Governo grego propõe ao Eurogrupo
combate à evasão fiscal e à corrupção
Executivo de Tsipras exclui
cortes de salários e pensões e prevê que subida do salário mínimo se faça
“progressivamente”, mas surgem os primeiros sinais de descontentamento no
Syriza. Zona euro aprecia hoje propostas de Atenas
“Peço
desculpa ao povo grego por ter participado numa ilusão”, escreveu no seu blogue
Manolis Glezos, eurodeputado do Syriza e herói da II Guerra
João Manuel Rocha
/ 23-2-2015 / PÚBLICO
A luta contra a
evasão fiscal e a corrupção integram, como previsto, a lista de medidas e
reformas que o Governo grego preparou para apresentar à zona euro, para
viabilizar o acordo de extensão do financiamento à Grécia por quatro meses,
alcançado na sexta-feira. Mas há matérias que “não são negociáveis”, avisou já
o ministro de Estado, Nikos Pappas.
O executivo grego
discutirá com os parceiros europeus “partindo do princípio de que há assuntos
de soberania nacional que relevam da política interna e não são negociáveis”,
disse à televisão Mega o ministro Pappas, que faz parte do círculo mais próximo
do primeiro-ministro, Alexis Tsipras.
Sem indicar todas
as “linhas vermelhas” do Governo grego, Nikos Pappas referiu os direitos e
condições de trabalho entre os assuntos de “política interna”.
Uma das promessas
do Syriza, partido de esquerda que lidera o novo executivo, foi restabelecer o
princípio da contratação colectiva que nos últimos anos foi sendo substituído
por contratos individuais, que protegem menos os direitos dos trabalhadores.
Nas declarações à
Mega, reproduzidas pela AFP, o ministro de Estado excluiu novas reduções de
salários e pensões e referiu-se à subida do salário mínimo de 580 para 751
euros, uma promessa de campanha. Será feita “progressivamente”, explicou.
O Governo de Atenas
comprometeu-se na sexta-feira a apresentar as medidas até hoje — uma primeira
versão da lista poderia ser enviada aos parceiros europeus ainda ontem. A
agência AP adiantou essa possibilidade e a espanhola Efe também. Esta última
noticiou que as propostas gregas constavam de uma carta de três páginas que
seria enviada ontem para que as instituições fizessem observações a tempo de
ajustar a versão a apresentar hoje.
O ministro das
Finanças, Yanis Varoufakis, disse estar “absolutamente certo de que a lista de
reformas será aprovada” pelos 18 outros ministros da zona euro.
Para além do
combate à evasão fiscal e à corrupção, a lista incluirá, segundo a Reuters,
medidas para a administração pública. Fonte oficial de Atenas valorizou o facto
de a Grécia ser agora “dona” do seu programa, em vez de ter de aceitar
imposições externas — embora precise do acordo das instituições credoras. Disse
também à agência que nas medidas não seriam detalhadas metas. O Governo
helénico comprometeu-se, no entanto, a não ultrapassar os limites orçamentais.
Ontem, Nikos
Pappas disse também que o Orçamento para 2015, feito pelo anterior Governo e
com a concordância das instituições internacionais, previa a contratação de 15
mil funcionários e que o actual executivo prevê recrutar apenas “11.000 a 11.500” .
Nick Malkoutzis,
director do site de análise política e económica MacroPolis, concorda que, com
o acordo de sexta-feira, o Governo de Atenas conseguiu que a Grécia esteja,
pela primeira vez, em condições de “definir o seu próprio programa de reformas”
em vez de ser a troika a apresentá-las. Mas chama a atenção para a necessidade
de serem “sólidas”.
Uma concessão dos
parceiros europeus a que Malkoutzis atribui importância é o facto de o
excedente orçamental da Grécia, fixado em 3% para este ano, poder vir a não ser
cumprido, o que dá ao Governo de Tsipras algum “espaço orçamental” para aliviar
a pressão sobre a economia e pôr em marcha programas sociais. Mas a margem de
manobra grega continua a ser “muito limitada” e o país terá de “fazer
progressos” nas reformas, ao mesmo tempo que “mantém contentes os credores”.
Manolis pede
desculpa
No sábado, ao
pronunciar-se pela primeira vez sobre o acordo alcançado no Eurogrupo, Alexis
Tsipras disse que a Grécia “deixa para trás a austeridade, o memorando, a troi
ka”, mas que há
“dificuldades reais”. “Ganhámos uma batalha mas não a guerra”, afirmou.
As propostas em
que está a trabalhar obrigam o Governo grego a um “número de equilibrismo” para
satisfazer as exigências europeias sem “trair muito” as promessas eleitorais,
considera a AFP. Apesar de Tsipras ter dito que o acordo permitiu manter a
Grécia “de pé e digna”, há sinais de descontentamento nas hostes do Syriza,
pelas concessões no Eurogrupo: o veterano Manolis Glezos, que em 1941 tirou a
bandeira nazi do cimo da Acrópole, não esconde o desagrado. “Peço desculpa ao
povo grego por ter participado numa ilusão”, escreveu o eurodeputado no seu
blogue, segundo a Reuters. “Os amigos e apoiantes do Syriza devem decidir se
aceitam esta situação.”
Se os
compromissos do Governo grego para os próximos meses satisfizerem as
instituições da troika — União Europeia, Banco Central Europeu e Fundo
Monetário Internacional —, o Eurogrupo apreciará a lista numa teleconferência
prevista para hoje e não será necessária uma reunião formal, diz a Reuters. O
acordo seria depois ratificado pelos países da moeda única. Não foi ainda
discutido como serão avaliadas as reformas a realizar.
Um assunto que
estará também proximamente na mesa das negociações com os “parceiros” é o
buraco orçamental das finanças gregas em 2015. O assunto tinha já sido abordado
pelo anterior Governo, liderado pelo conservador Antonis Samaras. O ministro
Pappas reconheceu também uma quebra de quatro a 4,5 mil milhões de euros nas
receitas do Estado nos últimos meses, face às previsões, e adiantou que “é
preciso fazer alguma coisa”.
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