distintos como a necessidade de
mais socialismo, apostar na pesca ou definir estratégias para a saída do
programa da troika. Mas também uma maior presença da ciência no futuro do país,
como defendeu a bióloga Diana Barbosa, que tem um doutoramento sobre o
comportamento sexual das lagartixas. E apresenta-se “com muitos outros”: “Sou
bolseira. Sou republicana, ateia, humanista e feminista”.
“Fracasso da esquerda”
O Livre ainda não está formalmente constituído e remeteu
para o início desta semana a entrega de cerca de 8500 assinaturas no Tribunal
Constitucional (são necessárias 7500). Para o caso de não estar legalizado a
tempo do sufrágio, fica a ressalva que "fará parte das próximas escolhas
europeias, quer participe ou não nas eleições”.
O sufrágio de 25 de Maio é a oportunidade para discutir,
pela primeira vez, a crise europeia e o Livre promete um “grito de alarme”, mas
também de “impaciência” face a uma esquerda que nunca consegue convergir.
Na moção estratégica para as europeias - A exigência
democrática, aprovada por unanimidade -, os dirigentes criticam o “alvoroço”
dos partidos na discussão de nomes para liderar candidaturas. E, por outro
lado, a ausência de ideias para a União Europeia (UE).
Depois de três anos de programa da troika, o Livre entende
que “é agora a hora de decidir por uma UE progressista ou conservadora,
pró-austeridade ou anti-austeridade, democrática ou tecnocrática”. Até porque,
mais uma vez, “a direita vai junta” e a “esquerda dividida”.
Alertam para "uma possível vitória da coligação
PSD/CDS", concluindo que significaria uma “desmoralização” de quem se revê
na oposição ao Governo e um “profundo fracasso” da resposta que a esquerda consegue
dar. Enquanto em Portugal, “a catástrofe anunciada seria um governo dominado ou
com a participação do PSD e do CDS”, na UE seria a continuação do Partido
Popular Europeu, de direita, à frente dos destinos europeus, lê-se no
documento.
Apesar da tentativa falhada de uma convergência, patrocinada
pelo 3D e que incluiria o Livre, o BE e a Renovação Comunista, o Livre acredita
que podem ser construídas "pontes" no futuro. E que é importante
"assinalar que a convergência foi tentada e não tanto participar num jogo
de culpas porque não foi bem-sucedida”.
“É preciso dizer que a esquerda poderia ir junta a estas
eleições europeias, uma vez que a direita, com diferenças de política europeia
talvez igualmente profundas, também o faz”, dizem. Mas enquanto a esquerda
tarda a agir, fica o aviso de que "surgem líderes com tendências
autoritárias que mudam constituições a seu bel-prazer ou tentam limitar o papel
dos seus tribunais constitucionais”.
“A partir daí e durante cinco anos, os cidadãos estarão uma
vez mais entregues à sua sorte”, concluem.
Dos 250 congressistas anunciados, apenas votaram 94 pessoas,
89 das quais a favor da lista (única) de Rui Tavares para o grupo de contacto
(órgão executivo) e cinco abstiveram-se.
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