domingo, 9 de fevereiro de 2014

O sim que trava a imigração ganhou. A direita nacionalista ganhou. A Europa perdeu. Extrema-direita europeia festeja resultados do referendo suíço/ Público. Swiss voters back immigration quotas / The Guardian. Suíços viram as costas à livre circulação e à Europa.



EDITORIAL
Suíça diz um sim, um não e um logo se vê
DIRECÇÃO EDITORIAL 09/02/2014 - Público
O sim que trava a imigração ganhou. A direita nacionalista ganhou. A Europa perdeu.

Na Suíça bastam 100 mil assinaturas para se convocar um referendo. E neste sistema de democracia directa fazem-se referendos sobre tudo: desde o uso de armas e a proibição de fumar até às coisas aparentemente mais ridículas, como a de saber se um animal alvo de abuso ou de maus tratos deve ou não ter direito a um advogado. Só no ano passado foram 11 os referendos a nível nacional.

Ontem foram a votos três novas perguntas: uma sobre a expansão da rede rodoviária, outra sobre o aborto (saber se deve ser o seguro de saúde ou a própria mulher a arcar com as despesas de um aborto) e, a mais mediática, sobre a possibilidade de se colocar ou não um travão e um sistema de quotas à imigração europeia.

A iniciativa – Contra a Imigração de Massas – foi do Partido do Povo Suíço, que nunca escondeu ao que vinha. Foram os mesmos que propuseram, em 2010, um referendo para a expulsão de estrangeiros que tivessem cometido uma qualquer infracção (por exemplo, trabalhar para além do horário de trabalho) ou que no ano anterior conseguiram proibir a construção de minaretes (as torres das mesquitas) em território suíço. Mas não só de tiques islamófobos é feita esta direita nacionalista. Olham para o projecto da construção europeia com algum desdém, mas os seus argumentos convenceram a maioria dos suíços que foram votar. Responsabilizam os estrangeiros pelo aumento da criminalidade, pela subida das rendas das casas, pela descida dos salários e por transportes públicos apinhados de gente. A culpa há-de ser de alguém: neste caso, dizem, é dos “outros”.

Este sim da Suíça também foi mais um não ao projecto europeu. Por duas vezes os suíços, em referendo como não podia deixar de ser, recusaram a adesão à União Europeia. Mas em 2002 estabeleceram com a União uma série de compromissos para a livre circulação de pessoas como contrapartida de terem acesso ao mercado único.

E foi aqui que os suíços votaram num "logo se vê", porque as consequências deste referendo são imprevisíveis para a própria economia helvética. Como diz Viviane Reding, “a Suíça não pode ficar só com o que gosta”. E o que gosta é que à União, além dos imigrantes indesejados, também vai buscar mão-de-obra qualificada (os gestores de empresas como a Roche, Novartis, UBS ou Credit Suisse estarão em pânico com o sim). É para onde vende 55% das suas exportações (e importa 80%) e, segundo a OCDE, é o país que mais beneficia da livre circulação.

O saldo entre a receita fiscal obtida com os imigrantes e os custos administrativos, sociais e de infra-estruturas que lhes podem ser imputados é positivo em 6,5 mil milhões de francos.

A Europa deve ter uma resposta firme para a Suíça e olhar para o resultado do referendo como um aviso para as eleições de Maio, já que os partidos da direita nacionalista vão aproveitar a onda para tentar semear e colher o voto baseado num sentimento anti-imigração.


Extrema-direita europeia festeja resultados do referendo suíço
SOFIA LORENA 09/02/2014 in Público
Ministro das Finanças alemão defende que o “sim” suíço reflecte “um mal-estar” que “deve ser levado a sério”.

Entre os primeiros a reagir à vitória do “sim” no referendo suíço que prevê a imposição de limites à imigração incluem-se responsáveis de diferentes partidos populistas e de extrema-direita europeus. A confirmar o que o presidente do Parlamento Europeu, o alemão Martin Schulz, dissera antes do voto numa entrevista ao jornal suíço NZZ am Sonntag: “Temo que um ‘sim’ na Suíça provoque um regresso do debate sobre a livre circulação de pessoas na União Europeia”.

O líder dos populistas britânicos do UKIP (Partido da Independência), Nigel Farage, celebrou uma “notícia maravilhosa para os amantes da liberdade e da soberania nacional na Europa”. Para o responsável do partido anti-imigração, que nas eleições locais do ano passado teve um grande crescimento e obteve 25% dos votos, “a imigração em massa na Europa é um grande problema e fonte de grande preocupação porque faz baixar os salários, pressiona os sistemas sociais e dá às pessoas a impressão de serem estrangeiras no seu próprio país”.

Na Áustria, o dirigente do partido de extrema-direita FPÃ, Heinz Christian Strache, falou num “grande sucesso” e defendeu que se lhes fosse dada a oportunidade, a maioria das pessoas do seu país também se pronunciariam a favor de uma limitação na imigração.

Para a Frente Nacional, o referendo suíço “marca uma viragem positiva contra o dogma destruidor da abertura das fronteiras”. “Trata-se igualmente de uma vitória clara do povo suíço contra as suas elites, a tecnoestrutura da União Europeia e os bem pensantes que não poupam nenhum país da Europa”, diz a líder do maior partido da extrema-direita francesa, Marine Le Pen, que saudou “a lucidez do povo suíço”.

“Esta vitória reforçará os franceses na sua vontade de travar a imigração em massa e de recuperar o controlo das suas fronteiras face à União Europeia”, diz Le Pen, criticando “as velhas democracias esclerosadas que não ousam nunca dar a palavra ao povo” e reafirmando a sua vontade de ver realizado em França “um verdadeiro referendo de iniciativa popular”.

Em Itália, foi o partido nacionalista e xenófobo da Liga Norte a festejar. “Aqui, já não há lugar nem trabalho para os imigrantes, é preciso dar prioridade aos nossos milhões de desempregados, aos reformados sem direitos e aos jovens”, disse Massimo Bitonci, chefe da Liga no Senado.

O actual líder do partido, Matteo Salvini, anunciou no Twitter que pretende reclamar um referendo idêntico ao suíço em Itália, uma ambição com poucas hipóteses de sucesso – por um lado, o partido não representa hoje mais do que 4% dos eleitores, por outro, tal como acontece na generalidade dos países, é muito mais difícil convocar um referendo em Itália do que na Suíça.

Num comentário aos resultados, o ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble disse que estes “mostram que no mundo da mundialização, as pessoas sentem um mal-estar grande face à liberdade completa de instalação” das pessoas. “Creio que devemos todos levar isto a sério.”


Swiss voters back immigration quotas
Unexpected narrow victory for far-right populists casts uncertainty over Swiss relations with European Union
Ian Traynor, Europe editor

Eurosceptic anti-immigrant movements across Europe received a boost on Sunday when Switzerland voted by the slimmest of margins to impose quotas on newcomers to the country, thrusting its relations with the EU into uncertainty.

In a referendum mobilised by far-right populists demanding caps on immigration in a country where almost one in four of the population are immigrants, 50.4% of voters supported the measure, in a relatively high turnout of 56%.

The vote split Switzerland east to west, with the francophone west voting against the quotas and the German-speaking east backing the clampdown.

The European commission said it regretted the outcome of the Swiss vote and would need to review the impact on overall relations between Switzerland and the EU.

"This goes against the principle of free movement of people between the EU and Switzerland," the commission said.

While Switzerland is not an EU member, it is closely integrated with the union and is a member of Europe's passport-free Schengen regime. The vote to cap immigration throws this into question, undermining several bilateral agreements between Brussels and Berne, and challenging the Schengen system since the caps will also apply to EU citizens who previously enjoyed unfettered travel and working rights in Switzerland under the open borders system.

A little more than three months before elections to the European parliament, in which far-right anti-immigration populists are expected to make gains, the Swiss verdict is certain to galvanise the more extreme wings of European politics and chasten the mainstream.

France's National Front, tipped to come first in the French European elections in May, was quick to congratulate the Swiss voters on their verdict. Similar anti-immigrant parties are doing well in the Netherlands, Austria and Scandinavia.

The results may also be seized on in Britain, where David Cameron espouses similar policies of curbing freedom of movement within the EU and setting caps on those allowed to migrate from future new EU members.

The situations are different: Switzerland is not in the EU but in Schengen, while Britain is an EU member but not part of the Schengen system. However, freedom of movement for EU citizens is a central pillar of the EU's single market and applies both to the union and to the Schengen countries.

The Swiss yes vote came as a surprise since opinion polls had shown a majority against the quotas in a country that is one of the world's wealthiest and most successful, with a jobless rate of less than 4%, the lowest in Europe.

The vote, organised by the arch-conservative and Eurosceptic Swiss People's party, raises the prospect of Switzerland having to quit the Schengen system, which it joined in 2002, and its citizens forfeiting passport-free travel across most of Europe.

Brussels may also demand the renegotiation of several bilateral agreements with the Swiss regulating the neutral country's access to Europe's single market.

About 80,000 EU citizens freely settle in Switzerland every year, most coming from Germany but with large numbers also coming from neighbouring Italy and France.

The government opposed the quotas, as did Swiss business leaders. The government now has to come up with new legislation fleshing out the detail within three years.



Suíços viram as costas à livre circulação e à Europa
SOFIA LORENA 09/02/2014 – in Público
Iniciativa da direita nacionalista do Partido do Povo Suíço foi aprovada em referendo na maioria dos 26 cantões.
Foi por pouco, mas foi. A iniciativa “contra a imigração em massa” foi mesmo aprovada, com o apoio de 50,3% dos eleitores suíços. “O acordo com a União Europeia sobre a livre circulação de pessoas está posto em causa", concluiu Didier Burkhalter, ministro dos Negócios Estrangeiros suíço.

As sondagens davam a vitória do “não” mas mostravam que o “sim” estava a ganhar terreno e os analistas avisavam que tudo podia acontecer. Assim foi. A taxa de participação chegou aos 56,6%, alta como já não se via num referendo desde 2005, quando 56,8% dos eleitores disseram “sim” aos acordos de associação de Shengen e Dublin.

Os suíços votaram contra o que a esmagadora maioria dos partidos lhes pediam, contra o conselho federal (Governo), onde seis dos sete membros rejeitavam a iniciativa, contra o que os sindicatos e o patronato defendiam. Venceu o Partido do Povo Suíço (SVP, coligação de movimentos da direita nacionalista e populista) e a ideia de que os imigrantes – desde a entrada em vigor da livre circulação, em 2002, chegaram anualmente à Suíça 80 mil pessoas de estrados membros – ameaçam os postos de trabalho e os salários, e provocam uma pressão incomportável nas infra-estruturas e no mercado de habitação.

Os "cidadãos suíços aceitaram a iniciativa popular 'contra a imigração em massa' e pronunciaram-se assim por uma mudança de sistema na política suíça de imigração", disse a ministra da Justiça, Simonetta Sommaruga, na conferência de imprensa que juntou vários membros do Governo. “É uma mudança de sistema com grandes consequências para os suíços e para as nossas relações com a UE”, notou a ministra. “É um voto de desafio às autoridades” e “também um voto contra os meios económicos”, concluiu.

“É um mau resultado, a Suíça precisa de boas relações com a União Europeia”, disse Paul Rechsteiner, sindicalista e deputados do Partido Socialista Suíço. Para a Economiesuisse, organização que reúne todas as associações do patronato, “começa agora um período de incerta para a economia suíça, o que não é bom”. Durante a campanha, as organizações patronais lembraram a burocracia e os custos administrativos do sistema de quotas que vigorou até à livre circulação: assim é muito mais difícil conseguir, em tempo útil, a mão-de-obra qualificada que muitas vezes não está disponível entre os suíços.

Acordos bilaterais
O politólogo Pascal Sciarini, da Universidade de Genebra, antecipa o “caos”, com todos os acordos que unem o país à UE a terem de ser renegociados.

“Agora, convém fazer tudo o que for possível para manter os acordos bilaterais”, reagiu, assim que foram conhecidos os resultados, o comité de partidos que se uniu para defender o “não” (todos menos os socialistas, que decidiram fazer campanha sozinhos). A reacção da União Europeia permanece incerta, dizem estes partidos, defendendo que o conselho federal deve encontrar com Bruxelas uma solução que permita à Suíça respeitar a nova disposição constitucional sem pôr em causa as relações bilaterais com a União.

De facto, não é ainda completamente certo como é que Bruxelas vai reagir. Antes do referendo, não houve posição oficial, mesmo se vários responsáveis europeus avisaram os suíços para os riscos de pôr em causa a livre circulação. “A Suíça não pode ficar só com o que gosta”, disse Viviane Reding, comissária da Justiça Direitos Fundamentais e Cidadania, em declarações aos media suíços durante a campanha. A livre circulação, explicou, faz parte de um pacote de sete acordos que tanto beneficiam a Suíça como a UE.

Este domingo, a Comissão Europeia lamentou que a iniciativa "para a introdução de quotas sobre a imigração tenha passado " e fez saber que Bruxelas "avaliará as implicações desta iniciativa no conjunto das relações entre a UE e a Suíça". Segundo uma fonte europeia citada pela AFP, se o acordo de livre circulação for denunciado os outros seis acordos ficarão obsoletos em seis meses.

Estes acordos regulam a comercialização de produtos, os concursos públicos, a agricultura, a investigação, os transportes aéreos e terrestres. A lógica é sempre a da facilitação das trocas – com estes acordos, acabaram os controlos veterinários especiais, e as companhias aéreas suíças passaram a ter acesso a todas as linhas, por exemplo.

Saldo positivo
Todos os indicadores mostram que a abertura da Suíça à UE tem saldo positivo. O desemprego manteve-se perto dos 3% - está em 3,4% para o conjunto da população e em 2% para os suíços de origem –, os salários cresceram em média 0,6% desde 2002 (mais do que no período anterior) e a economia do país nunca parou de crescer acima da média europeia, com estimativas de um crescimento de 2% para 2014. Mais de metade das exportações suíças vão para o mercado único.

Quando a livre circulação entrou em vigor, há 12 anos, a Suíça tinha 20% de imigrantes, hoje são 23,5% (e 22% da força de trabalho) numa população de oito milhões. Italianos e alemães são os maiores grupos, com perto de 291 mil e 284 mil pessoas. A seguir, estão os portugueses, que são quase 240 mil. E os suíços, certa ou erradamente, temem que os recém-chegados estejam a mudar o seu país e a sua qualidade de vida para pior.

Numa conversa com o PÚBLICO, o politólogo Lukas Golder explicou que depois de uma grande controvérsia sobre a abertura à UE, “seguiu-se um período em que crescia a tendência a favor da livre circulação”. Nos últimos anos, porém, a opinião geral voltou a mudar, com a direita nacionalista do SVP a ser “muito bem-sucedida no reforço da percepção de que os imigrantes são responsáveis por tudo o que não está bem”.

O Governo admite um problema de infra-estruturas, por exemplo, e até aponta a livre circulação como uma das suas causas, mas insiste que a Suíça precisa destas pessoas.

Como as sondagens já indicavam, o maior apoio ao “não” veio da Suíça italiana, com resultados mistos na Suíça alemã e a vitória do “não” nos cantões franceses. Ainda à espera de uma análise mais detalhada, Golder antecipa que a iniciativa do SPV não tenha sido necessariamente mais votada onde se sentem de facto problemas com o aumento recente da população.


O SVP, claro, celebrou. “Trata-se de uma viragem na nossa política de imigração”, disse o presidente, Toni Brunner. O vice-presidente, Christoph Blocher, escolheu outra frase: “Conservámos a nossa independência”.

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