Parlamento aprova recomendação "mínima" para
grupo de trabalho sobre acordo ortográfico
MARIA LOPES 28/02/2014 – PÚBLICO
Proposta final de Ribeiro e
Castro, Michael Seufert e Mota Amaral foi bastante amputada em relação à
inicial para poder contar com o apoio do PSD.
O Parlamento aprovou esta sexta-feira a recomendação ao
Governo para que crie um grupo de trabalho no âmbito da Presidência do Conselho
de Ministros para fazer o acompanhamento do acordo ortográfico. O texto foi
proposto pelos deputados centristas José Ribeiro e Castro e Michael Seufert e
pelo social-democrata João Mota Amaral.
A bancada do CDS-PP votou dividida: dos 24 deputados, sete
votaram a favor da recomendação, ao lado do PSD e dos Verdes. Os restantes 14
deputados votaram contra, acompanhando o PS e o Bloco. O PCP absteve-se. Com
Ribeiro e Castro e Michael Seufert votaram os centristas Teresa Caeiro, Teresa
Anjinho, José Lino Ramos, Inês Teotónio Pereira e Rui Barreto.
O diploma chegou à votação final bastante amputado em
relação ao seu figurino inicial – o que motivou críticas do PS e do Bloco sobre
o sentido e eficácia da iniciativa. Primeiro, na quinta-feira à noite, tinham
caído os dois parágrafos que previam a possibilidade deste grupo de trabalho
poder vir a propor a revogação, suspensão ou revisão da aplicação do acordo
ortográfico. Fora esta a condição para o PSD deixar passar a proposta.
Já esta sexta-feira de manhã, o texto sofreu mais cortes:
caíram os considerandos, o prazo de funcionamento do grupo de trabalho – que
obrigava a que tivesse mesmo que apresentar conclusões – e até a denominação do
projecto de resolução foi mudado. Em vez da inicial “reavaliação da aplicação”
do acordo ortográfico, o título diz agora apenas “acompanhamento da aplicação”.
José Ribeiro e Castro defendeu que a aplicação do acordo tem
estado envolto em “problemas políticos de efectivação” e “problemas técnicos”
que é preciso ultrapassar. Citou Adriano Moreira para dizer que “a língua
portuguesa não é nossa, mas também é nossa”, pelo que é preciso “ter
plasticidade e inteligência no equilíbrio entre os elementos normativos e o
trabalho de linguistas” e de todos os especialistas e utilizadores da língua,
como docentes ou escritores.
Apesar de ter havido um grupo de trabalho sobre o assunto,
que funcionou na Assembleia da República em 2013, o deputado centrista diz não
ter tirado as conclusões que outros tiram e que é “precipitado” defender
simplesmente a saída de Portugal do acordo ortográfico. Mas considera
fundamental ultrapassar os problemas para aumentar a adesão de todos ao acordo.
Apoio modesto do PSD
A social-democrata Rosa Arezes veio dar um apoio moderado
aos três deputados. Avisou que o partido está “empenhado para que a aplicação
do acordo possa prosseguir com naturalidade”, recordou que se está já numa fase
de transição com a utilização corrente do novo acordo em quase todos os
organismos públicos “sem sobressaltos”. Mas admitiu a “necessidade de limar
algumas arestas e a importância de proceder a melhoramentos”.
Na declaração de voto que no final da votação anunciou -
como o fizeram também as bancadas do PSD e a do CDS-PP e outros parlamentares
em nome individual -, o deputado do PSD José Mendes Bota considerou que a
solução que o seu partido admitiu deixar passar é "o mínimo dos mínimos
dos mínimos, fraca, não vinculativa e que nada fará para inverter o rumo
traçado por este estranho consenso político rendido às conveniências
económicas, diplomáticas e operacionais".
O centrista Telmo Correia veio justificar a oposição da
bancada a esta proposta de dois dos seus deputados com o argumento da “noção de
responsabilidade”, tendo em conta o “percurso que já foi feito” e o “esforço de
entidades, editores, escolas” no processo de implementação do acordo nos
últimos anos.
O deputado citou Fernando Pessoa que disse que “a minha
pátria é a língua portuguesa”, mas fazendo questão de acrescentar que o poeta
falou na “língua e não na ortografia”. Em resposta a Ribeiro e Castro, Telmo
Correia também citou Adriano Moreira para salientar que se a “língua portuguesa
é um instrumento da nossa soberania, Portugal e a soberania não são donos da
língua. Apenas a partilham com outros Estados de língua oficial portuguesa”.
Sobre as “dificuldades” levantadas pelo Brasil, que tem adiado a entrada em
vigor efectiva dos termos do acordo, Telmo Correia respondeu com uma pergunta:
“Se nós temos receio sobre as dúvidas ou dificuldades que o Brasil levanta,
porque levantamos também? O interesse de Portugal é liderar o acordo
ortográfico. E por isso eu votarei contra.”
Crítico da proposta encabeçada por Ribeiro e Castro, o
socialista Carlos Enes veio defender o Brasil e os restantes países que ainda
não aplicam o acordo dizendo que o estão a fazer “ao seu ritmo”. Considerou que
a perspectiva deve ser a de “caminhar com segurança, limar arestas, obter mais
consensos”. Realçando que o corpo do acordo “não é uma Bíblia sagrada”,
defendeu que uma eventual revisão do mesmo deve ser feita a longo prazo, e que
o vocabulário ortográfico comum – a ser usado por todos os países – “está em
fase de ultimação para ser conhecido ainda este ano”. “Compete ao Governo
providenciar que tal aconteça”, rematou, empurrando a questão para o Executivo.
Projectos do PCP e Bloco chumbados
O PCP foi bem mais longe que a proposta dos três deputados
da direita e apresentou um projecto de resolução que previa a criação de um
Instituto para a Língua Portuguesa e a possibilidade de Portugal se desvincular
do acordo se, até final de 2016, não houver um vocabulário comum e um acordo comummente
aceite. Foi chumbado com os votos contra do PSD, PS e CDS-PP; o Bloco
absteve-se.
O deputado comunista Miguel Tiago recordou que o PCP foi o
único partido que não votou o segundo protocolo modificativo ao acordo e que
implicava a entrada em vigor da actual versão. Na altura, o partido “suscitou
dúvidas e teceu críticas que, depois destes anos, não foram respondidas”, nem
mesmo com o trabalho do grupo que propôs e que funcionou no Parlamento durante
sete meses, em 2013.
O comunista afirmou que a sociedade portuguesa se mantém
dividida sobre a questão, que “não foi assegurada qualquer espécie de
convergência ortográfica”, e que “a longo prazo a divergência é crescente, de
acordo com a oralidade”. Recusou as dificuldades que colocam por se voltar
atrás e defendeu a necessidade de um “faseamento para a desvinculação”. “A
existência de um mau acordo ortográfico e de ausência de política da língua é
catastrófica”, criticou Miguel Tiago. Que avisou ser impossível “continuar a
fingir que nada se passa”. “Progresso e acordo sim, mas não a qualquer preço. O
acordo ortográfico deve ser para a salvaguarda da língua e não para o interesse
de editores e distribuidores.”
Também o projecto de resolução do Bloco, que recomendava ao
Governo a “revisão técnica” do acordo, acabou chumbado. Luís Fazenda disse que
o seu partido “continua a ver vantagens na aproximação ortográfica” entre as
várias grafias da língua portuguesa. Mas “há uma suspeição sobre a conclusão,
desenvolvimento e aplicação do acordo, em especial de que o Brasil chegue ao
fim do prazo sem essa aplicação plena”.
Por isso, há que fazer agora uma avaliação para que
“Portugal não fique com grafia isolada”, defende o BE. Mas é preciso fazer mais
do que se propunha o grupo de trabalho proposto pelos deputados da direita, que
Luís Fazenda classificou de “perfeitamente desnecessário” por, depois de tantas
amputações à proposta inicial, não fará mais do que o grupo que trabalhou no
Parlamento. “O tempo é agora de fixar algumas condições deste processo e exigir
ao Governo que seja lesto nos seus contactos políticos e diplomáticos”,
defendeu.
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