OPINIÃO
O mistério Relvas
JOÃO MIGUEL TAVARES 25/02/2014 – Público
Porquê? Digam-me porquê, por amor de Deus. Por que é que
Pedro Passos Coelho resolveu reabrir o túmulo político onde repousava Miguel
Relvas, para a sua triste figura vir novamente assombrar os nossos dias, numa
altura em que as coisas pareciam começar a correr bem para o PSD?
Se todos nós sabemos que assim que Miguel Relvas abre a boca
e mostra os dentes o PSD perde votos, como se justifica este impulso autofágico
de Passos Coelho? Será por causa da máquina "laranja"? Mas se Relvas
fosse mesmo o todo-poderoso apparatchik, o homem que domina o aparelho com a
ponta do calcanhar, como é que se explica a miserável votação da lista que ele
encabeçou para o conselho nacional? Nada disto faz sentido, senhoras e
senhores, e a falta de sentido faz-me comichão na zona da democracia. Eu não
consigo perceber que tipo de relação tem realmente Pedro Passos Coelho com
Miguel Relvas – e não gosto de não perceber.
O rasto que Relvas deixou com a sua passagem pelo Governo
não é coisa que se apague nos 10 meses que esteve afastado da política nacional
(publicamente, pelo menos), depois de ter sido empurrado porta fora pelo
relatório do processo de verificação das equivalências da sua licenciatura, que
lhe foi instaurado pelo Ministério da Educação e posteriormente divulgado por
Nuno Crato, em Abril do ano passado. Neste aspecto, a seriedade com que o
assunto foi então abordado, e a transparência do trabalho da Inspecção-Geral da
Educação e Ciência, foram exemplares num país que está habituado a esconder
tais casos debaixo do tapete. Basta comparar a forma como foram geridos os
casos das licenciaturas de José Sócrates e de Miguel Relvas para verificarmos
que nem todos os Governos se equivalem.
A posterior substituição de Relvas por Poiares Maduro foi um
ganho indiscutível em termos de postura política e de currículo. O facilitador
Relvas partiu para tomar posse como alto-comissário da Casa Olímpica da Língua
Portuguesa no Brasil, um daqueles títulos ridículos que servem de penacho aos
lobistas profissionais, para continuar a olear relações dentro do seu triângulo
favorito – Portugal-Angola-Brasil. Muita saúde e água de coco para ele. E nós
por cá fomos passando excelentemente sem a sua pessoa, com um novo ministro que
tinha um pouco mais do que parlapiê, e tentando não pensar demasiado no passado
em comum de Miguel Relvas com Pedro Passos Coelho e em todas as Tecnoformas
desta vida.
E foi assim, com o assunto morto e enterrado, que Pedro
Passos Coelho, manifestamente cansado de boas notícias, decidiu recuperar o
velho parceiro para o conselho nacional do partido. E com ele regressaram as
perguntas. É porque são muito amigos? Mas se Relvas fosse mesmo muito amigo do
primeiro-ministro saberia com certeza reconhecer que a sua presença ao seu lado
o prejudica politicamente, e seria o primeiro a afastar-se, por amizade. É
porque Passos Coelho precisa de Relvas para gerir o próximo ciclo eleitoral?
Mas, para isso, não precisava de estar em primeiro lugar na lista do conselho
nacional do PSD – Relvas poderia perfeitamente fazer esse trabalho nos
bastidores. É porque Passos Coelho, como sugeriu Marcelo Rebelo de Sousa, é
muito teimoso? Mas teimosia é não deixar cair, não é ir buscar novamente depois
de já ter caído. O casal Relvas-Coelho não casa, nunca casou e, no entanto, insiste
em permanecer casado. O mistério adensa-se. E se os mistérios são óptimos em
policiais, são péssimos em democracia.
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