Um plano de revitalização e propostas para travar a
“degradação” do Areeiro
A criação de ligações entre
os quarteirões através dos logradouros e a construção nesses espaços de
equipamentos são algumas das propostas de um grupo de residentes e
trabalhadores nesta zona de Lisboa
Inês Boaventura / 22 fev 2014 / PÚBLICO
Um comerciante, uma professora de Arquitectura do Instituto
Superior Técnico (IST) e dois moradores, um deles arquitecto e a outra
socióloga, uniram esforços e apresentaram à Câmara de Lisboa uma proposta para
que seja definido “um plano de revitalização” para o território da antiga
freguesia de São João de Deus. O objectivo é “inverter o processo de abandono e
degradação” da zona.
A iniciativa começou a ganhar forma em Setembro de 2013,
quando os autores da proposta se juntaram numa acção promovida pelo Movimento
de Comerciantes da Avenida Guerra Junqueiro, Praça de Londres e Avenida de
Roma, por ocasião da Semana Europeia da Mobilidade. “Conhecemo-nos, começámos a
falar e ficámos com a sensação de que era possível fazer qualquer coisa,
envolvendo instituições como o IST, moradores e comerciantes”, explica Carlos
Moura-Carvalho, proprietário da Mercearia Criativa.
Dois meses depois, a reflexão que fizeram deu origem a um
documento de oito páginas, que enviaram ao presidente da câmara e ao vereador
do Urbanismo, Manuel Salgado. Nele, Carlos Moura-Carvalho, Teresa Valsassina
Heitor, João Appleton e Sandra Marques Pereira elencam os pontos fortes da zona
(entre eles o seu valor histórico e arquitectónico e a qualidade de
construção), bem como os problemas de que sofre (como o declínio populacional e
o fecho de lojas que dão lugar a outras, “desvalorizadoras”).
Aquilo que os quatro propõem é que seja elaborado um
documento de “caracterização” da área da “Avenida Guerra Junqueiro, Praça de
Londres, Avenida de Roma e vias envolventes”, no seguimento do qual se possam
“identificar os problemaschave que se devem enfrentar nas propostas de
revitalização e requalificação” deste território.
“Não se pretende uma coisa académica, mas sim participativa,
acessível à maior parte das pessoas”, frisa Carlos Moura-Carvalho, defendendo
que depois de concluído esse estudo será possível passar à acção “no curto
prazo”. Poder-se-á até constituir, diz Teresa Valsassina Heitor, toda a zona ou
apenas parte dela como um projecto piloto, no quadro de uma intervenção que
poderá depois ser alargada. A professora universitária lamenta que esta área da
cidade tenha vindo a ser “negligenciada” pela câmara e sublinha que ela “teria
todas as condições” para se afirmar como um bairro urban friendly. No fundo,
aquilo que agora se pede ao município, resume a socióloga Sandra Marques
Pereira, é que tenha “uma visão antecipativa” que “previna o fim de vida” da
zona, passadas seis décadas da construção dos primeiros edifícios e da fixação
dos seus moradores originais.
A conversa com o PÚBLICO começou numa esplanada da Guerra
Junqueiro e prolongou-se por um passeio demorado pelo território da antiga
freguesia de São João de Deus, que se fundiu com a do Alto do Pina, ganhando a
designação de Areeiro. Ao longo do caminho, foram várias as paragens, boa parte
das quais em alguns dos muitos logradouros existentes no interior dos
quarteirões.
Para esses espaços, muitos deles transformados em parques de
estacionamento mais ou menos ordenados, não faltam ideias. “São áreas com um
enorme potencial”, sublinha João Appleton, apontando a possibilidade de criação
no seu interior de espaços de trabalho ou equipamentos “úteis” para a
comunidade local, como por exemplo creches. “Não têm de ser coisas impactantes,
intensivas”, apressa-se a explicar o arquitecto, antecipando as críticas que a
sua proposta poderá gerar.
Hoje os logradouros, considera João Appleton, “são tão pouco
conhecidos que nem são espaços públicos”. É por isso que o arquitecto sugere
que neles sejam feitas aberturas, que possibilitem o seu atravessamento e a
ligação entre diferentes quarteirões. Como acontece já no Jardim Fernando Peça,
que une a Av. de Roma e a João XXI, e cuja área verde e parque infantil têm
grande procura. “Os logradouros não são do conhecimento geral do passante, são
um elemento a explorar”, corrobora Teresa Valsassina Heitor.
A arquitecta e professora diz ainda que “o ambiente de
traseiras” que existe nesses espaços “hoje não é hostil, tornou-se
confortável”, com os seus elementos da vida doméstica, incluindo a roupa a
secar.
Outra hipótese colocada pelo grupo é a de os edifícios desta
zona serem repensados, por exemplo estudando-se a hipótese de divisão dos fogos
de grandes dimensões, para atrair novos e diversos moradores. E, acrescenta
Sandra Marques Pereira, promovendo-se a “refuncionalização” de algumas áreas,
como os antigos quartos das criadas que para muitos já não farão hoje sentido.
As “propostas a explorar” incluem também o estudo da
vulnerabilidade sísmica dos edifícios e dos revestimentos e acabamentos
decorativos presentes nas suas fachadas e interiores, “tendo em vista a sua
conservação e manutenção”.
“É uma zona com uma qualidade urbanística e arquitectónica
que interessa preservar”, resume Teresa Valsassina Heitor, lembrando que foi
neste território de Lisboa que “o modelo de vida moderna urbana” foi posto em
prática pela primeira vez numa perspectiva de bairro.
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