António Costa, o Benfica, o
descaramento e que Deus nos guarde
JOSÉ VÍTOR
MALHEIROS 17/02/2015 - PÚBLICO
O que Costa diz é que é aceitável não pagar impostos se se for rico, porque
o Estado será benevolente.
Nos últimos anos,
devido à crise financeira, económica, social e política (que o país não
atravessa mas onde estagnou) e devido aos sacrifícios impostos aos portugueses
pela austeridade do governo PSD-CDS, temos discutido muito a captura do
aparelho de Estado por interesses particulares.
Temos falado do
sequestro dos maiores partidos políticos pelos interesses financeiros mediados
pelos grandes gabinetes de advogados que representam o verdadeiro Eixo da
Governação, assim como dos privilégios de tratamento dado a diferentes
organizações conforme a sua generosidade e a sua proximidade do poder - com
Ricardo Salgado e o BES num lugar de destaque debaixo do baldaquim dourado dos
favores públicos, ao lado dos destacados militantes do PSD que levaram o BPN à
sua glória.
Com maior ou
menor repugnância, habituámo-nos a ver os banqueiros, os advogados de negócios,
os consultores fiscais e os construtores civis aconchegados ao seio generoso do
Estado ao mesmo tempo que pregam os benefícios do empreendedorismo e a
conveniência de passar para o seu bolso e o dos seus patrões os bens que ainda
sobrem no erário público.
No entanto,
temo-nos esquecido de uma importante categoria de privilegiados pelos favores
do Estado que uma recente decisão do executivo camarário de António Costa em Lisboa
veio trazer de novo à luz: os clubes de futebol.
Na semana
passada, a Câmara de Lisboa aprovou (com os votos favoráveis do PS e os votos
contra do PSD, CDS, PCP e de uma vereadora do movimento Cidadãos por Lisboa) a
isenção do pagamento de taxas urbanísticas no valor de cerca de 1,8 milhões de
euros relativas a obras a legalizar ou a realizar junto ao Estádio da Luz. De
acordo com o pedido de “ampliação/regularização” do Estádio da Luz submetido
pela empresa Benfica Estádio-Construção e Gestão de Estádios, S.A, 27.500
metros quadrados já foram construídos sem licença e o clube pretende
“regularizar” a situação. E 10.700 metros quadrados são construção nova que o
clube também agradece que sejam isentos de taxas. Diga-se que, na parte que se
refere à regularização de obras já feitas, o único partido que votou contra foi
o PCP tendo os restantes indignados votado a favor neste particular.
A decisão é uma
vergonha e um escândalo que atropela os mais elementares critérios de equidade
e de justiça e que não pode deixar de indignar profundamente todos os cidadãos
que, com sacrifícios, cumprem as suas obrigações fiscais e que não vêem a sua
rectidão premiada com perdões de multas e isenções de taxas. E, no actual
contexto de austeridade e empobrecimento generalizado da população, a decisão é
mais vergonhosa ainda. Não existe qualquer razão aceitável para oferecer 1,8
milhões de euros a um grande clube de futebol como o Benfica e há ainda menos
justificação para premiar as violações já cometidas pelo clube.
A história é
simples: a Câmara fechou os olhos porque se trata do Benfica. E as isenções
foram concedidas porque se trata do Benfica. Estou a dizer que António Costa ou
Manuel Salgado são benfiquistas? Não sei se são, nem tal coisa me interessa,
nem é isso que está em causa. Os perdões e as isenções foram concedidas porque
o Benfica é uma organização poderosa, influente, e a lei não é igual para
todos. Há uma lei para um pequeno proprietário que faz uma obra ilegal e é
obrigado a pagar multas e a demolir o que construiu e outra para uma grande
empresa como o Benfica.
É esta a mensagem
que António Costa e o seu vereador Manuel Salgado deixam clara com esta
decisão. Que o presidente da Câmara de Lisboa seja actualmente também o
secretário-geral do PS e candidato a primeiro-ministro só torna o caso mais
sério e mais sórdido.
Mais sério porque
este acto revela uma atitude (de desrespeito pela equidade da lei) e um
critério (de privilégio dos poderosos) que, a ser posto em prática num
futuro Governo PS, não promete nada
melhor do que o actual Governo.
Mais sórdido
porque a única razão para um tal benefício do Benfica é a boa vontade que se
pretende conquistar entre os adeptos do clube. Se não é uma tentativa de compra
de eleitores, parece.
O problema não é
o benefício do Benfica em relação aos outros clubes, que têm conquistado por
seu lado isenções, perdões e benesses múltiplas -- de que o centro de treinos
do Futebol Clube do Porto, por exemplo, construído com dinheiros públicos em
Gaia, é um exemplo particularmente escandaloso. E não é um problema porque o
Sporting e todos os outros se irão mexer para conseguir o que o Benfica agora
conseguiu.
O problema é em
relação a todos os outros, a todos os que pagamos impostos. O que Costa diz é
que é aceitável não pagar impostos se se for rico, porque o Estado será
benevolente com estes prevaricadores. Qual será a posição de um eventual
primeiro-ministro António Costa em relação a paraísos fiscais? À evasão fiscal?
E o que fará António Costa em relação aos milhares de penhoras feitas e a fazer
pela Autoridade Tributária a todos os honestos trabalhadores que queriam pagar
mas não conseguiram pagar os seus impostos? Irá perdoar também estas dívidas
como fez ao Benfica? Ou só aos que deverem mais de um milhão como Ricardo
Salgado? Qual será o critério?
jvmalheiros@gmail.com
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