segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Governo grego propõe ao Eurogrupo combate à evasão fiscal e à corrupção / Executivo de Tsipras exclui cortes de salários e pensões e prevê que subida do salário mínimo se faça “progressivamente”, mas surgem os primeiros sinais de descontentamento no Syriza. Zona euro aprecia hoje propostas de Atenas


Governo grego propõe ao Eurogrupo combate à evasão fiscal e à corrupção

Executivo de Tsipras exclui cortes de salários e pensões e prevê que subida do salário mínimo se faça “progressivamente”, mas surgem os primeiros sinais de descontentamento no Syriza. Zona euro aprecia hoje propostas de Atenas

“Peço desculpa ao povo grego por ter participado numa ilusão”, escreveu no seu blogue Manolis Glezos, eurodeputado do Syriza e herói da II Guerra

João Manuel Rocha / 23-2-2015 / PÚBLICO

A luta contra a evasão fiscal e a corrupção integram, como previsto, a lista de medidas e reformas que o Governo grego preparou para apresentar à zona euro, para viabilizar o acordo de extensão do financiamento à Grécia por quatro meses, alcançado na sexta-feira. Mas há matérias que “não são negociáveis”, avisou já o ministro de Estado, Nikos Pappas.
O executivo grego discutirá com os parceiros europeus “partindo do princípio de que há assuntos de soberania nacional que relevam da política interna e não são negociáveis”, disse à televisão Mega o ministro Pappas, que faz parte do círculo mais próximo do primeiro-ministro, Alexis Tsipras.
Sem indicar todas as “linhas vermelhas” do Governo grego, Nikos Pappas referiu os direitos e condições de trabalho entre os assuntos de “política interna”.
Uma das promessas do Syriza, partido de esquerda que lidera o novo executivo, foi restabelecer o princípio da contratação colectiva que nos últimos anos foi sendo substituído por contratos individuais, que protegem menos os direitos dos trabalhadores.
Nas declarações à Mega, reproduzidas pela AFP, o ministro de Estado excluiu novas reduções de salários e pensões e referiu-se à subida do salário mínimo de 580 para 751 euros, uma promessa de campanha. Será feita “progressivamente”, explicou.
O Governo de Atenas comprometeu-se na sexta-feira a apresentar as medidas até hoje — uma primeira versão da lista poderia ser enviada aos parceiros europeus ainda ontem. A agência AP adiantou essa possibilidade e a espanhola Efe também. Esta última noticiou que as propostas gregas constavam de uma carta de três páginas que seria enviada ontem para que as instituições fizessem observações a tempo de ajustar a versão a apresentar hoje.
O ministro das Finanças, Yanis Varoufakis, disse estar “absolutamente certo de que a lista de reformas será aprovada” pelos 18 outros ministros da zona euro.
Para além do combate à evasão fiscal e à corrupção, a lista incluirá, segundo a Reuters, medidas para a administração pública. Fonte oficial de Atenas valorizou o facto de a Grécia ser agora “dona” do seu programa, em vez de ter de aceitar imposições externas — embora precise do acordo das instituições credoras. Disse também à agência que nas medidas não seriam detalhadas metas. O Governo helénico comprometeu-se, no entanto, a não ultrapassar os limites orçamentais.
Ontem, Nikos Pappas disse também que o Orçamento para 2015, feito pelo anterior Governo e com a concordância das instituições internacionais, previa a contratação de 15 mil funcionários e que o actual executivo prevê recrutar apenas “11.000 a 11.500”.
Nick Malkoutzis, director do site de análise política e económica MacroPolis, concorda que, com o acordo de sexta-feira, o Governo de Atenas conseguiu que a Grécia esteja, pela primeira vez, em condições de “definir o seu próprio programa de reformas” em vez de ser a troika a apresentá-las. Mas chama a atenção para a necessidade de serem “sólidas”.
Uma concessão dos parceiros europeus a que Malkoutzis atribui importância é o facto de o excedente orçamental da Grécia, fixado em 3% para este ano, poder vir a não ser cumprido, o que dá ao Governo de Tsipras algum “espaço orçamental” para aliviar a pressão sobre a economia e pôr em marcha programas sociais. Mas a margem de manobra grega continua a ser “muito limitada” e o país terá de “fazer progressos” nas reformas, ao mesmo tempo que “mantém contentes os credores”.
Manolis pede desculpa
No sábado, ao pronunciar-se pela primeira vez sobre o acordo alcançado no Eurogrupo, Alexis Tsipras disse que a Grécia “deixa para trás a austeridade, o memorando, a troi
ka”, mas que há “dificuldades reais”. “Ganhámos uma batalha mas não a guerra”, afirmou.
As propostas em que está a trabalhar obrigam o Governo grego a um “número de equilibrismo” para satisfazer as exigências europeias sem “trair muito” as promessas eleitorais, considera a AFP. Apesar de Tsipras ter dito que o acordo permitiu manter a Grécia “de pé e digna”, há sinais de descontentamento nas hostes do Syriza, pelas concessões no Eurogrupo: o veterano Manolis Glezos, que em 1941 tirou a bandeira nazi do cimo da Acrópole, não esconde o desagrado. “Peço desculpa ao povo grego por ter participado numa ilusão”, escreveu o eurodeputado no seu blogue, segundo a Reuters. “Os amigos e apoiantes do Syriza devem decidir se aceitam esta situação.”
Se os compromissos do Governo grego para os próximos meses satisfizerem as instituições da troika — União Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional —, o Eurogrupo apreciará a lista numa teleconferência prevista para hoje e não será necessária uma reunião formal, diz a Reuters. O acordo seria depois ratificado pelos países da moeda única. Não foi ainda discutido como serão avaliadas as reformas a realizar.


Um assunto que estará também proximamente na mesa das negociações com os “parceiros” é o buraco orçamental das finanças gregas em 2015. O assunto tinha já sido abordado pelo anterior Governo, liderado pelo conservador Antonis Samaras. O ministro Pappas reconheceu também uma quebra de quatro a 4,5 mil milhões de euros nas receitas do Estado nos últimos meses, face às previsões, e adiantou que “é preciso fazer alguma coisa”.

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