Ex-director do SEF luta em
tribunal para que Estado não lhe suspenda o ordenado
Arguidos do caso dos vistos que pertencem à função pública não comparecem
ao serviço por estarem detidos
Ana Henriques /
23-2-2015 / PÚBLICO
O ex-director do
Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, Manuel Jarmela Palos, pôs uma providência
cautelar no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa para impedir que o
Ministério da Administração Interna lhe suspenda o pagamento do salário.
Não é o único
arguido do caso dos vistos gold a lutar para manter o ordenado: o seu alegado
cúmplice no esquema de atribuição de vistos dourados, o ex-presidente do Instituto
dos Registos e Notariados, António Figueiredo, também apresentou um recurso
hierárquico ao Ministério da Justiça nesse sentido. Sem sucesso, porém. A outra
arguida do caso dos vistos, a antiga secretária-geral do mesmo ministério,
ficou em idêntica situação.
Quer António
Figueiredo quer os outros ex-altos dirigentes da função pública estão impedidos
de se apresentar ao trabalho, o primeiro por se encontrar detido
preventivamente na cadeia e os restantes dois por lhes ter sido decretada
prisão domiciliária. São porém presumíveis inocentes perante a lei, uma vez que
não foram condenados, não se sabendo sequer nesta altura se o processo em que
figuram como suspeitos de corrupção e branqueamento de capitais terá pernas
para chegar a tribunal ou se ficará pelo caminho, ilibando-os. Mas é
precisamente a lei, mais propriamente uma alteração à Lei Geral do Trabalho em
Funções Públicas datada do Verão passado, que invocam o Ministério da Justiça e
o da Administração Interna para terem deixado de pagar estes vencimentos. No
entendimento dos serviços dirigidos até Novembro pelo inspector Jarmela Palos,
as suas “ausências ao serviço por causa das medidas de prisão preventiva e da
obrigação de permanência na habitação constituem faltas por motivo não
imputável ao trabalhador que, no entanto, determinam a suspensão do vínculo a
partir do 30.º dia, com a consequente perda da remuneração”.
A explicação do
Ministério da Justiça é semelhante: “O vínculo de emprego público detido pelo
licen-
Pela lei todos os
arguidos beneficiam de presunção da inocência ciado António Figueiredo
encontrase suspenso, e consequentemente, não aufere, desde esta data em que lhe
foi aplicada a medida de coacção de prisão preventiva, qualquer remuneração. O
mesmo se aplica à dra. Maria Antónia Anes”. Ambos os organismos apontam a
recente disposição legal que determina que seja suspenso o vínculo entre o
Estado e o trabalhador caso surja um impedimento temporário causado por um
facto que não seja imputável a este último mas se prolongue por mais de um mês,
nomeadamente uma doença. “É uma medida excessiva e, do nosso ponto de vista,
ilegal, por ser extemporânea”, observa o presidente do Sindicato da Carreira de
Investigação e Fiscalização do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, Acácio
Pereira. É esta organização sindical que está a patrocinar a acção
administrativa que Jarmela Palos pôs contra o Ministério da Administração
Interna.
Prejuízo
irreparável?
Uma fonte próxima
dos arguidos dos vistos dourados que não se quis identificar questiona fortemente
a suspensão da retribuição e chama a atenção para o facto de isso conjugado com
a privação de quaisquer outras fontes de rendimento (bloqueio de contas
bancárias ou arresto de bens, por exemplo) e a impossibilidade de trabalhar por
causa das medidas de coacção ser ofensivo do Estado de direito, desproporcional
e violador da presunção de inocência. “Quase pior, ou pior que uma condenação
para o arguido e até para a família numa fase inicial do processo”, observa.
O Serviço de
Estrangeiros e Fronteiras cita doutrina do Supremo Tribunal de Justiça e do
Tribunal Central Administrativo Sul para sustentar a sua decisão. É toda
anterior à alteração legal do Verão passado, altura até à qual apenas era
retirado ao funcionário público em situações idênticas um sexto do vencimento,
até ao desfecho do processo judicial.
Habituado a
defender polícias em tribunal, o advogado Melo Alves já teve muitos clientes
com parte do vencimento congelado, e não duvida da legalidade da medida quando
ela apenas atinge um sexto do salário : “A presunção da inocência tem alguns
limites, e o Estado não está, de facto, a receber a contraprestação [o
desempenho laboral a que tem direito quando paga o ordenado a quem não vai
trabalhar”. Já a suspensão de todo o vencimento lhe levanta algumas dúvidas,
também de proporcionalidade da medida.
O advogado remete
para decisões do Tribunal Constitucional, todas também anteriores à nova lei. Numa
delas os juízes não acolheram os argumentos de um agente da PSP que alega que a
retenção de um sexto do vencimento lhe causa prejuízos de difícil reparação,
impossibilitando-o de prover ao seu sustento e às despesas do seu agregado
familiar. Ressalvam, porém, que, no que à privação dos rendimentos do trabalho
diz respeito, o prejuízo pecuniário resultante do congelamento “é de reputar de
irreparável, ou, pelo menos, de difícil reparação, se essa privação puser em
risco a satisfação de necessidades pessoais elementares, ou mesmo se determinar
um drástico abaixamento do nível de vida, pondo em risco a satisfação das
necessidades normais, correspondentes ao padrão de vida médio das famílias de
idêntica condição social”
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