Oleh Tyahnybok, head of the All-Ukrainian Union Svoboda
(Freedom) Party (Reuters / Gleb Garanich)
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REPORTAGEM
Um dia em Maidan, entre o
luto, a reconstrução e a sombra da violência
PAULO MOURA (em Kiev) 25/02/2014 - 07:32
O centro de Kiev está nas mãos dos manifestantes. Uns estão
em modo de paz, outros continuam a marchar armados. E a usar bandeiras com
suásticas.
Maidan, 10 da manhã de segunda-feira. Um casal jovem de
surdos-mudos conversa por gestos com cravos vermelhos nas mãos. O que estão a
dizer relaciona-se com o pequeno monumento no chão, lembrando que ali caiu um
dos mártires. Depositam as flores entre milhares de outras. Cada um dos mais de
80 manifestantes assassinados pela polícia tem o seu memorial no chão, que
começou por ser uma fotografia, duas velas e por vezes um pouco de sangue, mas
não pára de alastrar em flores.
Palco da Maidan, 10h30 da manhã. O líder do Sector Direito,
o mais proeminente grupo de extrema-direita do país, consegue uns minutos de
tempo de antena para exortar a assistência a ir manifestar-se em frente ao
Parlamento. “Temos de obrigar os deputados a aprovarem uma lei libertando todos
os presos políticos”, disse Igor Krivoruska, um homem baixo, de fato de treino
preto. Na véspera, o seu grupo tinha tentado atacar a prisão de Lukianska, para
libertar os presos, mas optaram por vir ao palco tentar mobilizar mais gente. A
seguir ao curto discurso de Igor, os padres ortodoxos voltaram aos seus
cânticos.
Edifício da Câmara Municipal de Kiev, 11 da manhã. Três
rapazes envergando pesadas armaduras feitas com protectores de canelas, braços
e peito (emprestadas do hóquei, râguebi e esgrima) aproximam-se de um balcão:
“Queremos ir embora”. A voluntária começa a preencher um papel. Os rapazes têm
o ar extenuado de quem viveu uma guerra. “Lviv”, respondem à funcionária. A
revolução está feita, querem regressar à sua terra. Ela continua a preencher o
papel.
O enorme e monumental edifício da Câmara, na Avenida
Kreschatik, está ocupado pelos serviços de apoio dos manifestantes de Maidan.
Corredores e salões inteiros albergam manifestantes que vieram de outras
regiões, e que vivem aqui, em pequenos alvéolos de mantas e caixotes. A
organização foi lesta a providenciar autocarros para os trazer a Kiev, deu-lhes
guarida e alimentação, treino militar e armas rudimentares. Agora tem de lhes
organizar o regresso. A funcionária entrega aos rapazes da grande cidade do
Oeste dois folhetos com números e manda-os para uma sala de espera.
Noutras divisões funciona um hospital, noutras uma cantina,
os serviços burocráticos, etc. Galia Radziervska, 34 anos, está a receber
pessoas atrás de um computador. “Damos informações sobre os que morreram, ou os
que foram feridos”, diz ela, em português. “Temos médicos, medicamentos,
roupas. Há autocarros para levar as pessoas para as suas terras”.
Galia trabalhou dois anos em Portugal. Voltou porque o
marido não conseguiu emprego nem papéis de residência. É esteticista de
profissão, mas não tem emprego na Ucrânia. Trabalha aqui como voluntária.
“Recebemos muito dinheiro, de donativos, mas é todo para financiar os
protestos”.
Meio-dia. Perto da câmara um jovem alto, louro e muito magro
encosta-se a uma parede para não cair, exangue. Tem o rosto pisado e um olho
ensanguentado, um braço inchado e negro. Pensou que os ferimentos iam sarar,
depois de ter sido, há dias, espancado pela Berkut, a polícia especial do
regime. Afinal agravaram-se. Veio até aqui para procurar ajuda médica, mas
agora não quer entrar. “Tenho medo que me entreguem à Berkut”, diz ele. Não
acredita que a revolução tenha triunfado.
Museu Histórico de Kiev, duas da tarde. Num cubículo do
segundo andar do edifício agora ocupado pelos serviços da autodefesa de Maidan,
decorre uma reunião de mulheres. “É preciso limpar e arrumar a Praça. Temos de
distribuir tarefas”, diz Anna Kavalienko, 22 anos, a chefe desta unidade de
autodefesa, o Sotnia número 39. Os sotnia são os grupos de base, militarizados,
que executaram a revolução. Este é o primeiro constituído por mulheres.
“Como podemos preparar-nos para acções violentas, como
atacar o Parlamento?”, pergunta uma jovem morena de olhos claros.
“Nesta fase já não vamos atacar coisa nenhuma. A revolução
está feita. Agora, temos de mudar para o modo pacífico. Já não estamos em modo
de guerra, lamento. Não vamos para o Parlamento, porque acabou, já é nosso. O
que há agora a fazer é reconstruir. Cada uma tem de escolher uma tarefa”,
responde Anna à rapariga visivelmente decepcionada. Só deixaram entrar as
mulheres quando a revolução tinha terminado.
Das 14 presentes, dez têm menos de 30 anos. Mas é Vira
Schved, 49 anos, a primeira a oferecer-se para uma tarefa. É pedreira
free-lance, de profissão, portanto oferece-se para reparar o edifício onde
agora todas elas trabalham e vivem, que foi incendiado e não tem água nem
electricidade.
“Vamos trazer os nossos homens para casa”, lê-se à porta da
sala do Sotnia 39. A
seguir à reunião, o grupo de mulheres entra num autocarro para uma visita à
mansão de Ianukovich. “É preciso fazer um vídeo do local para mandar para as
regiões do Leste, antes das eleições”, dissera Anna.
Parlamento, cinco da tarde. O grupo de combatentes do Sector
Direito, depois de horas a gritar e a bater ritmadamente com os bastões nos
escudos, conseguem entrar à força no Parlamento. Um deputado vem falar com
eles, para evitar mais arruaças. Volta para o hemiciclo e uma hora depois é
anunciado no ecrã de Maidan que o Parlamento aprovou a libertação dos presos
políticos.
Avenida Michail Krutchev, 8 da noite. O grupo de Igor marcha
em direcção a Maiden entoando um velho hino nacionalista. “Veja isto! É o nosso
troféu!”, grita um dos combatentes da brigada Sector Direito exibindo uma
estrela de cristal roubada a um lustre do Parlamento. “Não nos queriam ouvir,
mas acabámos por conseguir. A lei está aprovada”.
O grupo marcha arrastando as botas, os escudos, as armaduras.
Igor vai à frente a dar ordens. Manda-os parar, ajoelhar como templários
medievais e dizer uma oração cheia de referências a antepassados que
colaboraram com os nazis. Voltam a marchar, param, para Igor atender o
telemóvel. Marcham de novo, instalam-se na primeira fila da assistência do
palco de Maidan. Precisam de esperar quase uma hora que os padres acabem os
seus cânticos e discursos, que por acaso eram sobre a necessidade da paz.
Depois lá entra Igor, anunciando o seu feito. “Finalmente, hoje muitos pais vão
poder abraçar os seus filhos. A família é o que há de mais importante na
Ucrânia”, disse ele, antes de colocar como cenário do palco a sua bandeira com
uma suástica.
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