Alunos de Arquitectura desafiados a imaginar uma outra
colina de Santana
INÊS BOAVENTURA 15/02/2014 – in Público
Os projectos demonstram que é
possível preservar os edifícios dos hospitais a desactivar e dar-lhes usos
diversificados, além do residencial.
O último debate sobre a
colina de Santana está marcado para 11 de Março, data que ainda carece de
confirmação
E se pensássemos “fora da caixa” e desenvolvêssemos “outras
visões” para a colina de Santana, em Lisboa? Este foi o desafio lançado pelos
professores universitários José Aguiar e Pedro Pacheco aos seus alunos ao longo
dos últimos quatro anos. As propostas que lhes têm sido apresentadas, dizem,
demonstram que é possível “reutilizar” muitos dos edifícios existentes, através
de “programas heterogéneos”, e mesmo assim conseguir níveis de edificabilidade
iguais aos previstos.
Esse trabalho, explica Pedro Pacheco, foi feito em paralelo
com um outro: o da cartografia de “80 e tal conventos” de Lisboa, incluindo os
que ainda hoje existem e outros entretanto desaparecidos. “Eram pólos de
desenvolvimento, foram organizadores de cidade”, sublinha o arquitecto e
professor, lamentando que com o passar do tempo os conventos tenham sido
“engolidos pela cidade” e obrigados a “virar-se para dentro”.
Nesse processo, muitos deles acabaram por perder as suas
cercas, dentro das quais se escondiam jardins e hortas, locais de produção mas
também de lazer. “Lisboa teve dezenas, mas praticamente nenhuma existe”, diz o
também arquitecto José Aguiar, frisando que na colina de Santana
“milagrosamente” algumas delas resistiram.
Face a isso, os dois professores da Faculdade de
Arquitectura da Universidade de Lisboa não têm dúvidas: há que preservar essas
cercas e permitir a sua fruição pelo público, aproveitando a oportunidade que
elas oferecem para, nota Pedro Pacheco, “combater a ausência de determinados
espaços singulares na cidade”.
Pedro Pacheco destaca a importância de se olhar para a
colina de Santana como “uma oportunidade”, sim, mas “não apenas uma
oportunidade para densificar mais a cidade”. O arquitecto afirma que a
“importância que os conventos tiveram na formação da cidade” não pode ser
esquecida, devendo também ser salvaguardada a memória de “como se foram
transformando e adaptando a vários programas”.
“Temos de falar menos de objectos e muito mais de património
urbano. Sobrevalorizamos uma visão objectual e subvalorizamos uma visão
sistémica”, acrescenta José Aguiar. Na sua opinião, os projectos já
apresentados para os hospitais de São José, Miguel Bombarda, Santa Marta e
Capuchos foram desenvolvidos por “grandes arquitectos”, mas com base num
programa com “uma excessiva monofuncionalidade residencial”, que lhes foi
“imposto”.
Nos enunciados que têm apresentado aos seus alunos, os
primeiros do programa Erasmus Mundus e os seguintes de mestrado, os arquitectos
pedem que as demolições sejam evitadas e que sejam sugeridas novas e diversas
formas de apropriação, não só dos conventos, mas também dos restantes
edifícios. No fundo, resume José Aguiar, quer-se que os estudantes reflictam
sobre “que funções podem ocorrer sem se destruir aquilo tudo”.
Com base em “dezenas de projectos”, o arquitecto concluiu
que “é possível conseguir os mesmos níveis de edificabilidade e de densificação
previstos nos actuais projectos, introduzindo equipamentos e programas mais
heterogéneos, propondo outros negócios urbanos, mas mantendo aqui o trabalho e
sem destruir as cercas, reutilizando muitas das arquitecturas preexistentes”.
E que programas e negócios podem ser esses? Por exemplo,
espaços que permitam “formas alternativas de habitar”, como lofts ou
residências com espaços partilhados e algumas áreas reservadas, adianta José
Aguiar. Ou a reactivação de antigos jardins e pontos de água e a instalação de
equipamentos com carácter social, de espaços vocacionados para as artes e de
unidades produtivas, acrescenta Pedro Pacheco.
José Aguiar frisa que a medicina não pode ser vista como “um
problema”, devendo explorar-se a possibilidade de nos terrenos dos hospitais
surgirem “cooperativas, escritórios médicos, start-ups de investigação e
empresariais”, além de “um verdadeiro Museu da Saúde e núcleos da história da
medicina”.
Outra ideia explorada pelos estudantes universitários foi a
de que há que prever desde já usos para os edifícios desactivados, para que não
se transformem em ruínas. O exemplo do Matadero, um antigo matadouro em Madrid
que foi convertido em “centro de criação contemporânea”, foi uma das fontes de
inspiração.
Mais de 850 pessoas assistiram aos debates
Mais de 850 pessoas assistiram presencialmente aos quatro
debates promovidos pela Assembleia Municipal de Lisboa sobre a colina de
Santana. A segunda sessão, na qual se debateu o impacto das propostas no acesso
da população a cuidados de saúde, foi a mais concorrida: a ela assistiram 297
pessoas. A sessão seguinte, sobre o impacte urbanístico, social e habitacional
das propostas, foi a menos participada, com 174 pessoas. Estes números não incluem
aqueles que assistiram aos debates através da Internet, em tempo real. Na
primeira sessão foi atingido um valor máximo de 800 visualizações.
Em cada debate podem falar, além dos oradores convidados, 20
pessoas do público, cada uma delas durante três minutos. Mas esse número não
tem sido atingido, seja por falta de inscrições, seja porque algumas pessoas se
inscrevem mas depois acabam por não intervir. Olhando para a lista de
inscritos, verifica-se que tem havido muitos nomes repetidos de sessão para
sessão. A médica Elsa Soares Jara, o arquitecto Augusto Vasco Costa e o
presidente da Associação Portuguesa de Arte Outsider, Vítor Freire, por
exemplo, têm sido presença constante nos debates.
Vários deputados da assembleia municipal, principalmente do
PS, PSD e PCP, também se inscreveram para falar no período destinado aos
“cidadãos”. Os vereadores da Câmara de Lisboa Manuel Salgado (PS) e Carlos
Moura (PCP) também já o fizeram. O último debate sobre a colina de Santana está
marcado para 11 de Março, data que ainda carece de confirmação, e destina-se às
“conclusões e propostas a submeter à assembleia municipal”.
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