Empreendimentos como o da Matinha, cujo plano foi desenvolvido para um fundo ligado ao Grupo Espírito Santo pelo gabinete do arquitecto Manuel Salgado, vereador do Urbanismo da autarquia, ou o do novo Hospital da Cuf, a construir em Alcântara pela José de Mello Saúde, estão entre os possíveis grandes beneficiários desta medida. VER também :“Manuel Salgado altera PDM à medida dos interesses do Grupo Mello .Compra de terreno em Alcântara para instalar hospital da CUF concretizou-se. PSD condena hasta pública “encenada” para venda de terreno em Alcântara.” http://ovoodocorvo.blogspot.nl/2015/01/manuel-salgado-altera-pdm-medida-dos.html |
Câmara prepara-se para facilitar
a vida a promotores imobiliários
Deputados municipais, do PSD e
dos Cidadãos por Lisboa, e vereadores do PCP dizem que o município vai perder
receitas para satisfazer interesses privados. Assembleia Muncipal de Lisboa
decide amanhã
A ideia, já aprovada na câmara, é
apresentada como uma forma de incentivar a reabilitação das zonas “vulneráveis
do ponto de vista físico, económico, social e ambiental”. Mas também contempla
as grandes obras que reconvertam espaços “cujo uso original se tenha tornado
obsoleto”
José António
Cerejo / 23-2-2015 / PÚBLICO
Milhões de euros
poderão deixar de entrar anualmente nos cofres da Câmara de Lisboa, se o PS
conseguir que a assembleia municipal aprove uma alteração à fórmula de cálculo
das compensações devidas ao município em determinadas operações urbanísticas de
grandes dimensões. A lei obriga os promotores a cederem gratuitamente às
autarquias determinadas áreas de terreno, para espaços verdes e equipamentos
colectivos, mas em certos casos essas cedências podem ser substituídas por
compensações em dinheiro.
No caso de
Lisboa, o valor dessas compensações é calculado através de uma fórmula que
inclui um factor, o chamado Factor F, cuja fixação compete à assembleia
municipal sob proposta da câmara. A proposta, agora subscrita pelo vereador
Manuel Salgado e que será votada nesta terça-feira, prevê uma alteração daquele
factor que em algumas grandes operações — que não são de reabilitação urbana —
pode significar descontos de mais de 40% no montante das compensações a pagar
pelos promotores.
É o que sucede
com um dos exemplos que acompanha a proposta. Num grande projecto, não
identificado, em que a área de terreno a ceder seria de 4037 m2 , o promotor teve de
pagar ao município uma compensação de 1, 9 milhões de euros. Com a redução
proposta do Factor F, a compensação passaria, nesse caso, a ser apenas de um
milhão de euros — o que equivale a menos 211 euros por m2 de cedência
compensada.
Empreendimentos
como o da Matinha, cujo plano foi desenvolvido para um fundo ligado ao Grupo
Espírito Santo pelo gabinete do arquitecto Manuel Salgado, vereador do
Urbanismo da autarquia, ou o do novo Hospital da Cuf, a construir em Alcântara
pela José de Mello Saúde, estão entre os possíveis grandes beneficiários desta
medida.
A ideia, já
aprovada pelo executivo camarário no mês passado, é apresentada, antes de mais,
como uma forma de incentivar “a reabilitação urbana nas zonas da cidade
vulneráveis do ponto de vista físico, económico, social e ambiental”. Esta
primeira parte da proposta não levantou grandes objecções e foi aprovada por
vereadores de todos os partidos, contando apenas com duas abstenções do PSD e
uma do CDS.
A iniciativa,
porém, não se restringe a esse tipo de projectos de reabilitação — que incidem
sobre os chamados bairros e zonas de intervenção prioritária e sobre as áreas
urbanas de génese ilegal —, em relação aos quais existe um consenso alargado
quanto à necessidade de reduzir os encargos de construção. Contemplados são
também os loteamentos e grandes obras a desenvolver em áreas abrangidas por
planos de pormenor e planos de urbanização que, nos termos da proposta,
preconizem “a reconversão urbanística programada de espaços urbanos cujo uso originário
se tenha tornado desadequado e obsoleto”.
Proposta feita à medida?
Para lá desta
definição genérica, um anexo à proposta especifica que a alteração da fórmula
se aplica aos projectos a construir nas áreas abrangidas por cinco planos em
concreto: Alcântara, Matinha, Boavista Nascente, Parque Mayer e Amoreiras.
Este aspecto da
proposta foi rejeitado pelos vereadores do PCP e contou com as abstenções do
PSD e do CDS, bem como da vereadora Paula Marques dos Cidadãos por Lisboa. Na
intervenção que fez na reunião camarária, Carlos Moura, do PCP, explicou a sua
posição com o argumento de que a aplicação da redução das compensações na área
daqueles planos “não só diluiria as receitas municipais”, como representaria
“ganhos óbvios para os promotores”.
Esta mesma ideia
foi defendida na semana passada na Comissão de Urbanismo da Assembleia
Municipal pelos deputados municipais Nunes da Silva, dos Cidadãos por Lisboa, e
Victor Gonçalves e Margarida Saavedra, ambos do PSD. Já os socialistas Rita
Neves e Ricardo Saldanha acompanharam a posição da maioria, sustentando que o
que está em causa é a captação de investimentos para a cidade e o incentivo à
reabilitação urbana.
Nunes da Silva,
que integrou o executivo municipal no anterior mandato, não poupou críticas a este
lado da proposta de Manuel Salgado. “Completamente incompreensível”,
“absolutamente aberrante”, “completamente surrealista” e “absolutamente
indefensável” foram algumas das expressões que usou para qualificar a
iniciativa. Na opinião deste professor do Instituto Superior Técnico “não faz
qualquer sentido que as compensações sejam reduzidas em terrenos que já tiveram
uma valorização absolutamente descomunal com os planos de urbanização e de
pormenor, que transformaram zonas industriais em zonas urbanas”.
Victor Gonçalves,
por seu lado, defendeu que a redução das compensações em “zonas de alta
precariedade, que têm de ser reabilitadas, se justifica” em função da
necessidade de reabilitar e da fraca capacidade económica dos proprietários
dessas áreas. Já quanto aos terrenos inseridos em planos de pormenor e de
urbanização disse não ver qualquer justificação, uma vez que eles já foram
“valorizados exponencialmente” pelos próprios planos municipais. “Não se
justifica que haja uma redução das receitas da câmara para beneficiar
interesses privados”, salientou. No mesmo tom, Margarida Saavedra considerou
que “não deixa de ser curioso esta proposta aparecer quando alguns grandes
empreendimentos estão para ser licenciados [nas áreas dos planos indicados]”.
Pelo PS, Rita
Neves disse ter dúvidas quanto à “sugestão de que isto está a ser feito à
medida”. Exemplificou com o caso da zona da Boavista Nascente onde está em
curso a construção da nova sede da EDP, “uma operação que já está licenciada,
pelo que estará fora da aplicação desta lei” — mas que é apenas uma das várias
previstas no plano. Como forma de “dissipar quaisquer dúvidas” sobre as
intenções da proposta sugeriu que fosse ouvido o vereador Manuel Salgado, coisa
que a comissão achou dispensável, até porque o assunto está na agenda da
reunião da assembleia de amanhã. Já para Ricardo Saldanha não subsistem
quaisquer dúvidas: “O PS entende que isto é uma forma de trazer investimento
para a cidade.”
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