segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Justiça gold. Atenção, a ideia é do PS

EDITORIAL
O “coelho” judicial da cartola do PS
DIRECÇÃO EDITORIAL PÜBLICO 11/02/2014 - 00:57
António José Seguro tirou da cartola um “coelho” judicial que é um pequeno monstro de desigualdade.

Talvez para calar aqueles que o acusam de não ter ideias, António José Seguro resolveu ter uma de forte impacto: a criação “de um tribunal com uma competência especializada para apreciar os conflitos emergentes das relações contratuais onde está envolvido investimento estrangeiro”. Esse tribunal deveria ter “um prazo máximo” para resolver tais conflitos, “proporcionando assim um ambiente mais propício, mais amigo, do investimento estrangeiro no nosso país, instrumento indispensável para criar mais emprego, mais oportunidades de trabalho.” Justificação: a justiça é morosa, o dinheiro perde-se, há que agarrar quem quer investir por cá e perde a paciência nos tribunais. Ou seja, o líder de um partido que se reivindica do socialismo acena com uma bandeira positivamente discriminatória para agradar a quem traga dinheiro para nos “socorrer”. Independentemente de ser ou não considerada inconstitucional, tal medida é, no mínimo, de espantar. Porque, em lugar de batalhar para que a justiça, no seu todo, se agilize, agradando a estrangeiros mas também a nacionais, sejam eles empregadores (ou serão apenas os estrangeiros que criam emprego?) ou simples cidadãos, Seguro tirou da cartola um “coelho” judicial que é um pequeno monstro de desigualdade. Monstro esse que, aplicado a outras áreas (a saúde, por exemplo), não tardaria a criar pequenos apartheids para os ambicionados investidores estrangeiros – já que “normalmente” por aqui tudo se atrasa e há quem não queira esperar. Se isto é um “novo rumo”, estamos conversados. Como “chamariz” populista, percebe-se. É dizer, em voz alta, que queremos tanto os investidores estrangeiros por cá que nem nos importa que eles tenham uma justiça comercial que é vedada aos portugueses. Dizer isto sem corar de vergonha é obra, mesmo garantindo que daí florescerão empregos. Ora o líder do PS conseguiu-o. Mas terá ganho, por isso, maior confiança de alguém?


Justiça gold. Atenção, a ideia é do PS
Por Ana Sá Lopes
publicado em 10 Fev 2014 in (jornal) i online
PS defende a existência de uma espécie de justiça gold para grandes investidores
Ser de esquerda é hoje tão difícil que muito do bom povo de esquerda, não alinhado com nenhum partido, se identifica com regularidade com as posições de personalidades como a ex-ministra da Educação e das Finanças de governos PSD - e antiga líder do PSD - Manuela Ferreira Leite; do ex-líder parlamentar do PSD no tempo de Cavaco primeiro-ministro e membro da sua Comissão Política José Pacheco Pereira; do ex- -ministro das Finanças do governo PSD/CDS liderado por Santana Lopes e conselheiro de Paulo Portas nos assuntos económicos Bagão Félix ou da jornalista e comentadora política Constança Cunha e Sá que nunca foi de esquerda. As coisas estão decididamente a ficar muito confusas.

O PS vive momentos particularmente difíceis tendo em conta o seu posicionamento europeu - ao lado da austeridade dominante aceite pelos socialistas de toda a Europa - enquanto o Bloco de Esquerda se esfrangalha à vista de todos. Quanto ao PCP, permanece o PCP: tem sempre o seu rendimento mínimo garantido e, provavelmente, pode subir de votação nestas europeias, contando os votos dos desgostosos do Bloco, mais os desgostosos do PS e até aqueles desgostosos do PSD que, na dúvida, votam no PCP. Eles existem.


Um dos sintomas deste mal-estar à esquerda revelou-se no sábado com a proposta surreal do secretário-geral do PS, António José Seguro, de defender a criação de tribunais especiais para investidores estrangeiros - mas também nacionais - de elevados rendimentos. Simplificando: Seguro defendeu uma espécie de justiça gold para investidores de alto calibre - comparando com isto, os vistos gold de Portas são uma brincadeira de meninos. Toda a gente sabe que a morosidade da nossa Justiça é um problema que atinge também a economia - mas atinge, em primeiro lugar, os cidadãos portugueses na sua honra e dignidade. Para um partido que invoca continuamente - e justamente - a Constituição contra várias das medidas deste governo e passa a vida a dizer que quer governar para "as pessoas", propor tribunais "gold" para criar uma justiça paralela para investidores ricos é uma ideia do outro mundo e seguramente não tem nada de esquerda. Se fosse o governo a avançar com uma proposta destas, não faltariam deputados do PS disponíveis para recolher assinaturas para enviar a lei para o Tribunal Constitucional. O PS quer criar "um ambiente amigo do investimento" e também cidadãos (ou estrangeiros) de primeira e de segunda.

Sem comentários: