“Tenho perfil para o lugar de Presidente da República”
Fala da caça às bruxas e mostra-se desiludido com
Pedro Passos Coelho, acusando-o de ter transformado o PSD num partido com
“vocação muito liberalizante e radicalmente conservador”
“Acho inacreditável que na moção [de Passos] se defina
o perfil presidencial pela negativa. Aquilo que o Presidente não deve ser”
Entrevista Margarida Gomes / 14 fev 2014 / Público
Recém-expulso do PSD por ter liderado uma candidatura
adversária à do partido na Assembleia Municipal de Sintra, o conselheiro de
Estado fala das presidenciais de 2016 e diz que tem experiência, bom senso e
currículo para concorrer a Belém. Manuela Ferreira Leite e Leonor Beleza são
duas personalidades com perfil para a Presidência da República. Como é que um
fundador do PSD se sente ao ser expulso do partido no qual militou 40 anos?
Tenho alguma nostalgia desses tempos e pena de que as circunstâncias tenham
encaminhado a direcção do partido para esta decisão iníqua e precipitada, mas
também devo confessar que desde há dois anos tenho a militância no partido
suspensa por discordâncias profundas com as orientações a nível do PSD e a
nível do Governo, pelo que não há uma alteração substancial em relação à minha
situação.
Há quem fale de caça às bruxas...
A direcção política nacional e a direcção política distrital
não suportam ver nos cargos de responsabilidade do partido pessoas que não
sejam seguidistas. Sendo Sintra o terceiro maior município do país, o PSD não
gostou que um militante como Marco Almeida se tivesse candidato à câmara e não
hesitou em aplicar, de uma forma que considero despropositada, sanções aos
militantes que assumiram essa atitude. Só em Sintra, foram 90 militantes que se
candidataram ao lado de Marco Almeida.
Está desiludido com Passos Coelho?
Estou desiludido desde uma primeira decisão que tomou e que
me pareceu um disparate colossal, que foi o de avançar com o dr. Fernando
Nobre, completamente impreparado e desajustado, para o cargo de presidente da
Assembleia da República. Quando exprimi publicamente essa posição, enfim,
começaram a suceder situações que considero muito negativas para o país e para
o partido e entrámos em rota de colisão. Que avaliação faz dos dois anos e meio
do Governo PSD/CDS? Faço um balanço negativo, sendo certo que há algumas áreas
onde tenho de reconhecer que a actuação é globalmente positiva, como a saúde. A
grande questão tem que ver com o facto de o partido ter subscrito com o PS e o
CDS o protocolo de acordo com a troika. Não nos devíamos ter revisto nos termos
do acordo e, mais do que isso, não deveríamos ter feito o que o PSD fez que foi
elogiar o acordo e ser mais troikista que a troika. Adoptou uma estratégia
extremamente negativa que assassinou muito o tecido empresarial, a economia do
país, e provocou o crescimento do desemprego de uma forma brutal. Disse que o
PSD se afastou da sua matriz social-democrata. Ideologicamente, o que é o PSD
de hoje? O PSD é exactamente aquilo que o dr. Pedro Passos Coelho anunciou na
candidatura em livro que apresentou os princípios programáticos que pretendia e
que tinham pouco de social-democrata e muito de neoliberal. Na prática política
veio-se a confirmar que essa matriz social-democrata que está na génese do
partido foi perdendo em benefício da estratégia adoptada a nível do Governo e
do partido. Está a dizer que o PSD é hoje um partido neoliberal? Temos um PSD
com uma vocação muito liberalizante e radicalmente conservador. O PSD
ultrapassou pela direita radicalmente o próprio CDS-PP, que, apesar de tudo,
ainda tem alguns valores democratascristãos que são respeitáveis Enquanto
militante chegou a defender a regeneração do PSD. De que forma? Com estes
dirigentes e no estado em que está o partido, muito fechado em si próprio,
sendo constituído por um conjunto de oligarquias a todos os níveis, é muito
difícil regenerá-lo por dentro, mas não é impossível e, se essa circunstância
acontecer, se o partido tiver um líder com capacidade, carisma, honestidade e
competência. Aí admito a hipótese de regressar.
Passos Coelho definiu o perfil que considera adequado do
próximo candidato a Belém. Concorda com esse perfil? Não.
Acho que o perfil devia de ser exactamente o contrário. Acho inacreditável que
numa moção de estratégia [que Passos Coelho vai apresentar no Congresso do PSD
na próxima semana] se defina o perfil presidencial pela negativa — aquilo que o
Presidente não deve ser. O que defendo é que o próximo Presidente da República
possa ter uma leitura mais intervencionista ao nível da sociedade. Passos
Coelho teve por objectivo queimar Marcelo Rebelo de Sousa, provavelmente porque
não lhe convém ter uma pessoa com o seu perfil, mas é um tiro que lhe sai pela
culatra.
Marcelo seria um bom Presidente da República?
Tem capacidade política, inteligência e sentido de Estado
que satisfazem perfeitamente os requisitos para a Presidência da República. Não
quer dizer que venha a apoiar o Marcelo Rebelo de Sousa, porque outros
candidatos poderão aparecer com qualidades iguais e que possam merecer a adesão
do eleitorado que possa estar sintonizado com esta perspectiva da Presidência
da República.
Alguma vez pensou em candidatar-se à Presidência da
República?
Não afasto liminarmente essa hipótese. Não é uma coisa em
que pense todos os dias, nem todas as semanas, nem todos os meses, apenas digo,
por uma questão de princípio, que não a afasto liminarmente. Sinto-me com
perfil para o lugar, mas não é nada que ambicione desesperadamente, nem sequer
tenho a expectativa de poder vir a reunir condições para isso. O grande
problema tem que ver com a falta de apoios? Uma candidatura à Presidência da
República exige investimento, exige uma despesa avultada, em matéria de apoios.
Não estou ligado nem nunca estive a nenhum sector empresarial, nunca exerci
qualquer cargo em empresas públicas ou privadas, nem consultadoria a partir do
momento em que abracei o PSD, em 1974, e não creio que seja um candidato
susceptível de concitar apoios a esse nível.
E currículo?
Tenho experiência política, bom senso e um currículo
diversificadíssimo que me deu uma experiência que não terá paralelo noutros
militantes do PSD. Há muitos homens e mulheres dentro do PSD que reúnem
condições excelentes para o efeito, designadamente senhoras. Era interessante
ver, finalmente, uma mulher em Belém
Por exemplo?
Quer Manuela Ferreira Leite quer Leonor Beleza têm
claramente perfil para isso.
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