Portugal e EUA com as Lajes ao fundo: uma reunião tarde de mais?
A redução de efectivos militares
é “inevitável”. Mas Portugal pode ainda apostar as suas fichas noutra área capaz
de trazer desenvolvimento aos Açores. A bilateral é hoje em Lisboa
As pistas para a retirada já
vinham dos anos 90, sem que ninguém em Lisboa as sinalizasse
Nuno Sá Lourenço
/ 11 fev 2015 / PÚBLICO
O nome é
cerimonioso. A Comissão Bilateral Permanente junta hoje, em Lisboa, directores-gerais
e embaixadores ao longo de um dia inteiro. Portugueses e norte-americanos
reúnem-se, pela primeira vez, desde que o Departamento de Defesa dos EUA
confirmou a redução drástica do seu efectivo militar na Base das Lajes,
localizada na ilha Terceira, Açores.
Nos corredores do
poder lisboeta ninguém contesta a seriedade da questão. “Esta não é uma questão
de governo, é uma questão de Estado”, admite um responsável português. Oficialmente,
é tudo o que se consegue arrancar do Palácio das Necessidades, sede do
Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE). A 8 de Janeiro, esse ministério
assumiu o seu “forte desagrado” pela “decisão unilateral” dos EUA, ainda antes
de o presidente do Governo Regional dos Açores clamar pela revisão do Acordo de
Cooperação e Defesa e da mais comedida reacção do primeiro-ministro, que
limitou essa revisão ao acordo técnico.
“A redução é
inevitável”, asseverase em Lisboa, deixando pouca “margem de manobra” para
restaurar a imagem de uma ligação diplomática já com mais de 70 anos. As
expectativas não são, portanto, elevadas. José Filipe Pinto, investigador e
professor catedrático de Ciências Políticas da Universidade Lusófona, autor do
livro Lisboa, os Açores e a América, admite apenas “base negocial” para “fazer
funcionar o acordo laboral”.
O embaixador
Francisco Seixas da Costa, que na sua carreira diplomática ocupou os postos de
Londres e Paris, passando por Nova Iorque enquanto representante permanente de
Portugal nas Nações Unidas, reconhece também que a “discussão mais fácil” está
na procura de um compromisso que defina um “phasing out que tenha em conta os
impactos” da redução. Mas duvida que a “resposta” americana à reunião “possa
configurar uma mudança” na decisão da redução. O exsecretário de Estado dos
Assuntos Europeus dos governos de António Guterres justifica essa dificuldade
com a “assimetria de reacção” esperada pelos dois lados. “Nos Estados Unidos, a
questão está do lado da Defesa, mas o interesse português é na área social.”
Os sinais foram
chegando ao longo dos anos. A redução de efectivos nas Lajes não aterrou na
Terceira em 2012, quando os norte-americanos pela primeira vez fizeram saber da
intenção. As pistas para a retirada já vinham dos anos 90 do século passado,
sem que ninguém em Lisboa as sinalizasse. Afinal, há anos que os EUA vinham
negociando com a vizinha Espanha — que, ao contrário de Portugal, não foi um
Estado fundador da NATO, tendo aderido apenas em 1981 — a instalação de bases
militares nesse território.
Sendo a retirada
militar uma inevitabilidade, José Filipe Pinto é um dos que criticam a forma
ineficiente como os sucessivos governos defenderam o interesse português. Em
certa medida, Seixas da Costa reconhece-o igualmente: “Portugal nunca conseguiu
usar as Lajes como elemento da sua política externa.”
Mas o
investigador acredita que ainda há uma carta que Portugal pode jogar no seu
interesse. O Acordo de Cooperação e Defesa sempre compreendeu a possibilidade
de um apoio norte-americano ao desenvolvimento da ciência portuguesa. José
Filipe Pinto tem dificuldade em “perceber porque é que a cooperação científica
tem sido tão baixa”: “Muita gente viu na FLAD a porta para isso, mas a FLAD
definiu outros objectivos.” E já muita gente identificou uma área em que a
cooperação científica com os EUA poderia ser benéfica para Portugal. Três
cientistas e investigadores portugueses — Carlos Vieira, Ruben Eiras e Nuno
Oliveira — defenderam há dois anos o investimento em projectos capazes de
recolocar os “Açores e as Lajes em particular no centro económico do
Atlântico”, no âmbito do “potencial de toda a plataforma continental
portuguesa”. Através do desenvolvimento de um “cluster de investigação e
desenvolvimento, centrado, por exemplo, na Universidade dos Açores”, com
capacidade para “atrair a colaboração de outras instituições de investigação
estrangeiras e até uma eventual relocalização”.
O Plano de
Revitalização, apresentado em meados de Janeiro pelo Governo Regional dos
Açores, coloca essa possibilidade. Vasco Cordeiro defendeu a criação, na ilha
Terceira, de um centro de apoio à extensão da plataforma marítima, conjugando a
base militar com uma infra-estrutura naval adequada, o que permitiria, por um
lado, ajudar a ilha a fazer face ao impacto da redução militar norte-americana
e, por outro, “reconhecer e assumir o papel central que os Açores podem ter
neste processo”.
Pelas contas de
José Filipe Pinto ainda há tempo para construir essa solução. A subcomissão da
ONU de especialistas em geociências que analisará a pretensão portuguesa de
extensão da plataforma continental só se reunirá em 2016. E, depois do parecer
emitido, “aí será possível fazer valer os argumentos” políticos perante os
diferentes Estados na ONU.
Para Seixas da
Costa “faz sentido” que Portugal procure capitalizar a retirada militar norte-americana
para um apoio político e uma cooperação científica. “Mas não sei se não será
demasiado tarde. Além dos mais, os EUA compartimentam sempre as questões e
trazer outros actores [departamentos da Administração Obama] para esta questão
não será fácil.” Resta, portanto, saber quando e como Portugal pode jogar a sua
carta. “O capital de queixa fica e deve ser explorado por parte da diplomacia
para obter qualquer coisa noutras áreas”, remata Seixas da Costa. Mas apenas
desde que o Estado português não fique à espera, até que se veja perante uma
reunião em que será mesmo tarde de mais.
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