sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Cedência grega abre brechas entre Berlim e Bruxelas / Alemanha teme cavalo de Tróia.

Gabinete de Schäuble : Coerência , Arrogância ou Ortodoxia ?
"Não negociaremos o orgulho e a dignidade do nosso povo”, disse Alexis Tsipras na semana passada no Parlamento.

Cedência grega abre brechas entre Berlim e Bruxelas
Pedido de extensão dos empréstimos feito pela Grécia será analisado hoje pelo Eurogrupo, numa altura em que começa a faltar tempo para evitar que o Estado e os bancos gregos fiquem sem financiamento

A resposta do Governo de Atenas ao chumbo da Alemanha foi subir a parada com o seu próprio ultimato: “[Hoje] o Eurogrupo só tem duas opções: aceitar a proposta ou rejeitá-la”, disse fonte oficial do Governo grego

Sérgio Aníbal / 20 fev 2015 / PÚBLICO

Vai ser a terceira reunião do Eurogrupo no espaço de uma semana e meia e pode muito bem ser aquela que finalmente vai decidir o destino da Grécia nos próximos meses. Para já, com uma proposta em que cede bastante, mas em que recusa dizer de forma explícita que cumpre o programa da troika, o Governo grego conseguiu pôr Bruxelas e Berlim a dizerem coisas diferentes.
Uma coisa é certa, os dados parecem estar agora já quase todos lançados. O Governo grego entregou ontem ao Eurogrupo o seu pedido de uma extensão dos empréstimos concedidos pelos parceiros da zona euro. O documento, sob a forma de uma carta do ministro das Finanças grego, Yanis Varoufakis, ao presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, não só deu um sinal claro de que Atenas optou por recuar em muitas das suas posições iniciais, como acabou por abrir brechas na posição até agora bastante unida dos outros países da zona euro e das instituições europeias. A Grécia pode não ter ainda convencido todos os seus parceiros (a Alemanha certamente que não), mas parece estar agora menos isolada do que estava no final da reunião do Eurogrupo de segunda-feira.
Os responsáveis do Governo de Atenas garantem que não fazem um pedido de extensão do programa da
troika ou do memorando de entendimento, mas a verdade é que, embora nunca usando essas palavras, a Grécia fica muito próxima de fazer aquilo que lhe foi pedido pelos outros países no Eurogrupo: “As autoridades gregas estão agora a requerer a extensão do Master Financial Assistance Facility Agreement (o plano de empréstimos acordado entre a Grécia e os seus parceiros) por um período de seis meses, tempo durante o qual iremos avançar em conjunto, dando o melhor uso à flexibilidade existente no actual acordo em direcção à sua conclusão bem-sucedida e avaliação com base nas propostas, por um lado, do Governo grego, e, por outro lado, das instituições.”
O executivo grego compromete-se ainda a manter um “equilíbrio orçamental” durante os seis meses de extensão dos empréstimos, garante que qualquer nova medida será sempre financiada e aceita que as instituições que compõem a troika (embora esta palavra também nunca seja usada) possam monitorizar o cumprimento dos compromissos assumidos.
Como contrapartida, a carta de Yanis Varoufakis pede que, durante estes seis meses, seja discutido um futuro programa de apoio ao crescimento económico e uma eventual reestruturação da dívida.
Nas horas seguintes à divulgação da proposta da Grécia, assistiu-se a uma sequência surpreendente de reacções ao documento. A primeira foi dos mercados e foi muito positiva. A bolsa grega viu as cotações das suas empresas subir, em particular da banca, mostrando que os investidores ficaram bastante mais confiantes num acordo.
A seguir, foi a Comissão Europeia que, através de um porta-voz, disse que “o senhor Juncker manteve numerosos contactos durante toda a noite e viu sinais positivos nesta manhã, na carta” que Atenas enviou aos parceiros europeus. No dia anterior, o presidente da Comissão Europeia já tinha dado um sinal de apoio à Grécia ao dizer que as negociações da troika com os países sob um programa não deveriam ter sido feitas com técnicos do lado da troi
ka e políticos do lado dos governos, algo que também foi desde sempre defendido pelo executivo liderado por Alexis Tsipras. Perante a reacção de Bruxelas, as bolsas subiram ainda mais.
Mas rapidamente caiu um balde de água fria sobre o entusiasmo dos mercados. O Ministério das Finanças alemão emitiu um comunicado em que defendia que a proposta grega era insuficiente. Foi o único governo da zona euro a tomar uma posição pública sobre o tema, na véspera da reunião do Eurogrupo. “A carta de Atenas não é uma proposta que conduza a uma solução substancial. Na verdade, vai na direcção de um financiamento ponte, sem cumprir as exigências de um programa”, lia-se no comunicado.
Mais tarde, alguns meios de comunicação social divulgaram o que foi a posição alemã num encontro preparatório da reunião do Eurogrupo que aconteceu já ontem. A Alemanha defendeu que “a carta grega não é nada clara”, que não explica, por exemplo, “como é que o Governo grego pretende pagar as suas contas nas próximas semanas” e conclui que a proposta de Varoufakis, em vez de estar em linha com o que lhe tinha sido pedido no Eurogrupo, “representa um cavalo de Tróia, que pretende obter um financiamento ponte, colocando, em substância, um ponto final no actual programa”.
O Ministério das Finanças alemão,
liderado por Wolfgang Schäuble, até deixou uma sugestão do que deveria dizer a carta grega, em apenas três frases: “Requeremos a extensão do actual programa, dando uso à flexibilidade nele existente. Iremos acordar com as instituições quaisquer alterações nas medidas do actual memorando de entendimento. E temos como objectivo de concluir o programa com sucesso.”
A resposta do Governo grego a este chumbo de Berlim foi subir a parada com o seu próprio ultimato: “Amanhã [hoje], o Eurogrupo só tem duas opções: aceitar a proposta grega ou rejeitá-la”, disse fonte oficial do Governo grego à Reuters. A decisão do Eurogrupo “deixará claro quem quer uma solução e quem não a quer”, disse a mesma fonte.
Durante a tarde, ficou a saber-se que Alexis Tsipras e Angela Merkel falaram durante 50 minutos ao telefone.
Prever o que acontecerá na reunião do Eurogrupo de hoje é agora mais difícil do que o era antes dos dois anteriores encontros dos ministros das Finanças da zona euro. O papel desempenhado pela Comissão Europeia no delinear desta última proposta do Governo grego e a reacção pública positiva de Bruxelas ao documento mostram que Atenas pode ter, ao contrário do que aconteceu na segunda-feira, mais apoio dentro do Eurogrupo.
A forma como se aproximou daquilo que foi pedido pelos seus parceiros pode levar alguns países a tentar um entendimento. Contudo, a Alemanha, para já, parece bastante descontente com o que está a ser proposto por Atenas e há outros países, como é o caso mais óbvio de Espanha, que têm mostrado não estar dispostos a facilitar em nada a tarefa do Governo do Syriza.


Se não houver acordo, o tempo começa a escassear para garantir que um acordo é assinado por todos os países (alguns, como a Alemanha, têm de consultar os seus parlamentos) antes do final do mês e o BCE pode anunciar que deixa de conceder a linha de crédito de emergência aos bancos gregos, o que forçaria Atenas a impor controlos de capitais ou a ensaiar uma saída do euro.

Alemanha teme cavalo de Tróia
A Alemanha considera que o pedido de alargamento do prazo dos empréstimos feito ontem pela Grécia “representa um cavalo de Tróia”, com a intenção de obter um financiamento transitório, o que, no essencial, significa pôr fim ao actual programa de assistência financeira.
Para que um acordo seja possível, a Grécia deve, do ponto de vista alemão, assumir compromissos que incluem a inibição de avançar com medidas unilaterais, como reformas sociais que devem ser votadas ainda esta semana pelo Parlamento de Atenas.
O documento, divulgado ontem pela Reuters, foi preparado para uma reunião técnica preparatória que antecedeu o encontro do Eurogrupo convocado para hoje. No entender do Governo de Berlim, a proposta grega “não inclui qualquer compromisso claro” de concluir o actual programa. “Não está claro como quer o Governo grego assegurar os seus compromissos nas próximas semanas com o actual défice de receitas fiscais”, aponta também. “Nestas condições, não faz sentido começar a preparar uma declaração do Eurogrupo para sexta-feira [hoje].”
O documento alemão defende que o Eurogrupo deve ter como objectivo impedir a Grécia de adoptar medidas unilaterais que revertam o sentido do actual programa de assistência financeira.
Em primeiro lugar refere a necessidade de se examinar cuidadosamente a situação orçamental grega e avaliar se, nos termos da proposta do Governo de Atenas, lhe é possível concluir com sucesso o actual programa, com um excedente primário suficiente e com garantia de sustentabilidade da dívida. “Em segundo lugar, precisamos de um compromisso claro e convincente por parte da Grécia, que pode resumirse a três frases curtas e compreensíveis: ‘Requeremos a extensão do programa actual, fazendo uso da flexibilidade prevista. Concordamos com as instituições sobre alterações a medidas do memorando existente. E pretendemos concluir com sucesso o programa.’”
O terceiro aspecto reclamado pela Alemanha é a “confirmação pública” pela Grécia de que se absteria de “medidas unilaterais nacionais para reverter o actual programa”. As autoridades de Atenas deveriam, “com efeito imediato”, travar quaisquer iniciativas ou políticas “incompatíveis com os compromissos” do programa ainda em vigor ou susceptíveis de “agravar a situação orçamental”. Quanto a esta última “exigência”, são referidas em concreto reformas sociais e do mercado de trabalho cuja votação está prevista para esta semana no Parlamento grego. “[A linha de] 10,9 mil milhões de euros destinados à recapitalização da banca não deve ser prolongada, uma vez que os bancos gregos passaram com sucesso o teste de stress do ano passado”, lê-se ainda no documento.
Na carta em que a Grécia pede a extensão dos empréstimos por seis meses, refere-se que este prolongamento deve assumir alguns objectivos muito próximos dos exigidos pela Alemanha: permitir o cumprimento das metas orçamentais para 2015; evitar acções unilaterais que possam pôr em causa as metas orçamentais e a estabilidade financeira; iniciar o trabalho entre as equipas técnicas para um possível novo Contrato para a Recuperação e o Crescimento que as autoridades gregas pretendem que seja entre a Grécia, Europa e FMI, e que se pode seguir ao actual acordo; manter a supervisão dentro do enquadramento da União Europeia e do BCE e, no mesmo espírito, do FMI, durante a duração da extensão do acordo; discutir novas medidas para aplicação após a conclusão da extensão do acordo.
In PÚBLICO / 20-2-2015.

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