As palmeiras ainda podem ganhar a guerra contra o
escaravelho-vermelho
Insecto que devora estas
plantas já foi do Algarve ao Minho e está mais resistente, obrigando os
investigadores a procurar novos tratamentos. O abate custa anualmente milhares
de euros às câmaras
Marisa Soares / 9 fev 2014 / Público
A luta começou há sete anos. Desde que entrou no país, o
escaravelho-vermelho ( Rhynchophorus ferrugineus) já dizimou milhares de
palmeiras, muitas centenárias, em quase todo o território continental e até na
Madeira. Só os Açores escapam. O insecto parece imbatível: resiste cada vez
mais aos tratamentos e aproveita qualquer descuido dos proprietários das
plantas para atacar. Mas há quem esteja à procura de novas armas para dar a
vitória às palmeiras.
Este besouro devorador originário da Ásia, que pode atingir
os 4,5 centímetros, tem atacado sobretudo os concelhos do litoral. Foi aí que
as palmeiras, embora não sejam uma espécie autóctone, se tornaram nas últimas
décadas imagens de marca que lembram paisagens tropicais. Muitas são
centenárias e têm elevado valor patrimonial: uma palmeira de 12 ou 13 metros
pode valer 30 a
40 mil euros, segundo Carlos Gabirro, sócio gerente da Biostasia, empresa que
faz controlo da praga.
“São plantas que vendem turismo”, nota Filomena Caetano,
coordenadora do Laboratório de Patologia Vegetal do Instituto Superior de
Agronomia. Esta investigadora está a estudar novos tratamentos biológicos
contra a praga, porque o insecto parece ter aprendido a resistir aos químicos e
ao nemátodo (um microrganismo que só ataca insectos).
“Quando as palmeiras são abatidas, recolhemos os casulos dos
escaravelhos, abrimos e retiramos os insectos que estão mortos para analisar em
laboratório, isolando a parte exterior e o intestino”, explica. Estão em estudo
dois fungos — um do género Beauveria e outro do género Metarhizium —
encontrados em insectos mortos.
Para Filomena Caetano, a guerra contra o escaravelho não
está perdida. “Espanha tem o insecto desde 1996 e ainda tem palmeiras. Mas, se
não fizermos os tratamentos, as palmeiras-das-canárias [ Phoenix canariensis, a
espécie mais atingida] vão acabar”, vaticina a investigadora.
Para o escaravelho, as palmeiras são alimento para quatro ou
cinco meses, o tempo que o insecto demora a desenvolver-se. Cada fêmea põe 200 a 300 ovos. Uma palmeira
pode albergar até 1000 indivíduos prontos a voar cinco a dez quilómetros,
contra o vento. Por vezes, apanham boleias, alerta Carlos Gabirro: “Tenho visto
pessoas a porem os restos das palmeiras à porta de casa. Os restos libertam
odor, que chama mais insectos. Depois são recolhidos pelos camiões da câmara.
No caminho, a praga espalha-se.”
Em Portugal, o primeiro ataque detectado foi em Vale da
Parra, na Guia (Albufeira). Depois de atingir todos os concelhos do Algarve, o
insecto foi subindo até ao Minho. Chegou ao centro e à Madeira em 2008, à
região de Lisboa e Vale do Tejo em 2009, ao Alentejo e ao Norte em 2010. Basta
uma palmeira infestada para infestar outras no raio de dez quilómetros.
Não se sabe quantas palmeiras já morreram, mas serão muitas
centenas, que se traduzem em milhares de euros de prejuízo para câmaras e
privados. Em Lisboa, por exemplo, a câmara já abateu 359 plantas desde que a
praga foi detectada, tendo gasto 180 mil euros. O custo médio do abate e
remoção dos resíduos infestados (sem incluir custo de incineração) varia entre
os 350 euros e os 1500 euros. A autarquia tem mais 1288 plantas sinalizadas
para abate — das quais 693 estão em terreno privado. E até as palmeiras do
jardim da residência oficial do primeiro-ministro, no Palácio de S. Bento,
foram atingidas.
“Os municípios à volta de Lisboa não têm feito o trabalho de
casa”, denunciou o vereador dos Espaços Verdes, José Sá Fernandes, numa reunião
da câmara em Janeiro. Mas em Cascais e Oeiras, por exemplo, as câmaras garantem
ter as suas palmeiras debaixo de olho: em cada um dos concelhos foram abatidas
28 plantas desde que a praga foi detectada.
No Porto, a câmara anunciou em Janeiro que está a tentar
salvar as 63 palmeiras centenárias do Jardim do Passeio Alegre, classificadas
como “árvores de interesse público”. Em Dezembro foram abatidas 35 noutros
pontos da cidade. Em Coimbra, o vereador do Ambiente, Luís Providência, admitiu
à Lusa que o problema é “dramático”. A câmara abateu palmeiras históricas no
Parque da Cidade e na Av. Sá da Bandeira, onde a planta é uma “imagem de
marca”.
Sá Fernandes acusa o Ministério da Agricultura e do Mar
(MAM) de falta de colaboração. “Falei com o anterior secretário de Estado da
Agricultura, Daniel Campelo, e foi-me dito que o ministério não tinha meios e
que esta não era uma prioridade”, diz o vereador. O PÚBLICO questionou o
ministério de Assunção Cristas para saber se a erradicação da praga, que a
Comissão Europeia tornou obrigatória em 2007, é prioritária. “O MAM tem como
uma das principais prioridades o desenvolvimento e implementação de uma
política fitossanitária, animal e vegetal, adequada e eficaz”, respondeu. A
Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária tem em curso um plano de controlo
da praga, suportado por verbas dos orçamentos das direcções regionais. “Compete
aos proprietários a aplicação das medidas fitossanitárias de acordo com a
legislação”, sublinha.
Como se previne a praga?
É preciso manter a palmeira debaixo de olho e fazer a
manutenção. A poda deve ser feita entre Novembro e Fevereiro, quando o insecto
está menos activo, retirando só as folhas secas e evitando podas do tipo
“ananás”. Os cortes devem ser lisos e não lascados. Os resíduos devem ser
destruídos por trituração, queima ou enterramento. Também há tratamentos
preventivos, que custam cerca de 500 euros por ano, por palmeira.
Que sintomas apresenta a palmeira
infestada?
Não é fácil a detecção precoce da praga. Quando as folhas
parecem roídas nas pontas (em forma de V) e descoloradas, é urgente actuar. O
ruído produzido pelas larvas enquanto se alimentam e um odor intenso resultante
do apodrecimento dos tecidos internos da planta são outros sinais de alerta.
Quando a coroa da palmeira tem já um aspecto achatado com as folhas descaídas,
tipo “chapéude-chuva”, já será tarde de mais. As plantas ficam frágeis e as de
maior porte podem mesmo cair, representando um risco para a segurança de
pessoas e bens.
O que fazer em caso de infestação?
Deve informar a câmara municipal ou a Direcção Regional de
Agricultura e Pescas, para que avaliem a possibilidade de recuperação. Esta
comunicação é obrigatória. Se a praga for detectada na fase inicial, aplicam-se
produtos químicos ou biológicos e fazem-se podas sanitárias, eliminando todas
as folhas “comidas” pelas larvas e limpando a parte da palmeira afectada até
chegar aos tecidos sãos. Se for irrecuperável, o proprietário é notificado para
fazer o abate, que pode custar entre 300 euros e 1000 euros (dependendo do
tamanho). Se não cumprir a notificação, terá de pagar os custos à entidade que
execute o abate e fica sujeito a uma contra-ordenação que pode ir dos 100 euros
aos 3740 euros, para particulares, ou dos 250 euros aos 44.890 euros, para
pessoas colectivas.
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