Quando não se percebe quem é o
inimigo
A Europa vive a tentação de fechar as portas à Grécia. Um perigo!
EDITORIAL / PÚBLICO
/ 15-2-2015
Atenuado o
conflito na Ucrânia, os líderes europeus voltaram ao quebracabeças que é a
procura de uma solução para a Grécia. Mas a tarefa não é fácil. Duas reuniões
inconclusivas na semana passada não serviram tanto para medir forças como para
as duas partes se observarem e tentarem perceber os limites de cada uma na
negociação. E aqui os gregos levam vantagem, porque eles conhecem perfeitamente
os argumentos e os pontos fortes e fracos de cada um dos seus interlocutores. Afinal,
os líderes europeus desfilam diariamente nas televisões, as suas posições são
dissecadas ao milímetro por analistas de todos os quadrantes, os rituais das
reuniões de Bruxelas não têm segredos – da formalidade do outfit ao beija-mão a
quem convém não esquecer. A surpresa, essa, veio de Atenas e é por isso que os
líderes europeus agem com a desconfiança de quem, subitamente, se senta à mesa
com o inimigo. Seria mais confortável se Alexis Tsipras e Yanis Varoufakis
pudessem simplesmente ser catalogados como radicais e a coreografia dos seus
gestos, a tonalidade das suas palavras ou o conteúdo das suas propostas
encaixasse na perfeição com os pressupostos que tal categoria supõe. Mas não é
esse o perfil que transparece. Espalham chá e simpatia e têm dado inegáveis
provas de sensatez ao abandonarem propostas irrealistas como a do haircut de
grande parte da dívida. Depois, souberam jogar com o factor-surpresa. Em poucos
dias, mostraram à Europa que têm um plano cuja base de competência técnica
surpreendeu até os mais cépticos; impuseram o regresso da discussão
intergovernamental, eclipsando o papel dos funcionários da troika; e provaram
que a afirmação da soberania baseada na legitimação democrática não depende da
riqueza ou da dimensão de um país. Com isto, que não é pouco, será muito
difícil colocar Tsipras e Varoufakis no papel de lobos na pele de cordeiros,
prontos a fazer implodir o projecto europeu. Pelo contrário, eles protagonizam
uma espécie de versão actualizada do “Yes, we can” – os representantes de um país
à beira do abismo que acreditam no que parece impossível.
A presença dos
dirigentes gregos na mesa onde se discute o futuro da Europa é a prova de que
tudo mudou. A austeridade teve a sua oportunidade e falhou, dizem números,
estudos e testemunhos de gente insuspeita de cedência a esquerdismos, um pouco
por todo o mundo. Entre nós, basta ouvir Manuela Ferreira Leite ou ler o
surpreendente ensaio de Vítor Bento, conselheiro de Estado e primeira escolha
de Passos Coelho para ministro das Finanças, para se perceber que é preciso
repensar o modelo europeu. A elite política de Bruxelas pode ser tentada a
fechar a porta à Grécia, empurrada por egoísmos nacionais ou rendida a
interesses obscuros, mas isso não vai impedir que o mundo desabe lá fora,
fazendo da Europa um lugar inóspito. Amanhã, há nova reunião do Eurogrupo. A
hora da verdade aproxima-se.
Sem comentários:
Enviar um comentário