15.524 cegos
OPINIÃO /Vasco Pulido Valente /1 fev 2014 / Público
Pedro Passos Coelho atravessa uma sala quase vazia e vai pôr
o seu boletim de voto numa caixa meio improvisada. E assim é consumado o acto
fundador da nossa democracia. O eleitorado mal passou desta vez de 17.000 votos
contra 51.748 em 2010; e mesmo assim houve à volta de 2000 militantes que
rejeitaram o primeiro-ministro. Tudo visto e considerado, 15.524 militantes do
PSD decidiram por si quem será o chefe da direita na eleição de 2015.
Não custa a imaginar de que espécie de indivíduos se trata:
funcionários públicos de confiança política, quatro ou cinco dúzias de
oportunistas que se agarram a Passos Coelho; e uma dezena ou duas de fanáticos
sempre ansiosos por votar na ortodoxia do “partido”, sem exame ou vergonha. De
qualquer maneira, quem sofre as consequências é o cidadão comum.
O mesmo irá suceder no PS com Seguro ou com outro; e até nos
pequenos bandos da extrema-esquerda não se vêem grandes diferenças. Os partidos
que tomaram conta do Estado e os partidos que só pensam em tomar conta do
Estado (ou, pelo menos de um bocadinho dele) defendem zelosamente o seu
monopólio. Bem podem dizer de quando em quando que gostariam de se “abrir” ao
cidadão comum. Mas como o cidadão é por natureza um risco, preferem a família,
os compadres ou qualquer vigarista do bairro ou da terra já comprometido com
eles. O tal “cidadão comum” tão apetecido em época de eleições não consegue
nunca atravessar a barreira burocrática e pessoal, que o aparelho fabricou para
o manter ao largo. Por isso, de há um tempo para cá assistimos com espanto à
irresistível ascensão dos “jotas”, que “trabalharam” no “partido” desde a
adolescência e nem vagamente percebem o mundo real.
Esta ridícula “eleição” de Passos Coelho, com um programa
autoritário e absurdo, que ninguém discutiu, mostra com mais nitidez do que,
por exemplo, a “chicana” parlamentar corrente, o abismo em que caiu a nossa
democracia. Suponho que não serei o único a quem horroriza votar em Passos
Coelho ou em Seguro. Infelizmente, a organização do regime acabará por forçar
milhões de portugueses a cometer esse acto repugnante, em nome do velho “mal
menor”, que de resto o dr. Cavaco cultiva. As Repúblicas modernas têm em geral
desabado por culpa dos partidos. E os chefes e militantes partidários têm
compreendido tarde demais que a supremacia não é a supremacia do povo.
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