EDITORIAL
Não é à irlandesa, mas é uma saída airosa
DIRECÇÃO EDITORIAL 19/02/2014 - PÚBLICO
Até agora, a discussão sobre a forma como Portugal deve sair
do programa de resgate da troika estava colocada entre dois extremos: uma saída
à irlandesa ou uma saída apoiada num programa cautelar. Mas ontem, Peter Praet,
um dos mais altos responsáveis do BCE, veio defender que entre uma coisa e
outra não existe necessariamente um grande vácuo. O membro do conselho
executivo do Banco Central veio dizer que há um meio caminho que pode ser
trilhado, em que podem sair todos (ou quase todos) bem na fotografia. Ou seja,
Portugal faz a chamada "saída limpa", mas continua a ser alvo de uma
“monitorização reforçada pós-programa”. Isto é um eufemismo para dizer que
oficialmente saímos à irlandesa, mas que na prática os nossos parceiros
europeus vão continuar a vigiar as nossas contas públicas. Não é propriamente
uma saída à irlandesa, mas seria uma saída airosa. E não havendo um consenso
político interno, talvez isto seja o melhor que temos para oferecer aos nossos
credores em termos de garantias.
OPINIÃO
A saída limpa e a extrema-direita
PEDRO SOUSA CARVALHO 18/02/2014 - 22:16 in PÚBLICO
O que é que uma saída limpa de Portugal do programa de
resgate tem que ver com o crescimento de partidos de extrema-direita,
extrema-esquerda e eurocépticos na Europa?
O que é que uma saída limpa de Portugal do programa de
resgate tem que ver com o crescimento de partidos de extrema-direita,
extrema-esquerda e eurocépticos na Europa? Aparentemente, nada. Mas vamos por
passos. A forma como Portugal vai sair do programa está a ser decidida no mesmo
gabinete onde os alemães também estão a decidir se a Grécia deverá ter um novo
pacote de ajuda antes ou depois das eleições europeias de 25 de Maio.
E esta semana, o Der Spiegel, que teve informação vinda
desse gabinete, dava-nos conta de uma caricata desavença entre a chanceler e o
seu ministro das Finanças. Conta a revista que Schäuble queria que a Grécia
fosse ajudada antes das eleições como forma de mostrar solidariedade para com
os gregos e, desta forma, impedir que os partidos mais extremistas tivessem uma
votação expressiva. E é preciso contextualizar que, no caso grego, o Syriza, de
extrema-esquerda, defende a saída do país do euro. Já Merkel, com o mesmo
argumento, defendia precisamente o contrário, ou seja, que a Grécia só deveria
ser ajudada depois das eleições para não arreliar o eleitorado alemão e impedir
que os partidos mais radicais na Alemanha venham a ganhar terreno nas eleições.
E é preciso contextualizar que, no caso alemão, o partido Alternativa para
Alemanha esteve a escassos votos de ter assento no Bundestag e que também quer
a Alemanha fora do euro.
Ou seja, temos um a defender uma ajuda antes de eleições
para evitar o crescimento da extrema-esquerda, e o outro a defender uma ajuda
depois das eleições para evitar o crescimento da extrema-direita. Este
calculismo matemático, que trata os eleitores como se fossem parvos, aumentou
com o resultado do referendo suíço sobre a imigração. Já se sabe que as
europeias, mais do que as legislativas, são uma oportunidade para o voto do
protesto e são favoráveis aos partidos periféricos. O que aliado à tradicional
forte abstenção ameaça encher o Parlamento do euro numa sala apinhada de gente
que não quer estar no euro.
E é neste contexto que aparece a necessidade de se tomar uma
posição sobre a forma como Portugal sairá do resgate. E como no caso grego, no
tal gabinete também se discute se uma ajuda a Portugal (o cautelar) antes das
eleições europeias não irá desagradar ao eleitorado que não está disposto a gastar
mais dinheiro com os países do Sul. Querem mostrar Portugal como um caso de
sucesso. E, como tal, querem-nos impingir uma saída limpa, mesmo que essa possa
não ser a opção mais indicada para um país que continua a ser olhado com
desconfiança pelos mercados. E não é por acaso que ontem Passos Coelho veio
dizer que “presume” que se precisarmos possamos vir a ser ajudados. O
primeiro-ministro já não tem a certeza, presume. E vai fazendo este malabarismo
político (sem se comprometer com uma coisa ou outra) até conseguir perceber o
que vai na cabeça desses senhores que estão no tal gabinete em Berlim.
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