EDITORIAL
As duas armadilhas de Passos
Coelho
DIRECÇÃO EDITORIAL 23/02/2014 - 23:18 / PÚBLICO
Congresso correu melhor do que PSD esperava. Mas Relvas e
excesso de confiança podem ser fatais.
E eis quando tudo o que não se esperava que acontecesse no
Congresso do PSD aconteceu. Não se esperavam notícias. Não se esperavam alguns
militantes de peso. Não se esperavam alguns discursos. E muito menos se
esperava que, do Coliseu dos Recreios, nascesse uma nova dinâmica na política
portuguesa.
Mesmo que efémera.
Ironia das ironias, Pedro Passos Coelho, o primeiro-ministro
que impulsionou a maior vaga de austeridade na história democrática portuguesa,
sai do seu congresso com um nome sólido para as europeias, a campanha para as
legislativas em marcha e, sobretudo, uma imagem de líder consensual, senão
mesmo forte, ao redor do qual todos no partido se unem. E sai até com Paulo
Portas ao seu lado, que o foi aplaudir descontraído e em traje de passeio.
Apareceu Marques Mendes, Luís Filipe Menezes, Pedro Santana
Lopes e até Marcelo Rebelo de Sousa. Os quatro antigos líderes do partido foram
ao Coliseu — e às televisões nacionais — dizer que, independentemente das
críticas públicas e ferozes que fazem ao Governo, Passos é o seu líder. Haverá
aqui alguma dose de estratégia, mas não foram meigos nem doces com Passos e com
isso foram razoavelmente convincentes.
O PSD está a quase 11 pontos abaixo do PS nas intenções de
voto, mas no Coliseu ninguém parece acreditar nesses números. O PSD acredita na
vitória em 2015 e quer avançar para as reformas do Estado antes do fim do seu
mandato. Passos sublinhou que Portugal não precisa da troika para saber o que
tem de fazer, e sugeriu que, havendo um consenso mínimo, não é preciso fazer
“contratos com o BCE e a União Europeia”.
Ironia das ironias, o país que tem hoje 800 mil
desempregados, 137 mil dos quais jovens e 200 mil novos emigrantes viu o seu
primeiro-ministro rir às gargalhadas ao ouvir Marcelo criticá-lo por ser
“longamente irritante”, num espectáculo de aparente harmonia que surpreendeu.
Palavras são palavras, e congressos partidários são festas.
Mas como seria um congresso do PS hoje?
Ironia das ironias, os socialistas, estando na oposição há
três anos e 11 pontos acima nas sondagens, não estão a conseguir transmitir
este dinamismo. Pelo contrário. Teriam tudo nas mãos para projectarem coesão e
segurança, mas até o simples anúncio do cabeça de lista às europeias apareceu
meio de sopetão. É claro que quando Paulo Rangel e Francisco Assis começarem o
seu frente-a-frente, isto não passará de um pormenor. E o debate, antecipa-se,
será muito interessante. Mas a confusa gestão deste dossier permitiu a Portas
dizer que os “motores para as europeias” da coligação já estavam em marcha, e a
Rangel pedir para deixar de ter “adversários virtuais”.
Passos caminha, porém, sobre duas armadilhas. Ambas com um
potencial destrutivo a não substimar. Uma chama-se euforia dos sinais de
recuperação económica. A outra, Miguel Relvas.
A festa surpresa de Passos Coelho
Daniel Oliveira
8:00 Segunda feira, 24 de fevereiro de 2014 in EXPRESSO online
Que os mais críticos de Passos Coelho não passariam pelo
Coliseu dos Recreios já se sabia. A única vaga ameaça seria Rui Rio e este sabe
da poda e espera pela sua hora Previa-se, assim, um congresso sem história. E a
vitória esmagadora de Passos valeria exatamente o mesmo que a vitória
esmagadora de Sócrates nas vésperas de perder eleições legislativas: nada.
Seria apenas a demonstração de que, em Portugal, infelizmente, os partidos com
vocação de poder não têm grande vocação para o debate interno.
Mas o fútil jogo em torno das eleições Presidenciais acabou
por oferecer a Passos Coelho um bom fim-de-semana, quase fazendo esquercer o
balde de água fria que veio com a 10ª avaliação do FMI. Descartado que estava o
apoio a Marcelo Rebelo de Sousa, Pedro Santana Lopes preparava-se para brilhar
sozinho em mais um festival de banalidades no palco do Coliseu (é um mistério
que alguém que se dedica há tantos anos à vida política mantenha um tão
evidente desinteresse intelectual pela política propriamente dita). Santana
seria o assunto de sábado à noite. E os "barrosistas" estavam
colocados para preparar o regresso do seu homem à corrida a Belém. Mas Marcelo
não brinca em serviço. Numa conversa coloquial, fez o seu show no Coliseu. Não
terá servindo de grande coisa mas Marcelo teve um fim de semana animado e isso
é que é importante. Apareceu, anulou com o seu discurso a tonta referência a
"cataventos" na moção de Passos Coelho e, crime imperdoável, estragou
o momento de Santana, que, a altas horas da noite, andou às voltas a tentar
encontrar a frase que levantasse os congressistas das cadeiras. Acabando, no
fim, por se contentar com um fácil ataque a Pacheco Pereira e António Capucho,
recurso de um desesperado para ganhar uma plateia perdida.
Marcelo voltou a uma corrida que apenas entretém os envolvidos
e os jornalistas. Mas involuntariamente acabou por ter uma enorme utilidade
para Passos Coelho. No ano do 40º aniversário do partido, os ex-presidentes
atropelaram-se na primeira fila e houve até quem esperasse que Sá Carneiro
regressasse ao reino dos vivos para vir "dar um abraço ao Pedro". E a
festa surpresa, em que, como explicou o inconsolável Santana, apareceu quem se
julgava que faltaria, animou as hostes. O PSD, a léguas das angústias nacionais
e para êxtase do nicho mediático em que esta política se move, celebrava-se a
si próprio. Com a ausência dos críticos e de Rui Rio. Rio, Pacheco e Ferreira
Leite, sem lá estarem, nunca pareceram tão desoladoramente isolados.
O que aconteceu este fim de semana não tem importância
nenhuma para o país. É apenas espetáculo sem qualquer consequência prática.
Miguel Relvas lá regressou em espírito, sendo eleito à revelia e mostrando que
o líder só se livra dele quando ele quiser. Santana Lopes lá falou da
sensibilidade social de Passos Coelho, um dos segredos mais bem escondidos da
política nacional. Fernando Costa lá fez o seu número cómico, provocando, com
declarações de amor ao seu aliado em Loures, o enxovalho público (e, neste caso
específico, merecido) de Bernardino Soares. Luís Filipe Menezes lá assumiu todas
as responsabilidades pela sua derrota no Porto para depois responsabilizar
todos os outros. Paulo Rangel lá se indignou com o facto do PS ainda não ter
anunciado o seu candidato às Europeias quando o PSD já o tinha anunciado e ale
há dez minutos - e Seguro, sempre empenhado nas disputas mais inúteis, veio a
correr anunciar, sem pompa nem circunstância, Francisco Assis, que nem os
próprios envolvidos conseguirão, no debate sobre a Europa, distinguir de
Rangel. Passos Coelho lá apelou, pela enésima vez, a entendimentos com o PS,
para que os credores tenham mesmo certeza de que as eleições são uma mera
formalidade. A ausência de alternativa, numa grande união nacional, seria
"a melhor prenda no 25 de abril". Tudo se pode ouvir nos dias que
correm. E todos lá repetiram que o País está melhor, mesmo que os portugueses
estejam pior. Mas, mostrando que o PSD é igual aos outros partidos, nada
excitou mais a plateia do que o tiro ao Pacheco. E as únicas intervenções
dignas de debate político - as de Nuno Morais Sarmento e de Jorge Moreira da
Silva -, não aqueceram nem arrefeceram a sala. Pareciam dois nerds numa festa
de finalistas.
No meio de tanta irrelevância, apenas sobra uma evidência:
não será, nunca foi, nem de dentro do PSD nem do resto da direita, que virá a
alternativa a Pedro Passos Coelho. Nem Pacheco Pereira, nem Manuela Ferreira
Leite, nem Rui Rio fazem qualquer diferença. Em líder que distribui lugares não
se mexe. Quem não gosta, espera pela sua vez. Quando também tiver lugares para
distribuir.
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