Seguro foi aos mercados
Por Ana Sá Lopes
publicado em 19 Fev 2014 in (jornal) i online
O discurso anti-austeridade é incompatível com a profissão
de fé no “défice zero”
Há um espectro que atravessa a liderança de António José
Seguro – e não, não são os críticos que, com alguma regularidade, vêm a público
denunciar alguns dos “inconseguimentos” do líder socialista. O espectro é mais
profundo e inclui também esses críticos, que não têm um programa alternativo –
e que, infelizmente, se estivessem no governo acabariam a fazer metade das
políticas deste governo e uma boa parte das de Hollande, o homem em quem
apostaram e depois os desiludiu.
António José Seguro foi ontem aos mercados, ao participar na
Lisbon Summit do influentíssimo semanário britânico “The Economist”. E, por
muito que Seguro seja desdenhado dentro de (algumas) portas, o que disse serviu
para ser bem-visto nos mercados. O PS de Seguro (e, vá lá, o PS de qualquer
outro líder alternativo a Seguro, no momento em que as coisas estão)
“orgulha-se” de ter contribuído activamente para que Portugal fosse dos
primeiros a assinar o Tratado Orçamental. Se, cá dentro, Seguro fez questão de
bater o pé para que o défice zero não ficasse inscrito na Constituição (uma
cedência à esquerda, com a qual concorda, de resto, o Presidente da República,
Cavaco Silva), para os mercados gabou-se ontem de ter contribuído para que o
défice zero ficasse fixado numa “lei de valor reforçado”.
Os mercados podem ficar descansados. Nada do que ontem disse
Seguro foi de molde a assustar os “investidores” e as “grandes lideranças
europeias”. A conversa anti-austeritária é para funcionário público ver,
pensionista ver, desempregado ver, cidadão com o salário cortado ver. A verdade
é que, por muito que tenha defendido a sua política alternativa para a Europa,
nomeadamente a emissão de eurobonds que fariam diminuir a pressão sobre os
países frágeis, o que Seguro prometeu “aos mercados” foi que, com o PS, também
haverá “equilíbrio das contas públicas”. Afinal, de que serviu insistir tanto
em que o Tratado Orçamental não ficasse na Constituição, se Seguro se orgulha
tanto de o ter metido numa lei de valor reforçado? (Outro socialista, Rodríguez
Zapatero, enfiou-o mesmo na Constituição de Espanha).
A vida tal como nos é imposta pelo governo é insuportável –
mas prometer uma alternativa não-austeritária é impossível. Seguro sabe-o e é
por isso que, no local certo, faz questão de lembrar os seus pergaminhos austeritários
– o “sim” ao défice zero que se transformou numa espécie de certidão de óbito
da social-democracia europeia.
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