OPINIÃO
Co-adopção: voltar à estaca certa
DIRECÇÃO EDITORIAL 20/02/2014 - 00:03 / PÚBLICO
Ao não reconhecer constitucionalidade e legalidade ao
referendo tal como se encontrava formulado, o Tribunal Constitucional fez
voltar, não à estaca zero mas à estaca certa, a proposta de lei sobre
co-adopção por casais homossexuais. Se o Presidente da República, como se
presume, devolver o assunto ao Parlamento, terá que ser este (como sempre
deveria ter sido) a decidir os passos seguintes. Que podem passar por nova fuga
às responsabilidades, reformulando o referendo de modo a torná-lo
constitucional, ou assumir, como já aqui se defendeu que devia ter sido feito,
a apreciação e votação da lei, aprovando-a ou chumbando-a consoante os votos em
presença. Para os que condenam a co-adopção mas publicamente não o admitem,
esta será a opção mais arriscada. Mas é a única que devolverá ao Parlamento a
dignidade que o artifício do referendo lhe quis roubar. Os deputados devem assumir
as suas responsabilidades. Ora façam-no, de vez.
OPINIÃO
O chumbo que se impunha
JOÃO MIGUEL TAVARES 20/02/2014 - 00:50 / PÚBLICO
Há que agradecer ao Tribunal Constitucional a amabilidade de
ter demonstrado longamente que o referendo inventado em cima do joelho pelo PSD
para impedir a aprovação da lei da co-adopção é mesmo tão idiota quanto sempre
pareceu.
“Idiota” tem apenas seis caracteres, enquanto o acórdão
utiliza 92.789 para chegar à mesma conclusão, mas acreditem: é para mim um
verdadeiro conforto espiritual ver ali desmontada a vergonhosa confusão entre
adopção e co-adopção por casais homossexuais que o PSD quis promover, ao mesmo
tempo que são valorizadas quatro palavras que demasiada gente neste país
continua a não querer perceber o que significam: interesse superior da criança.
Eu sei que já gastei bastante latim neste espaço a propósito
da co-adopção, mas nos tempos complicados que vivemos todos nós temos obrigação
de ser cidadãos cada vez mais atentos, donos da sua própria cabeça, capazes de
separar o trigo do joio, sensíveis à complexidade de questões como esta, e
radicalmente alérgicos a quem faz da golpada política um estilo de vida. A
co-adopção e a adopção por casais homossexuais não são, de facto, a mesma
coisa. É perfeitamente possível ser a favor da primeira e contra a segunda, e
juntar as duas coisas num único referendo tinha apenas a intenção de tentar
chumbar a co-adopção por arrasto, e assim continuar a deixar desprotegidas
crianças que têm todo o direito de ver as pessoas que consideram ser seus pais
ou suas mães legalmente reconhecidas como tal.
Deixem-me citar o acórdão,
que vale a pena: “Na primeira questão existe uma família de facto já
constituída, enquanto na segunda se pretende constituir uma família ex novo.
Assim, nesta segunda questão já não estará em causa o interesse do menor em ver
reconhecida uma relação jurídica com uma família em concreto, mas apenas uma
simples pretensão de um casal a adoptar, ex novo, uma criança que não terá, à
partida, qualquer relação com o casal, ainda que tenha interesse em ser
adoptada, em geral.”
E é aqui que nós entramos na
questão fulcral – a do interesse superior da criança, e que, se assim for
entendida, não consigo sequer conceber que se confunda adopção e co-adopção, a
não ser por manifesta má fé. Voltando ao acórdão, e àquela que me parece ser a
sua frase-chave, apesar de estar perdida no meio do texto: “Na primeira
questão, pode valorar-se primacialmente o interesse da criança em estabelecer
relações jurídicas com um dos seus cuidadores, enquanto na segunda estão em
causa primacialmente os interesses de casais do mesmo sexo em poder aceder à
possibilidade de adoptar crianças.”
Aleluia, aleluia. Meninos da JSD e outros que tais, ponham
isto na cabeça: enquanto a adopção por casais gay é, em primeiro lugar, uma
luta por direitos de adultos, a co-adopção por casais gay é, em primeiro lugar,
uma luta por direitos das crianças. Como refere o acórdão, citando o Tribunal
Europeu dos Direitos Humanos, o objectivo da adopção é “dar uma família a uma
criança e não uma criança a uma família” – e portanto, no caso da adopção por
homossexuais, a discriminação dos adultos é irrelevante, se for no interesse da
criança. Só que, no caso da co-adopção, a família já existe, e a criança já
está integrada nela. É o seu interesse superior que está a ser defendido. Fico
muito feliz que os juízes do Palácio Ratton tenham reconhecido isso. Fico muito
feliz que um referendo que envergonharia a nossa democracia tenha sido chumbado
pelo Tribunal Constitucional.
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