Numa altura em que a Câmara
de Lisboa discute o Plano de Acessibilidade Pedonal, que prevê remover a
calçada portuguesa em algumas ruas da cidade, surgem projectos para promover a
arte de calcetar e criar emprego.
Café Portugal/Lusa | sábado, 8 de Fevereiro de 2014
O Plano de Acessibilidade Pedonal foi aprovado pela Câmara
em Dezembro e, a 7 de Fevereiro, foi apresentado aos deputados da assembleia
municipal. O documento tem levantado críticas de associações de defesa do
património e da oposição, que se opõem à limitação da calçada portuguesa a
zonas turísticas.
Ao mesmo tempo, um pouco por toda a cidade, começam a surgir
projectos que chamam a atenção para a calçada, a importância de a manter e
cuidar e de formar calceteiros.
No Beco do Rosendo, a associação Renovar a Mouraria aliou a
necessidade de criar emprego com a de melhorar a acessibilidade pedonal.
A presidente da associação, Inês Andrade, conta que fez uma
parceria com a Santa Casa da Misericórdia e com uma empresa de construção civil
para formar quatro desempregados na arte de calcetar.
«Juntámos o útil ao agradável. São quatro pessoas
excelentes, na associação e mesmo na empresa estamos muito contentes com o
trabalho deles. Vamos recomendá-los à junta de freguesia (de Santa Maria Maior)
para que sejam eles a fazer os trabalhos de manutenção da calçada e mesmo
trabalhos de construção civil», diz.
Com a discussão do Plano de Acessibilidade Pedonal e as
críticas que lhe seguiram, Inês Andrade destaca a importância da manutenção e
da qualidade da calçada – antes da sua remoção.
«A calçada pode ser perigosa se não for bem colocada e, se
não houver manutenção, pode ficar escorregadia. Bem colocada e mantida terá uma
maior durabilidade», admite.
Por outro lado, para melhorar a acessibilidade nas
proximidades do Beco, com uma população idosa, vão ser instalados corrimãos
(para apoio nas escadarias íngremes do bairro) e uma calha para «bicicletas e
carrinhos de bebé».
José António, de 19 anos, vive na Mouraria. Espera que a
formação seja útil no futuro, mas lamenta que o Plano de Acessibilidade Pedonal
possa limitar o novo trabalho.
«Podia haver mais trabalho, mas com menos calçada vai ser
difícil. É pena que noutros países, como Angola e Brasil, se valorize a calçada
e aqui não», diz.
Mamadu Dalde e Mamadu Radialo, de 22 e 60 anos, também
pretendem trabalhar com calçada em Lisboa. «Há muitas ruas para arranjar. Basta
que a câmara e a junta de freguesia queiram», defende José.
Também Patrícia Simões e Tiago Custódio, do projecto
neoFOFO, lamentam a falta de formação de novos calceteiros.
Desde o início de Dezembro, estes dois jovens têm colocado
‘calçada fofa’, pequenos cubos de madeira envolvidos em lã colorida, nos
espaços vazios dos passeios lisboetas.
«Buracos não faltam», atira Tiago, numa manhã de mais uma
‘calcetagem fofa’. Em Benfica, os dois jovens limpam um buraco no passeio. Ali
faltavam mais de dez pedras de calçada. Escolhem os seus ‘neofofos’, desenham
um padrão.
«Qual é o objectivo? É para chamar a atenção para os buracos
na calçada?», pergunta uma idosa. Patrícia responde que também, mas que
principalmente é para «criar sensações».
A jovem afirma que o momento do lançamento do projecto «é
coincidência» com o plano municipal, mas admite outros entendimentos: «Gostamos
muito de calçada, da calçada fofa, mas mais da calçada portuguesa. Dos seus
padrões, desenhos».
Tiago lamenta o estado da calçada e apela a uma maior – e
melhor – manutenção. «Percebemos que as pessoas possam cair, que as senhoras
fiquem com os saltos presos, os custos… mas a calçada faz parte do nosso
património», diz Patrícia.
Padrão de calçada ‘fofo’ escolhido, é tempo de fixar as
peças ao chão com uma argamassa – uma sugestão feita por um calceteiro
profissional via rede social Facebook.
A ‘calçada fofa’ está em mais de 30 locais de Lisboa. O
primeiro ‘neofofo’ foi calcetado na zona de Benfica. A Estrada de Benfica é uma
das primeiras ruas onde a câmara admite remover a calçada portuguesa.
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