quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

É um anticlímax. Oportuno. Exportações: FMI dá tiro no porta-aviões de Paulo Portas. FMI diz a Portas que milagre das exportações pode ser miragem


“É um anticlímax. Oportuno.”

Os fornicoques do FMI
Pedro Santos Guerreiro
17:44 Quarta feira, 19 de fevereiro de 2014 in EXPRESSO online

Espera lá! Mas não estava tudo a correr bem? Que raio de história é esta de o FMI pôr em causa o sucesso do ajustamento português? Nos últimos dias, colocámos dívida, soubemos que o PIB cresceu acima do esperado, as exportações atingiram recordes, o desemprego caiu, o "Financial Times" glorificou-nos, a "Economist" visitou-nos - e vem o próprio FMI enfiar-nos numa banheira de gelo? Pois, é o que se faz a quem alucina de febre.

O Governo anda a alucinar. A descompressão é compreensível, depois de tantos anos de recessão económica e de repressão social. E a ânsia de boas notícias é tão grande, mas tão grande, que as análises críticas passam por ousadia destruidora. Perguntar sempre ofendeu muita gente. Sobretudo os que não gostam de responder. Mas os bons indicadores de hoje não garantem boas indicações para amanhã. O fim da recessão não é o fim da crise. Estar melhor não é estar bem. Ouvi o FMI.

Sim, o FMI. É uma ironia divertida ouvir o PS a agarra-se ao FMI como elemento credibilizador, ver Paulo Portas amuar com o Fundo, pressentir a mesma turba que arrasou o Fundo tolerá-lo agora. Não foi há muitos meses que Ferreira Fernandes chamou os técnicos do FMI "uns pedaços de merda". Em título. Não é gente amada.

Ao contrário do que se diz, poucas instituições conhecem a macroeconomia portuguesa tão bem como o FMI. Eles não nos visitaram três vezes - estão cá desde a primeira. Nunca saíram de Portugal, há mais de trinta anos que têm delegação fixa e tê-la-ão pelo menos mais vinte, para cuidar dos seus empréstimos. Não são senhores de preto que aterram e descolam. Eles estão.

É o FMI, não o Bloco de Esquerda, que escreve: "O ajustamento externo tem sido conseguido, em larga parte, devido à compressão das importações de bens que não sejam combustíveis e, ultimamente, ao crescimento das exportações de combustíveis". É o FMI, não o PS, que prossegue: "Esta dependência (...) arrisca enfraquecer os ganhos conseguidos até à data, assim que as importações recuperarem de níveis anormalmente baixos e as unidades de refinação eventualmente esgotem a sua capacidade 'extra', ao mesmo tempo que a melhoria na exportação de serviços é vulnerável a choques à procura de turismo."

Esta é a declaração mais impressionante da 10º avaliação do FMI ao programa de ajustamento, hoje publicado. Além dela, o Fundo diz que a competitividade das empresas não foi tão beneficiada pela descida dos salários como se supõe (os custos unitários do trabalho baixaram pouco) e permanece prejudicada por custos de contexto, logísticos (nos Portos) e de energia; o desemprego está alto e a rigidez salarial continua "extremamente elevada"; os bancos ainda têm prejuízos por assumir com créditos e imobiliário - e foram complacentes com as empresas falidas, cujas dívidas não foram reestruturadas.

É um anticlímax. Oportuno. O Governo vai surfar nos próximos meses os bons indicadores, chegará às eleições europeias com crescimento de PIB possivelmente acima dos 2% e pode dispor de uma triunfal "saída limpa". O facto de o FMI cortar rente os delírios políticos recoloca os problemas, que para quem lê jornais são pouco surpreendentes:

- O aumento das exportações é uma excelente notícia. Mas tem três vulnerabilidades: a dependência de produtos petrolíferos de um projeto específico da Galp; o facto de as receitas de turismo provenientes do exterior (que são contabilizadas como exportações de serviços) estarem a aumentar em quantidade, o que é fantástico, mas não em preço - André Jordan falava disso no sábado ao Expresso; e, sobretudo, o serem exportações sem investimento, pelo que resultam sobretudo de deslocação da capacidade instalada para os mercados externos, não de projetos novos ou inovadores. É por isso que não pode falar-se de um choque exportador. Sem investimento não há crescimento económico nem criação de emprego sustentável.

- A redução das importações não é perene. Quando houver investimento empresarial, haverá importação de maquinaria. Com o aumento do consumo, as importações aumentam, porque não somos competitivos na produção de muitos dos produtos que consumimos. Nem é preciso ir a um stand de automóveis. Basta ir a um supermercado e olhar para a nacionalidade do que está nas prateleiras. Made in fora daqui.

- A poupança está a ser estoirada em consumo. A taxa de poupança das famílias portuguesas aumentou muito nos últimos três anos. É uma atitude extraordinária, e explicável em grande parte com a redução dos créditos (o que também conta como poupança) e com a insegurança ante o futuro. Mesmo com o enorme benefício da redução abrupta das taxas Euribor (que evitou a falência de muitas mais famílias com crédito à habitação), houve uma perda de rendimentos muito grande nestes anos. Mesmo assim, os portugueses pouparam.  E mais: depositaram nos bancos portugueses, evitando uma fuga de capitais, caso único em países intervencionados. A partir de meados do ano passado, o consumo privado voltou a subir, sustentando grande parte da retoma económica. Ou seja, os portugueses estoiraram parte do que haviam poupado. Isto significa que a poupança não serviu essencialmente para financiar investimentos (através de crédito bancário a empresas), mas para consumo. Olhando para os hotéis, para as vendas de "tablets" no Natal e de automóveis em Janeiro, percebe-se em quê.

- Há uma boa parte da nossa retoma que é cíclica. Isso não tem mal nenhum, mas ajuda a relativizar o "milagre". O próprio Vítor Gaspar sempre previu essa retoma cíclica, apenas se atrasou em um ano. Para isso, ajudou muito o quadro europeu e as melhorias na economia dos nossos parceiros comerciais. Merecemos toda essa sorte (e não merecíamos o azar de, nos primeiros anos da intervenção externa, termos tido a economia externa "contra" nós). Mesmo assim, não deixa de ser, em parte, sorte. Que não nos falte.

- Muitas reformas estruturais não foram feitas, começando pela anedota (já lá vamos) da reforma do Estado, que anda há mais de um ano de gaveta vazia em gaveta vazia. Perdeu-se oportunidade para reestruturar grande parte da nossa economia e a dívida pública está a um nível assustador.

No final do ano passado, o Banco de Portugal surpreendeu com um relatório crédulo e otimista: a economia portuguesa, escreveu o Banco, tinha mudado para sempre. As famílias portuguesas tinham-se tornado poupadas, as empresas tinham-se tornado exportadoras, éramos um País novo. Soou mais a vontade do que a diagnóstico. Ainda desejo que o Banco de Portugal esteja certo. Mas para isso o FMI tem de estar errado. Redondamente errado. Porque o relatório que publicou hoje é paralelepipedicamente o contrário dessa crença. E logo agora que isto estava tudo a correr tão bem.

PS - Finalmente, a anedota: o Governo português garantiu à troika que o guião da reforma do Estado de Paulo Portas vai transformar-se em propostas concretas em Março

EDITORIAL
Só faltou ao FMI um assumir de culpas
DIRECÇÃO EDITORIAL 20/02/2014 - 00:25 / PÚBLICO
Os técnicos do Fundo criticam os resultados do programa, como se nada tivessem a ver com o assunto.

O relatório do FMI tem tanto de desconcertante como de realista. A parte boa é que os técnicos deixaram cair a teoria, quase obsessiva, de que Portugal precisa fazer mais para flexibilizar o mercado de trabalho. Reconhece, finalmente, que muito já foi feito para facilitar os despedimentos e sugere, ao invés, que o Governo faça qualquer coisa para baixar o custo da energia e do acesso das empresas aos portos para escoar mercadoria para o exterior.

A parte ‘mais ou menos’ é que o FMI revê em baixa as previsões do desemprego para este ano (de 17,7% para 16,8%), mas continua a dizer que a taxa vai manter-se em níveis anormalmente elevados (perto dos 15%) até 2018. E constata, com um ligeireza de quem parece nada ter a ver com o assunto, que “o desemprego continua elevado, sobretudo para os jovens e desempregados de longa duração”.

A parte má é que os técnicos mostram-se bastante descrentes em relação aos sinais e à sustentabilidade da retoma da economia, nomeadamente das exportações. A leitura que fazem dos números é que as vendas para o exterior têm sido feitas sobretudo à custa dos combustíveis da nova refinaria da Galp e do turismo. E avisam que as importações voltarão a crescer assim que houver uma retoma no consumo, o que voltará a desequilibrar a balança comercial.

Perante este diagnóstico sombrio, o que se propõe o FMI a fazer? Não se propõe a fazer nada, mas propõe que o Governo faça a reforma do Estado, que corte de forma permanente no valor das pensões e que reveja os salários e suplementos pagos aos funcionários públicos. O que faltou ao relatório foi uma nota de rodapé a explicar por que é que o próprio FMI, durante três anos, se limitou a aumentar impostos e a deixar as reformas estruturais para o final do programa de ajustamento.

Exportações: FMI dá tiro no porta-aviões de Paulo Portas
19 Fevereiro 2014, 12:02 por Nuno Aguiar | naguiar@negocios.pt

O ajustamento externo da economia portuguesa está a ser feito à custa da contracção das importações e do crescimento das exportações de combustíveis. E o FMI é bastante claro: ambos são factores potencialmente insustentáveis. Ontem, o vice-primeiro-ministro disse que as exportações são o "porta-aviões da recuperação".
"O ajustamento externo tem sido conseguido, em larga parte, devido à compressão das importações de bens que não sejam combustíveis e, ultimamente, ao crescimento das exportações de combustíveis", pode ler-se no relatório da décima avaliação ao programa de ajustamento, publicado esta quarta-feira, 19 de Fevereiro, do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Por que é que isso pode ser um problema? Os técnicos do Fundo explicam que as importações deverão em breve voltar a crescer devido à retoma do mercado interno, que as unidades de refinação da Galp começarão a operar na sua máxima capacidade e que o turismo pode estar a beneficiar de uma procura acrescida irrepetível. "Esta dependência da compressão de importações de não-combustíveis e da exportação de combustíveis arrisca enfraquecer os ganhos conseguidos até à data, assim que as importações recuperarem de níveis anormalmente baixos e as unidades de refinação [de combustível] eventualmente esgotem a sua capacidade "extra", ao mesmo tempo que a melhoria na exportação de serviços é vulnerável a choques à procura de turismo."

Em relação a este último ponto, o FMI refere em específico que o crescimento das exportações de serviços para França (2,5%) pode reflectir a opção dos turistas franceses por Portugal, em vez dos países do Magreb.

Ontem, Paulo Portas classificou as exportações portuguesas como "o porta-aviões da recuperação do nosso país”. Há cerca de dez dias, o Negócios tinha noticiado que, apesar de as exportações portuguesas continuarem a crescer a bom ritmo, os combustíveis foram o principal responsável pelo ajustamento do saldo externo. Se eles forem subtraídos aos valores de saída e entrada de bens, o saldo comercial praticamente estagnou face a 2012, com uma descida de menos de 50 milhões de euros.

"Depois de exceder as expectativas, o ajustamento do saldo externo começou a estabilizar, apontando para a necessidade de assegurar que continuarão a ser feitos esforços para reforçar a competitividade", escrevem os técnicos do Fundo.

O FMI nota ainda que os avanços conseguidos nos custos de trabalho das empresas não tiveram uma evolução satisfatória, referindo que a melhoria da competitividade de preço de Portugal face a outros países da Zona Euro tem ficado "abaixo da média". "À luz de uma melhoria por si só limitados é preocupante que alguns dos ganhos nestes indicadores tenham sido invertidos recentemente."

O ministro da Economia, Pires de Lima, anunciou na terça-feira, 18 de Fevereiro, que as vendas para o exterior terão representado mais de 40% da riqueza criada no país. As empresas portuguesas ganharam quota a nível global graças à “qualidade dos portugueses”, que estão a ficar bons a vender.


FMI diz a Portas que milagre das exportações pode ser miragem
19/02/2014 | 12:22 | Dinheiro Vivo
O sucesso das exportações portuguesas nos últimos anos pode ser mais fogo de vista do que outra coisa. É resultado da dependência face à capacidade instalada das refinarias da Galp e da compressão anormal das importações devido à crise doméstica e não tanto um sinal inequívoco de que a economia está a mudar em termos estruturais para melhor na área do comércio internacional, avisa o Fundo Monetário Internacional (FMI).
Ainda esta semana, Paulo Portas, o vice-primeiro-ministro Portas disse que "exportações estão a ser o porta-aviões da recuperação do país". Mas hoje, num estudo detalhado sobre essa questão, publicado no seu relatório do décimo exame ao programa de ajustamento, o FMI trava o entusiasmo do líder do CDS. Passos Coelho têm tido um discurso igualmente triunfalista neste tema.
O Fundo reconhece que "o ajustamento externo está a ter lugar a um ritmo mais rápido do que se previa no programa", mas diz logo que "o ajustamento externo foi, em larga medida, resultado da compressão das importações de bens não-combustíveis e, ultimamente, do crescimento das exportações de combustíveis". As exportações de combustíveis "mais do que duplicaram" desde janeiro de 2009, observa.

O problema é que "esta dependência face à compressão nas importações de produtos não-combustíveis e às exportações de combustíveis ameaça os ganhos até à data quando as importações recuperarem dos níveis baixos pouco normais e quando as refinarias [da Galp] eventualmente esgotarem a sua capacidade". Acresce ainda outro problema: "a melhoria na balança de serviços é vulnerável a choques na procura do turismo".

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