Ai aguentam, aguentam
Por Ana Sá Lopes
publicado em 17 Fev 2014 in (jornal) i online
Para Ulrich nem em 75 houve uma política tão redistributiva
como hoje
Fernando Ulrich, presidente do BPI, voltou ao ataque. Depois
do célebre “ai aguentam, aguentam” – relativamente ao qual mais tarde se
retratou – no sábado decidiu anunciar aos portugueses, numa entrevista à
SIC--Notícias, que este governo está a ter uma política “tão ou mais
redistributiva” do que “os comunistas” em 1975. Entre outras alegrias, o
banqueiro sentenciou que “nunca provavelmente a esquerda fez em Portugal uma
política tão redistributiva como a que tem feito o governo do dr. Passos
Coelho”. Afinal, segundo Ulrich, “as pessoas que mais ganham, tiveram cortes –
seja pela via dos cortes, seja pela via da carga fiscal – muito maiores do que
as pessoas que ganham menos. Com esta dimensão, talvez só em 75.”
Ulrich, infelizmente, não aprendeu nada desde o “ai aguentam,
aguentam”. Estas declarações são outra versão da mentalidade de Maria Antonieta
(“não há pão, comam brioches”) que preside aos decisores do actual estado de
coisas – governo, banqueiros e os amigos nas instituições europeias.
Vamos lá dar a palavra outra vez a Ulrich: “Evidentemente
que isto foi duro, não se pode é dizer que as pessoas que mais ganham não estão
a passar por cortes enormes e muito maiores do que aqueles que ganham menos”,
disse, citado pelo “Jornal de Negócios”. Para que se perceba melhor que
Fernando Ulrich até tem uma ponta de piedade para com os falidos: “Não estou
com isto a dizer que aqueles que ganham menos, ganham o suficiente, que estão
bem, ou que os sacrifícios dos mais pequenos, que lhes foram impostos também
não são duros. Não se pode é dizer que a política não tem tido uma preocupação
redistributiva enorme”. Temos um governo comunista e não sabíamos.
Não interessa que, recentemente, um estudo do banco UBS
tenha concluído que desde que começou o protectorado os mais ricos estão cada
vez mais ricos. Também a OCDE, que ano após ano aponta Portugal como um exemplo
de um país com fortíssimas desigualdades, alertou recentemente que a crise
económica veio agravar de forma brutal a desigualdade de rendimentos. Os dados
da OCDE revelaram que a desigualdade cresceu mais entre 2008 e 2010 nos 34
Estados-membros da organização (que inclui Portugal) do que nos 12 anos
anteriores.
A OCDE diz que “depois de impostos e transferências, o
rendimento dos 10% mais ricos da população dos Estados da OCDE é 9,5 vezes
superior ao dos 10% mais pobres”. Ai aguentam, aguentam. Até um dia, senhor
banqueiro.
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