Revolução ou Tragédia?
Paulo Trigo Pereira 02/02/2015
-PÚBLICO
1- O novo governo grego
quer uma revolução à escala europeia, mas o mais provável é que assistamos a
uma tragédia, sobretudo para os gregos, mas também para a Europa cuja inépcia e
incapacidade de desenhar boas políticas e de se reformar institucionalmente em
tempo útil, levará muito provavelmente à saída da Grécia do euro.
A vitória do Syriza é
perfeitamente compreensível no campo económico, financeiro, político e social.
Após dois resgates, cerca de duzentos e cinquenta mil milhões de empréstimos de
credores oficiais, e de dois planos de ajustamento com a troika, o PIB contraiu
25%, a taxa de desemprego mantém-se nos 25%, com um desemprego jovem
elevadíssimo, a dívida continua a crescer (cerca de 177% do PIB).
Economicamente a Grécia está mal e socialmente vive uma crise humanitária. Se
em 2008 11,2% dos cidadãos viviam em situação de privação material, em 2013 já
eram um em cada cinco (20,3%). Estavam carentes em pelo menos quatro destas
dimensões: pagar atempadamente a renda da casa; comer carne, peixe ou proteínas
equivalentes em cada dois dias; ter a casa adequadamente aquecida; ter máquina
de lavar, TV, telefone, carro, ter uma semana de férias fora de casa, e ter
capacidade de fazer face a despesas inesperadas. Trezentos mil lares gregos
deixaram de ter capacidade de pagar eletricidade. Para além da crise
humanitária, dos cortes de salários e pensões, que atingem sobretudo a classe
média, continua a evasão fiscal, a grande e a pequena corrupção (nalguns
hospitais se se paga a médicas e enfermeiros é-se atendido mais rapidamente).
As elites, identificadas sobretudo com os partidos do centro (os socialistas do PASOK que quase
desapareceram, mas também a Nova Democracia) nada fazem para atacar os
privilégios especiais e para reformar o sistema político. A adicionar a tudo
isto, a falta de soberania e alguma arrogância
da troika durante cinco anos explicam bem este resultado. Já que tudo o
resto falhou, resta para muitos gregos a esperança no Syriza. Uma esperança que
poderá será defraudada durante os próximos seis meses.
2- O novo governo não
está a ser entusiasmante. Antes do mais, a coligação com os Gregos
Independentes. É possível legislar e governar com um partido com quem se
partilha apenas uma recusa da troika e da austeridade? Quanto às medidas anunciadas, umas são
positivas (resolução de alguns problemas humanitários como os lares sem
energia), outras são meramente simbólicas e irrelevantes (readmissão de
empregadas de limpeza no Ministério das Finanças), e outras são já um sinal
claro da direção a tomar. Anunciado um aumento do salário mínimo de 586 euros
(em Portugal é de 505) para 751 euros, o valor antes da entrada da troika,
anunciadas as suspensões dos planos de privatização do Porto de Pireus (dois
terços), de aeroportos e da empresa de energia. A substância das medidas é
criticável, mas a forma ainda mais. Foram anunciadas de forma unilateral pelos
novos governantes gregos, sendo que violam os compromissos acordados com a
troika. Trata-se de uma estratégia de falcão, e que se traduz por “entrar a
matar”, esperando que o “adversário” recue, isto é que os credores sejam uma
“pomba”. É extremamente arriscada e penso que não funcionará. Os líderes
europeus não são muito corajosos, é um facto, mas também não me parecem ser
parvos.
O governo grego pode
recusar-se a falar em conjunto com a troika, mas dificilmente não falará
individualmente com os seus principais credores que são... a troika. O episódio
em que o presidente do eurogrupo, o ministro das finanças socialista holandês
Dijsselboem, sai ostensivamente de uma conferência de imprensa com Varoufakis,
após este dizer que não tenciona cooperar com a troika, mostra a principal
dificuldade deste governo: a de perceber rapidamente que é necessário um
compromisso político e com quem. A Grécia vai ter de amortizar empréstimos este
ano de cerca de 20 mil milhões de euros e não tem reservas suficientes para o
fazer. Estima-se que 4,3mM no primeiro trimestre e 6,5mM em Julho e Agosto. Em
apenas uma semana, os juros das obrigações do Tesouro a 3 anos passaram de 10%
para 19%. Adicionalmente, a banca grega
está dependente do financiamento do Banco Central Europeu, pelo que uma atitude
de hostilidade face ao BCE só poderá ser fatal para a banca grega, levará ao
colapso da economia e à saída da Grécia do euro.
3- Desde o início que
foram dados sinais claros à Grécia pelas instituições europeias que poderia
haver um compromisso em torno da extensão de maturidades da dívida (que já são
quase o dobro das portuguesas), mas não um novo perdão parcial da dívida.
Vivemos, na Europa, numa democracia multinível (local, regional, nacional,
europeia) e os diferentes patamares de cidadania repercutem-se mutuamente. Os
credores oficiais da Grécia e de Portugal são sobretudo os outros países
europeus (e o FMI), pelo que as decisões sobre a dívida grega repercutem-se em
todas as democracias nacionais. E aqui o que vemos? Em França, Marine Le Pen
lidera as sondagens, com Hollande num modesto terceiro lugar. Na Alemanha, a
“Alternativa para a Alemanha”, que quer a saída alemã do euro, teria 7% de
votos, na Holanda, o partido conservador, nacionalista e xenófobo de Geert
Wilders que tem 15 lugares no parlamento, se as eleições fossem hoje teria o
dobro dos mandatos tornando-se a força política com maior representação
parlamentar. Um perdão parcial da dívida grega que efeitos teria nas democracias
de todos os outros países? Não haveria um aumento da polarização política, à
esquerda nos países devedores do Sul e à direita nos países credores do
Norte? Não se deve analisar as
consequências da democracia grega sem pensar nas consequências em todas as democracias.
4- Há um problema europeu
que tem uma dimensão grega, portuguesa, irlandesa, etc., e que tem de ter uma
solução multilateral com regras que devem ser gerais, com alguma discriminação
positiva para os casos mais problemáticos. O problema não é sobretudo a dívida
excessiva, é a dinâmica de crescimento insustentável do peso da dívida e os
encargos anuais com ela, ou seja os recursos fiscais que vão para os credores e
não para a saúde ou para a educação. A Grécia tem uma população e um PIB per capita
em paridades de poder de compra semelhante ao português. Tem neste momento um
serviço da dívida (juros em percentagem do PIB) inferior ao de Portugal dado um
conjunto de medidas extraordinárias tomadas (carência de dez anos no pagamento
de juros ao Fundo Europeu de Estabilização Financeira e outras medidas junto do
BCE). Tem, porém, uma situação social e humanitária mais problemática.
5- Há uma grande ilação a
tirar dos desenvolvimentos de polarização política, à esquerda e à direita, na
Europa. É necessário relançar o
crescimento e aliviar os orçamentos nacionais, sobretudo de países periféricos,
e isso faz-se com dois tipos de estratégias, uma direcionada à redução dos
juros de credores oficiais (quantitative easing, extensão das maturidades,
períodos de carência, etc.), outra com a mutualização de certas prestações
sociais, que aliviem os encargos nacionais com subsídios de desemprego, e
outros, para os países mais afetados. A Europa tem de mudar e o governo
português está estranhamente ausente de um debate que muito nos diz respeito.
Os cidadãos portugueses pagam proporcionalmente mais em impostos e em juros que
os cidadãos gregos para uma dívida menor e o governo português não tem posição?
Se for negociado algo unilateralmente com a Grécia, Portugal vai continuar,
qual bom aluno, a olhar, sem reivindicar tratamento semelhante, ou vai exigir
uma solução multilateral europeia? Preocupa-me a apatia do governo português e
também o futuro dos gregos. Tenho a desagradável sensação que o Syriza não terá
a almejada revolução nas instituições europeias, mas levará a Grécia a sair do
euro, contra a vontade dos gregos. Espero sinceramente estar enganado.
*Professor do ISEG e
Presidente do Instituto de Políticas Públicas TJ-CS
O autor escreve no
primeiro domingo de cada mês. Por lapso da redacção, esta crónica sai hoje.
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