Para a direita radical, as medidas do Parlamento são
contra-revolução
PAULO MOURA (em Kiev) 23/02/2014 - 20:25 / PÚBLICO
No processo de tomada de
decisões na Ucrânia revolucionária há uma luta feroz entre os radicais de
direita que conduziram a revolução e a oposição moderada, que muitos vêem como
oligarcas corruptos.
Ouvem-se gritos do outro lado das janelas gradeadas. “É
preciso fazer qualquer coisa”, diz um homem alto e gordo, com um cassetete na
mão e camuflado da cabeça aos pés. “Se não atacamos agora, depois pode ser
demasiado tarde”, ouve-se a boca dele a dizer, por entre o pequeno orifício da
balaclava de lã que só deixa ver os dentes e os olhos.
“Vamos esperar ordens”, diz um homem de baixa estatura e
machado preso ao colete à prova de bala. “Vamos esperar pela decisão do
Parlamento”.
Do interior do edifício, os gritos tornam-se mais
estridentes. “Os guardas estão a torturá-los”, explica um homem baixo, de
capacete na cabeça, Jeugen Hmara, 34 anos, cozinheiro num hotel. “Os presos são
combatentes da Maidan e estão neste momento a ser interrogados ali, por guardas
afectos ao regime”, diz o cozinheiro, apontando para o edifício branco, de
portões encerrados, da prisão de Lukianska. “Temos de atacar agora.”
O grupo foi para aqui enviado pela comando central da
Samooborona, a organização de auto-defesa de Maidan. Recebeu uma informação
segundo a qual uma horda de Titushki (designação por que são conhecidas as
milícias pró-Ianukovich) se deslocava para a prisão de Lukianska. O Sotnia
número 10, uma brigada que tem por missão acorrer a conflitos ou escaramuças
que surjam em qualquer ponto da cidade de Kiev, foi chamado de urgência.
Alguns activistas e mirones já se tinham juntado em frente à
prisão, prevendo a libertação dos detidos, que o Parlamento se preparava para
aprovar. A ideia era festejar, abraçar os presos, levá-los em ombros sob
aplausos e cânticos de louvor à libertação da Ucrânia. Já o propósito dos
Titushka era matá-los.
Antecipando alguns problemas de comunicação e convivência
entre estes dois grupos de manifestantes, o Sotnia número 10 foi enviado, no
seu camião blindado, de rodas gigantes.
Não muito longe dali, o Parlamento prosseguia no seu afã
legislativo. Nomeou Oleksander Turchinov, que na véspera assumira as funções de
presidente do próprio Parlamento, como Presidente interino do país até às
eleições, marcadas para 25 de Maio. Turchinov é um dos líderes do partido
Pátria, chefiado por Iulia Timoshenko, libertada no sábado por ordem deste
mesmo Parlamento.
Continuou ontem a tomar decisões, em maratona parlamentar
revolucionária. Extinguiu o estatuto de língua oficial para o russo em regiões
de população maioritariamente russófona, alterou algumas regras quanto à
possibilidade de procedimento criminal contra detentores de cargos públicos, e
deveria decretar a libertação de mais uns tantos presos políticos.
É por isso que se espera em Lukianska, mas a decisão tarda.
Segundo alguns responsáveis, presentes no local, do partido Patriotas da
Ucrânia, um subgrupo integrado na organização de extrema-direita Sector
Direito, os deputados não se entendem sobre quem devem libertar.
Os responsáveis do Patriotas da Ucrânia dizem estar em
contacto com os seus amigos do partido de direita com representação parlamentar
Svoboda, segundo os quais cada partido só quer libertar os presos da sua cor
política. Aos outros, considera-os criminosos de delito comum.
Em frente à prisão, como não se confirma a chegada das
milícias Titushki, o Sotnia número 10 recebe ordens para retirar. É isso que
diz ao megafone o seu líder, dirigindo-se já para o camião. Porém, nem todos
concordam. Gera-se discussão, vários activistas de capacete, balaclava e escudo
de ferro aduzem argumentos. Um homem esguio, de nariz comprido, olhos verdes,
farda de camuflado, lenço palestiniano ao pescoço e as palavras “Slavonia Brotherhood”
bordadas no boné, levanta a voz: “Se Iulia Timoshenko foi libertada
imediatamente, sem que a decisão tivesse passado por um tribunal, então estes
presos também terão de sair. São tão presos políticos como ela. Só porque
talvez não beneficiem da simpatia do actual líder do Parlamento, não é motivo
para que não lhes sejam aplicados os mesmos critérios. Se a decisão é política
para uns, tem de ser para todos.”
O homem que tão eloquentemente expôs o seu ponto de vista
chama-se Ieroslav Babich, tem 38 anos e é advogado. Mostra o cartão da ordem
dos causídicos da Ucrânia, para confirmar. De momento não está a exercer,
porque se dedica a 100 por cento à causa de Maidan.
“Deixei de acreditar no sistema jurídico, tornei-me
extremista”, diz ele. Depois conta que fez parte do grupo de advogados que
representou os três presos políticos que se encontram ali, na prisão de
Lukianska. A defesa não foi bem-sucedida, foram condenados a seis anos de
prisão efectiva. Recorreram para o Supremo Tribunal, que ainda não tomou
decisão alguma, apesar de os réus já estarem a cumprir pena há dois anos e
meio.
Os condenados são Igor Mosichuk, Vladimir Shpara e Sergei
Bevz, que eram líderes autárquicos na cidade de Vasilkovskoi, eleitos pelo
partido Patriotas da Ucrânia. Segundo Ieroslav, os três autarcas inviabilizaram
a construção de um casino, empreendimento de um poderoso homem de negócios da
região, com a cumplicidade do chefe da polícia. Este, que se preparava para
receber subornos de milhões, decidiu vingar-se contra os três políticos,
forjando provas de que estariam envolvidos na preparação de um acto terrorista.
Nas suas casas foram encontradas armas e explosivos, que os incriminaram em
tribunal. O caso, ocorrido em 2011, foi empolgado pelos media leais ao regime,
sob o título de “Terroristas de Vasilkovskoi”.
Ieroslav, que já se tinha aproximado do partido Patriotas da
Ucrânia desde 2008, aceitou a defesa destes arguidos. Ficou responsável em
concreto pelo caso de Vladimir Shpara.
Mas “o tribunal nunca foi justo nem decente. Os juízes não queriam ouvir nem
considerar as provas, tudo estava decidido desde o início”, conta. “Por isso
decidi desistir. Agora faço justiça como extremista. Estou aqui, e vou libertar
aqueles três homens, com estas armas que tenho na mão.”
Ieroslav Babich é agora militante do Patriotas da Ucrânia,
cujo símbolo é uma suástica ligeiramente distorcida. São os caracteres “NI”
cruzados, que significam Nazi Idea, diz Ieroslav, para logo corrigir, “Nacional
Idea”. O Patriotas da Ucrânia tem no seu programa a proibição imediata do
Partido Comunista e do Partido das Regiões, do ex-presidente Viktor Ianukovich.
“Nós achamos que o que está a ser feito no Parlamento neste
momento é contra-revolução”, diz Ieroslav. “As pessoas que arriscaram, que
estiveram dispostas a dar a vida por este país durante a luta de Maidan é que
deviam estar agora no poder, a dirigir a Ucrânia. O novo Presidente, Oleksander
Turchinov, nunca o vi nas barricadas. O que estamos a assistir é aos oligarcas
a reposicionarem-se, tentando obter cargos, à custa da revolução de Maidan. Eu
acho que quem devia agora ser chamado ao poder são os que realmente fizeram a
revolução, o Sector Direito.”
Andrei Lazovi, um dos líderes do Sector Direito, pega agora
no megafone para exortar todos os presentes a dirigirem-se ao Parlamento, para
exigirem a libertação de todos os presos políticos e a marcação não apenas de
eleições presidenciais, mas também de eleições legislativas a 25 de Maio.
Após alguma discussão, concluem que não são suficientes para
fazer ouvir a sua proposta, e decidem levá-la ao palco da Praça da
Independência. Lazovi fica incumbido de conseguir tempo de antena no palco da
Maidan. Quando os milhares de pessoas que enchem a praça de manhã à noite o
ouvirem, correrão para o Parlamento com a nova exigência.
“Amanhã o Parlamento será obrigado a votar a nossa
proposta”, diz Lazovi ao megafone. “Amanhã estaremos aqui à mesma hora para
abraçar os nossos companheiros libertados.”
Agora é preciso lutar por uns minutos no palco da Maidan, a
tribuna do novo poder. O espaço onde se digladiam os grupos da vanguarda da
revolução, com o Sector Direito, de extrema-direita, à frente, e a oposição
política, vista por aqueles como uma corja de oligarcas oportunistas. O palco é
última instância de decisão da Ucrânia libertada, mas não é a Maidan, diz
Ieroslav. “O palco já foi transformado em festa, em discoteca, tomado pelos
traidores da Maidan. Temos de os tirar de lá. Não podemos ir para casa. A
revolução continua”.
Western nations scramble to contain fallout of Ukraine
crisis
Interim government signals
that it will push for European integration as Russia recalls ambassador for
'consultation'
Ian Traynor in Brussels and Shaun Walker in Kiev
The Guardian, Monday 24 February 2014 / http://www.theguardian.com/world/2014/feb/23/ukraine-crisis-western-nations-eu-russia
Western governments are scrambling to contain the fallout
from Ukraine's weekend revolution, pledging money, support and possible EU
membership, while anxiously eyeing the response of Russia's president, Vladimir
Putin, whose protege has been ousted.
Seemingly the biggest loser in the three-month drama's
denouement, the Kremlin has the potential to create the most mischief because
of Ukraine's pro-Russian affinities in the east and south, and its dependence
on Russian energy supplies.
Acting president Oleksander Turchinov said on Sunday night
that Ukraine's new leaders wanted relations with Russia on a "new, equal
and good-neighbourly footing that recognises and takes into account Ukraine's
European choice".
But the tension between the Kremlin and the interim
government was underlined when Russia recalled its ambassador to Ukraine on
Sunday for "consultations" and to "analyse the situation from
all sides", the foreign ministry said.
European Union foreign policy chief Catherine Ashton will
travel to Ukraine on Monday, where she is expected to discuss measures to shore
up the ailing economy.
With the whereabouts of the former president Viktor
Yanukovych still uncertain, the Ukrainian parliament legitimised his downfall,
giving interim presidential powers to an ally of Yulia Tymoshenko, the former
PM who was released from jail on Saturday. Oleksandr Turchinov said the
parliament should work to elect a government of national unity by Tuesday,
before preparations begin for elections planned for 25 May.
Yanukovych appeared on television from an undisclosed
location on Saturday night, claiming he was still president and comparing the
protesters to Nazis, but he continued to haemorrhage support on Sunday; even
the leader of his parliamentary faction said he had betrayed Ukraine, and given
"criminal orders".
Western leaders, while welcoming the unexpected turn of
events in Kiev, are worried about the country fracturing along pro-Russian and
pro-western lines. They are certain to push for a new government that is as
inclusive as possible to replace the collapsed and discredited administration
of Yanukovych, who vanished within hours of signing an EU-mediated settlement
with opposition leaders on Friday.
"France, together with its European partners, calls for
the preservation of the country's unity and integrity and for people to refrain
from violence," said Laurent Fabius, the French foreign minister.
British chancellor George Osborne said early on Monday that
the UK was standing ready to help the country through schemes set up by the IMF
and European Union.
"It's very, very early days, early hours, but the
people of Ukraine seem to have demonstrated their wish to take their country
into the future, to have stronger links with Europe, and I don't think we
should be repelling that, we should be embracing that," he said speaking
to journalists in Singapore.
"We should be there ready to provide financial
assistance through organisations like the IMF, and of course a lot of this will
take the form of loans and the like, but there will be good investments in the
economy of Ukraine".
Putin, preoccupied with the closing ceremony of the Sochi
Olympics, has not yet commented publicly on the violence of the past week and
Yanukovych's flight from the capital. Angela Merkel phoned him on Sunday to
press for assurances on Russia's reaction. Susan Rice, the national security
adviser to Barack Obama, warned that Moscow would be making a "grave mistake"
if it sent military aid to Ukraine.
"There are many dangers," said William Hague, the
foreign secretary. "We don't know, of course, what Russia's next reaction
will be. Any external duress on Ukraine, any more than we've seen in recent
weeks … it really would not be in the interests of Russia to do any such thing."
Whether such nightmares are realised will hinge largely on
the Kremlin's position and policies. Sergei Lavrov, the foreign minister, has
called the protesters on Independence Square "pogromists", but it
appears that Moscow is grudgingly coming to terms with the new reality. In a
phone call with the US secretary of state, John Kerry, on Sunday, Lavrov
accused the opposition of seizing power and failing to abide by the peace deal
thrashed out on Friday.
Analysts say Yanukovych, disgraced as he is, no longer holds
any use for the Kremlin, but how the Russians will react on the ground is still
an open question. This also partly depends on the new Ukraine government. One
of the first issues the parliament tackled this weekend was that of the
language, annulling a bill that provided for Russian to be used as a second
official language in regions with large Russian-speaking populations. If the
new government also looks to end the lease of a Black Sea naval base by the
Russian military, the response from Moscow could be more aggressive.
"It will definitely depend on how the new government
behaves," said Vladimir Zharikin, a Moscow-based analyst. "If they
continue with these revolutionary excesses then certainly, that could push
other parts of the country towards separatist feelings. Let's hope that doesn't
happen."
In Kiev, the barricades around Independence Square remained
in place, though the lines of riot police have long dissipated. Thousands of
people came to the barricades to pay respects to the 77 people who died last
week in the bloody clashes that eventually led to Yanukovych fleeing.
As the third of three official days of mourning ended,
priests continued to sing laments from the stage in the square. Between the
soot-black pavements and the slate-grey sky, there were splashes of bright
colour as thousands brought bunches of flowers to lay at makeshift memorials to
the dead.
At Yanukovych's residence outside Kiev, a team of
investigative journalists went to work on a trove of documents fished from the
water; the president's minders had apparently tried to destroy them before
fleeing. Thousands of people again came to see the vast, luxurious compound
with their own eyes.
Tymoshenko, who has her eyes on the presidency, met the US
and EU ambassadors in Kiev. She was released from prison on Saturday and went
straight to Independence Square, where she promised to fight for a free
Ukraine. There was ambivalence about the former PM among the protesters, with
many feeling that she represents the divisive and corrupt politics of the past.
There was no clear central authority in Kiev on Sunday, with
the city patrolled by a self-proclaimed "defence force", comprising
groups of men wearing helmets and carrying baseball bats. Nevertheless, the
mood was orderly and peaceful, and the protest representatives have been
meeting with the police and security services in an attempt to restore a
feeling of normality to the capital.
With the country about to turn a new page in its history,
for the first time since the crisis erupted in November senior EU officials
spoke of the possibility of Ukraine joining the union which, if serious, would
represent a major policy shift.
"We are at a historical juncture and Europe needs to
live up to its historical moment and be able to provide Ukraine with an
accession perspective in the medium to long term – if it can meet the
conditions of accession," said the economics commissioner, Olli Rehn, at a
G20 meeting in Australia.
Until now, Brussels's policy towards Ukraine and other
post-Soviet states, known as the eastern partnership, has been expressly
intended as a substitute for rather than a step towards EU membership. It was
the EU deal – Yanukovych's rejection of political and trade pacts with the bloc
in favour of cheap loans and energy from Russia – that sparked the conflict and
crisis in November.
With the likelihood of Russia's $15bn (£9bn) lifeline
dissolving, the EU is under pressure to come up with funding to shore up the
country's economy, on the brink of bankruptcy. "We are ready to engage in
substantial financial assistance for Ukraine once a political solution, based
on democratic principles, is finalised and once there is a new government which
is genuinely and seriously engaged in institutional and economic reforms,"
said Rehn.
The EU said Baroness Ashton would travel to Ukraine on
Monday. "In Kiev she is expected to meet key stakeholders and discuss the
support of the European Union for a lasting solution to the political crisis
and measures to stabilise the economic situation," an EU statement said.
The upshot is expected to be an IMF programme, supported by
the US and the EU, although EU officials partly blame the IMF for the November
fiasco by attaching strict terms to loans and prodding Yanukovych towards
Moscow.
"We will be ready to engage, ready to help," said
Christine Lagarde, the IMF chief who is also being tipped as a contender for a
top job at the EU this year. The fund is likely to insist on major reforms and
steps in an attempt to prevent the plunder of the country by Ukraine's
oligarchs.
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