Afinal houve mesmo jobs for the boys na administração
pública
JOÃO RUELA RIBEIRO 12/02/2014 – in Público
Estudo da Universidade de Aveiro analisa 11 mil nomeações
entre 1995 e 2009 para cargos públicos e conclui que a maioria serviu para
recompensar lealdades partidárias e para controlar políticas públicas pelos
governos.
Acabado de tomar posse como primeiro-ministro, em 1995,
António Guterres prometia que ia acabar com os jobs for the boys, ou seja, que
as nomeações para cargos públicos iam deixar de obedecer a critérios
partidários. Quase vinte anos depois, um estudo, cuja análise começa em 1995,
revela precisamente que as nomeações para os cargos dirigentes na administração
pública são influenciadas pelos partidos políticos.
Na investigação da Universidade de Aveiro (UA) foram
detectados dois tipos de motivações por trás das nomeações para cargos na
cúpula da administração central: o “controlo de políticas públicas” e a
“recompensa por serviços prestados anteriormente ou em antecipação aos mesmos”,
segundo a autora, Patrícia Silva. “É difícil dizer que uma nomeação ocorra só
por causa de um dos motivos, que por vezes se conjugam”, explica ao PÚBLICO.
As conclusões apoiam-se numa base de dados de 11 mil
nomeações e em entrevistas a “51 dirigentes políticos, ministros e observadores
privilegiados da política portuguesa”, que, “na sua larga maioria, confirmam
essa influência partidária”. “Há um alinhamento [ideológico] entre os partidos
que estão no governo e as pessoas à frente” da administração pública, nota
Patrícia Silva. A investigadora do Departamento de Ciências Sociais, Políticas
e do Território da UA justifica esta realidade com a necessidade de os governos
terem um programa para implementar.
Para além disso, há o recurso por parte dos governos à
informação. “Há uma preocupação de a pessoa que foi nomeada contactar o
ministro antes de tomar uma decisão”, observa a autora do estudo Novos dilemas,
velhas soluções? Patronagem e Governos Partidários. A influência é exercida
mesmo “quando o ministro não consegue nomear a cabeça da instituição”, acabando
por indicar pessoas para cargos mais baixos.
Por outro lado, “as motivações de recompensa surgem
associadas às posições hierárquicas intermédias e a posições nos gabinetes
ministeriais ou nos serviços periféricos da administração pública, bem como a
posições menos visíveis, mas igualmente atractivas do ponto de vista
financeiro”, conclui a investigação, que incide sobre um período temporal que
abarca dois governos do PS (Guterres e Sócrates) e um governo do PSD/CDS (Durão
Barroso/Santana Lopes).
O estudo compara ainda, ao nível legislativo, várias
realidades de outros países e a autora verificou que a influência partidária
nas nomeações para cargos públicos “não é exclusiva de Portugal”. “Nos casos de
uma administração pública permanente como no Reino Unido, os ministros
sentem-se desconfortáveis em trabalhar com essas administrações, nomeiam
special advisors e contornam estas limitações”, explica Patrícia Silva.
“Impacto económico tremendo”
A influência dos partidos nas nomeações na administração
pública é “uma realidade conhecida e um dos maiores problemas do país, com um
impacto económico tremendo”, observa o vice-presidente da Transparência e
Integridade, Associação Cívica, Paulo Morais, em declarações ao PÚBLICO.
“Só por milagre um boy de uma juventude partidária,
habituado a organizar jantares e comícios, consegue fazer um bom trabalho num
organismo público”, critica Morais. O investigador reconhece que “há milagres,
mas a regra é que [os nomeados] tomem decisões incompetentes e erradas”.
O dirigente da TIAC admite que, no “círculo mais restrito da
execução de políticas, se recrutem pessoas de confiança [dos governos], mas
sempre com competência”, sublinhando que “esse critério da confiança faz
sentido num universo de cem pessoas, não de cem mil”.
O actual governo lançou, em 2012, as bases de uma reforma do
regime de selecção para cargos públicos, com a fundação da Comissão de
Recrutamento e Seleção para a Administração Pública (Cresap). O objectivo é
escrutinar de forma mais eficaz o processo de recrutamento para cargos
públicos, ou seja, tentar acabar com os jobs for the boys, como havia prometido
Guterres.
“A tendência é valorizar o mérito e não a fidelidade”,
garante ao PÚBLICO o presidente da Cresap, João Bilhim. O responsável não se
mostra surpreendido com as conclusões do estudo. “O último governo de Sócrates
assumiu isso [nomeações influenciadas por partidos] como um dado”, observa.
Bilhim afirma que a administração pública vai deixar de
estar dependente dos partidos no governo, algo que é garantido pela própria
legislação que prevê cargos de cinco anos. “Digo nas entrevistas que não
estamos a recrutar políticos, mas sim profissionais capazes de lidar com todas
as cores políticas”, afirma o presidente da Cresap.
Paulo Morais considera ainda ser cedo para se fazer uma
avaliação do novo paradigma, mas nota que, “em teoria, é melhor que o
anterior”. “A questão é saber se vem romper com o modelo anterior ou se o vai
branquear.”
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