sábado, 8 de fevereiro de 2014

Ligações perigosas: género, família e anti-semitismo/ Público . France’s politics of hatred: Move towards traditional family values risks being hijacked by anti-Semites and homophobic nationalists / The Independent. "Jour de colère", l'exemple à ne pas suivre / Figaro Blog.


Ligações perigosas: género, família e anti-semitismo
Análise Jorge Almeida Fernandes / 9 fev 2014 / Público

Está a França a regressar aos sombrios anos 30? Está a nascer uma variante francesa do Tea Party americano?
Vamos por partes. No domingo 2 de Fevereiro, mais de 100 mil pessoas manifestaram-se em Paris e Lyon contra o projecto de lei de família e a alegada “familiofobia” do Governo de François Hollande. A manifestação tinha como alvos principais “a procriação medicamente assistida (PMA)” para casais de mulheres e a “gestação para outrem (GPO)”, vulgo “barrigas de aluguer”. Os repórteres anotaram um temor comum dos manifestantes: “Estamos perante uma mudança de civilização que vai transformar a família.” No dia 4, Hollande ordenou o adiamento sine die do debate da lei. Meteu-a na gaveta.
A decisão dilacerou uma parte dos deputados socialistas que falaram em “debandada”, “renúncia” ou “capitulação”. “Uma parte da esquerda — entre os socialistas e verdes, nas associações feministas ou homossexuais — vai sentir-se traída”, escreveu o Monde. Um conselheiro presidencial disse ao jornal que a lei levaria a mais um interminável debate “societal” que prejudicaria “a prioridade económica e social”.
O ministro do Interior, Manuel Valls, assumiu a defesa da decisão. “O Presidente tem razão em procurar o apaziguamento. Não podemos fingir ignorar que o debate sobre o ‘casamento para todos’ e a filiação deixou marcas. Numa sociedade fracturada, François Hollande decidiu evitar debates descontrolados que representariam um vector suplementar de perturbação nos próximos meses.” E deu uma garantia: o Governo opor-se-á às emendas parlamentares que visem introduzir a PMA ou “as barrigas de aluguer”. As manifestações de católicos conservadores, muitos deles integristas, remontam à aprovação do casamento gay em 2013. Vários colectivos, independentes dos partidos, lançaram o movimento Manif pour Tous (manifestações para todos). A Igreja Católica manteve-se à parte. A 19 de Janeiro houve uma “marcha pela vida” contra o aborto. No dia 26 foi convocado um “dia da cólera” contra Hollande que reuniu algumas dezenas de milhares de pessoas. A acção foi parasitada por grupos de extrema-direita ou por amigos do comediante anti-semita Dieudonné. Grupos de manifestantes gritaram slogans como: “Judeu, a França não é tua.” “CRS, polícia de judeus.” “Morte aos sionistas.” Etc. Houve uma comoção. O antigo ministro Robert Badinter lembrou que, desde o fim da ocupação nazi, nada de semelhante se ouvira em França. Apelou a um sobressalto republicano.
No dia seguinte, Ivan Rioufol, um dos mais influentes colunistas de direita e simpatizante do Manif pour Tous, escreveu no seu blogue no Figaro: “Este ‘dia da cólera’, o primeiro de uma possível série, descredibilizou-se definitivamente. (...) Revelou a face repugnante de uma França fascitóide.”
Mas o discurso de dramatização com maior eco partiu do ministro Valls. Numa entrevista ao Journal du Dimanche, publicada no dia 2 (horas antes da manifestação), declarava: “Assistimos à constituição de um Tea Party à francesa.” Denunciava “uma fronda dos anti: antielites, antiEstado, anti-impostos, antiParlamento, antijornalistas.” E, sobretudo, “de anti-semitas, racista e homófobos”. “É a primeira vez, desde há longos tempos, que se grita o ódio ao judeu.”
“Explorando a crise de projecto e de liderança da direita, perante o recentramento da Frente Nacional, libertou-se uma direita conservadora e reaccionária. Com a oposição ao casamento gay, decuplicou as suas forças. Ocupa a rua porque considera que a esquerda no poder não é legítima.” E lançou um desafio à oposição: “Perante este fenómeno, a direita republicana tem uma responsabilidade: demarcar-se claramente de movimentos que não aceitam a democracia e as escolhas do Presidente.” Atribuiu a responsabilidade a “grupúsculos” e a intelectuais reaccionários e antirepublicanos.
No dia seguinte, o diário britânico The Independent titulava em manchete no seu online: “Política do ódio em França. Manifestações pelos valores da família tradicional em risco de ficarem reféns de anti-semitas e nacionalistas homofóbicos.”
Note-se que a Frente Nacional, de Marine Le Pen, não se integrou nesta “direita reaccionária”. As questões “societais” são um tema que a incomoda, sobretudo no momento em que está apostada nos temas sociais e na campanha para as eleições europeias. Antes poderá beneficiar do desgaste do Governo e do embaraço da direita republicana. “Os partidos políticos parecem completamente ultrapassados pelos acontecimentos”, declarou o politólogo Eddy Fougier, no fim de Janeiro.
Para Jean-Yves Camus, estudioso das extremas-direitas, o fenómeno traduz “a impressão dominante na franja mais à direita de que a esquerda no poder trabalha sempre para minar as fundações tradicionais da sociedade”. Há uma patente exasperação do eleitorado conservador. “O que é novo é esta coligação de interesses, muito mais do que uma aliança, que se começa a formar [e em que convergem católicos tradicionalistas e grupos de ultradireita].”
Mas o êxito da manifestação de 2 de Fevereiro — sem anti-semitismo — pode voltar a separar as águas. O principal efeito desse sucesso — prevê o Monde — é que o Manif pour Tous entende passar a pesar sobre a política familiar e educativa do Governo. A “ideologia do género” tornou-se hegemónica nas universidade e nos media de grande parte da Europa Ocidental. Domina também na bancada parlamentar socialista. Os projectos da sua difusão na escola e a sua marca no projecto da lei da família são encarados como tentativas de diluir os laços entre pais e filhos e como intromissão abusiva do Estado na sociedade e no privado. Uma parte dos argumentos podem ser “fantasmas”. Mas tal não impede a percepção de uma política de “desconstrução das identidades sexuais” desde a infância, o que pode ter efeitos políticos explosivos.
O “casamento para todos” era a 31.ª das 60 promessas eleitorais de Hollande. No entanto, foi a primeira medida “fracturante” a ser realizada e de forma menos consensual do que noutros países europeus. Porquê? Escreveu na altura o politólogo Laurent Bouvet: “Em primeiro lugar porque permitia mascarar os desacordos, por vezes profundos, no seio da esquerda sobre a política económico-social.” Redundou num “movimento social” contra Hollande.
Na crise de hoje, poderá haver dois vencedores. O primeiro será o ministro Valls, “bête noire” da “esquerda ‘societal’” do PSF, que definiu a “narrativa política”. O segundo, e talvez o principal, o Manif pour Tous, que terá ganho uma espécie de direito de veto na política da família.


France’s politics of hatred: Move towards traditional family values risks being hijacked by anti-Semites and homophobic nationalists
Calls for a return to traditional, conservative family values are being hijacked by anti-Semites and homophobic nationalists, prompting fears that the ‘disturbing’ politics of the 1930s are back


The stark warning by the interior minister, Manuel Valls, jarred with the prosperous, well-behaved ranks of most of yesterday’s marchers, including thousands of elderly people and families with children in push-chairs.

However, two groups of hard-right thugs were arrested as they attempted to join the protest. Scuffles broke out on the Avenue Raspail last night between riot police and about  200 hard-right youths giving Hitler salutes. They threw beer bottles at the police, who responded with tear gas.

Yesterday’s warning by Mr Valls of “sombre forces” at work in France followed a similar but smaller demonstration last week which dissolved into running battles with riot police. Several large sections of protesters on that march carried anti-Semitic banners and chanted “Jews out of France”.

There was no sign of such banners at yesterday’s demonstration – nominally the 15th protest against the law passed last summer which made gay marriage legal in France. Yesterday’s march, which attracted about 200,000 people (the organisers claimed 500,000 attended), turned instead into a much wider protest against the alleged “familyphobe” policies of the left-wing government of President François Hollande.

Many marchers said they were protesting against the “conspiracy” of the government, and the “gay” and “feminist” lobbies, to brainwash primary school pupils into forgetting that they were boys and girls. In recent months an apparently baseless conviction that something called “gender theory” is to be imposed in France has been created by a de facto alliance of fundamentalist Catholics and ultra-right wing, anti-Semitic and anti-gay nationalists.

AN ACT OF CRUELTY: AN AUDIENCE WITH DIEUDONNÉ M'BALA M'BALA, THE MAN BEHIND THE 'QUENELLE' SALUTE

One banner on yesterday’s march read, bizarrely: “Gender. Never, never, never.” Another read: “The school should instruct. Only the family should educate.”

Mr Valls said in a newspaper interview yesterday: “We are witnessing a union of extremes, never before seen in France… [Last week] was the first time for a long time that people have screamed their hatred of Jews in the street.

“A block of protest is forming, a rebellion which is anti-elite, anti-state, anti-tax, anti-parliament, anti-press … but also, and above all, anti-Semitic, racist and homophobe.”

Mr Valls is playing with fire. Most of the people on yesterday’s march – and many of the protesters at last week’s “day of anger” – were radical Catholics or conservatives: anti-gay, perhaps, but not  anti-Semite or anti-Republican.

One protester, Alain, 67, a businessman, said: “Valls thinks that he can contain these protests by painting us all as dangerous extremists. When I was young, every left-winger was accused of being a communist. Now, to this government and the mainstream media, every right-winger is a fascist.”

And yet Mr Valls also has a point. France’s economic sufferings are fusing with contempt for President Hollande to dissolve barriers between radical, but respectable, conservatism and violent, new extremes (even more extreme than the National Front). This, in itself, is reminiscent of the poisonous politics of France in the 1930s.
Centre-right and even far-right politicians, such as the National Front’s Marine Le Pen, are torn between condemning and trying to channel the new radicalism. One name connects a number of recent events or phenomena, including the rise of the anti-Semitic comedian Dieudonné M’bala M’Bala and the anti-Jewish banners and chanting on last week’s march. It also arises in connection with a recent obscene internet and text campaign which persuaded hundreds of French parents that the government wanted primary school children to masturbate in class.

The common factor is Alain Soral, a 55-year-old Franco-Swiss ex-communist who preaches a new and virulent form of French nationalism. His declared aim is to unite poor people – white, brown and black – in a revolt against the “dictatorship” of capitalists, progressives, Jews and gays. Mr Soral, an avowed anti-Semite and “national socialist”, is Dieudonné’s political guru. He was long regarded as a marginal figure. No more.

Mr Valls accused him yesterday of creating a new “abscess of rampant hatred” in France. “Alain Soral, through his use of the net, the networks he has created, is uniting and federating an unprecedented front of extremes,” Mr Valls said.

Mr Soral had no connection with yesterday’s march. It was mischievous of Mr Valls to imply that he did. But many of yesterday’s marchers nevertheless swallow wholesale the distortions pedalled by Mr Soral and by Catholic extremists in recent months on “la théorie du genre” – or gender theory. They demanded the withdrawal of a pilot programme in four areas of France which seeks to steer primary school boys and girls away from gender stereotypes.

This apparently modest programme consists of trying to persuade girls that they can perfectly well drive tractors and boys that they can be ballet dancers if they want to. Harmless? Not as far as the marchers were concerned.

Adèle, 42, demonstrating with her three small children yesterday, said: “What they are really trying to do is to destroy the family. It is all part of the same plan as the gay marriage law, to impose a completely new set of values on French society.”

It was this programme which was the subject of the obscene rumour spread by text and online a few days ago by Mr Soral’s lieutenant, Farida Belghoul. Texts, tweets and emails persuaded hundreds of mostly black and Muslim parents that there would be masturbation and cross-dressing in primary schools.

More moderate protesters against gender theory have been slow to repudiate the nonsense disseminated by Mr Soral and his friends.

Béatrice Bourges is the spokeswoman for Printemps Français (“French Spring”) one of the more radical groups behind yesterday’s march – and last week’s. She is currently on hunger strike demanding the impeachment of Mr Hollande by the national assembly.

She accuses the President of “bringing France to its knees” morally as well as economically – not because of his alleged affair with an actress but by “perverting the school system” to “destroy our families”.

One of France’s most popular conservative columnists, Ivan Rioufol, of Le Figaro, accused Ms Bourges and other radical Catholics this week of “undermining their own credibility” and “playing into the hands” of the government by failing to erect firewalls between their movement and racist, “plot-obsessed” extremists.

Ms Bourges told The Independent that she tried to stop the anti-Semitic outbreaks last week. She said she had “never met this man Soral”. But she refused to repudiate the campaign which persuaded hundreds of parents to take their children out of school.

“It performed a useful function in drawing attention to the dangers of gender theory and what the government is trying to do to the family in this country,” she said.

 
"No dia seguinte, Ivan Rioufol, um dos mais influentes colunistas de direita e simpatizante do Manif pour Tous, escreveu no seu blogue no Figaro: “Este ‘dia da cólera’, o primeiro de uma possível série, descredibilizou-se definitivamente. (...) Revelou a face repugnante de uma França fascitóide.”

"Jour de colère", l'exemple à ne pas suivre

Renvoi d’ascenseur : Dieudonné est devenu le meilleur allié de Manuel Valls, qui lui-même s’est révélé être son meilleur impresario. Fort de sa posture antisystème, maladroitement offerte par le ministre de l’Intérieur qui en a fait l’homme à abattre, l’humoriste avait appelé à participer, dimanche à Paris, au "Jour de colère". Il a profité de la troublante indifférence des organisateurs, et singulièrement de Béatrice Bourges, la meneuse du "Printemps français". Ce qui aurait pu être un légitime mouvement protestataire, un de plus, de la société civile s’est transformé alors, sous l’impulsion des amis de Dieudonné et avec la connivence de courants extrémistes, en une indéfendable manifestation de vulgarité et de haine contre les juifs, les francs-maçons, les médias, j’en passe. Retenu par un colloque (sur l’antisémitisme !), je n’ai pu me rendre sur place. Mais les récits que j’ai recueillis ce lundi matin, ajoutés aux vidéos que j’ai visionnées et aux comptes rendus de la presse, ne laissent aucun doute sur le piège qui a été tendu à ceux qui voulaient, de bonne foi, exprimer l’exaspération d’une France oubliée. Ce "Jour de colère", qui a mobilisé quelques dizaines de milliers de personnes, a été pollué par les slogans entendus : "Juif, la France n’est pas à toi !", "CRS, police des juifs !", "Mort aux sionistes !", etc. Cette fois, Valls a donc raison quand il dénonce la violence de "l’extrême droite et l’ultra droite", même s’il ne s’aventure pas à décrire les vrais soutiens "diversitaires" de Dieudonné. Les conclusions de ce gâchis doivent être tirées sans plus attendre.


L’erreur serait évidemment de soutenir hâtivement, comme beaucoup de télévisions l’ont fait dès hier soir, que l’ensemble des manifestants seraient d’extrême droite et antisémites. Mais il faut constater qu’il n’y a pas eu, non plus, de prises de distance affichées face à des dérives qui étaient prévisibles à partir du moment où le prétendu drôle appelait ses supporters à rejoindre les rangs. C’est pourquoi ce "Jour de colère", premier d'une possible série, s’est définitivement décrédibilisé, sauf à s’enfermer désormais dans son monde complotiste. Les organisateurs, et Béatrice Bourges en premier lieu semble-t-il, portent la responsabilité de leur manque de vigilance : ils auraient dû savoir, au minimum, que de telles manifestations, qui mettent en cause les pouvoirs politiques et médiatiques en place, étaient attendues au tournant. En fait, une obligation d’exemplarité s’impose à tous ces mouvements populaires et à tous ces Indignés qui en ont assez d’être tenus pour quantité négligeable. Ceux-là ne sont ni des racistes ni des casseurs comme La Manif pour Tous ou les Bonnets rouges l’ont déjà démontré."Jour de colère" a dévoilé la face hideuse d’un France fascistoïde. Il est l‘exemple à ne plus suivre. Laisser s’exprimer Dieudonné est une chose. Il n’en reste pas moins infréquentable dans une manifestation. En tirer la leçon pour l’avenir.

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