sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

“O PS tenta esconder das pessoas os seus verdadeiros compromissos”


“O PS tenta esconder das pessoas os seus verdadeiros compromissos”

João Oliveira O líder parlamentar do PCP considera que os socialistas defendem políticas austeritárias. Em contraponto, os comunistas querem perdão de parte da dívida canalizado para investimento

“Renegociação quer dizer discutirmos as condições de pagamento da dívida em relação aos montantes, juros e prazos. Incluindo [o perdão de parte] dos montantes [base]”

Maria Lopes / 28-2-2015 / PÚBLICO

 O PCP organiza hoje um encontro nacional em Loures onde são esperados cerca de 2000 comunistas para procurar “soluções para o país” e travar o “declínio nacional”. João Oliveira, líder da bancada parlamentar, antecipa algumas ideias do partido.
NUNO FERREIRA SANTOS
O encontro de hoje é o tiro de partida para as legislativas?
Este encontro tem uma perspectiva mais ampla e pretende reflectir sobre o caminho que Portugal tem seguido e aquele que é preciso seguir para lá das eleições. A batalha eleitoral é um momento muito importante nesse percurso, mas o caminho não começa nem acaba aí. Queremos reflectir de forma alargada sobre a situação que o país atravessa nas suas várias dimensões, económica, social e política, e afirmar linhas de solução para os problemas.
Que soluções são essas?
Uma política alternativa à executada há décadas, com eixos de natureza económica, social, questões relacionadas com a produção nacional, a recuperação dos sectores produtivos, a valorização de salários e de pensões, a defesa das funções públicas e sociais do Estado.
Esses argumentos não são novos no discurso do PCP. Vamos encontrar propostas concretas?
As propostas concretas surgirão no programa eleitoral, trabalho que vamos fazer de forma tão alargada quanto possível. Com todos os que não sendo comunistas, se afirmam numa perspectiva patriótica, de preocupação com o país e que estão disponíveis para as soluções que é preciso construir.
Isso é o PCP a abrir-se à sociedade?
Dificilmente se encontrará um partido que de forma tão aberta construa soluções políticas. O facto de integrarmos coligações eleitorais com outros partidos e muitos milhares de independentes é um exemplo da forma aberta como nos posicionamos.
Que condições é preciso então construir?
Renegociar a dívida, romper os condicionamentos que nos são impostos pela União Europeia de encontrar uma resposta para a situação económica que parta da criação de emprego e o controlo público dos sectores estratégicos são aspectos essenciais.
O PCP defende a saída do euro?
Nós defendemos que o país se deve preparar para isso. Defendemos que Portugal deve libertar-se dos condicionamentos do euro e preparar-se para a saída do euro.
Isso é defender a saída. Para a preparar terá que desenhar cenários. Quais são?
Temos que fazer o levantamento, estudar todos os cenários que se podem colocar. Um cenário em que sejamos empurrados, outro em que decidimos sair, ou até numa saída negociada.
A preparação e a saída seriam em que horizonte temporal?
Depende do estudo que for feito e dos cenários.
Voltávamos ao escudo?
Eu acrescento: que medidas se tomam sobre a circulação da moeda? Qual a moeda de referência para os depósitos bancários? E as taxas cambiais? É tudo isso que o PCP quer ver estudado.
Outros partidos defendem a finalização da construção da união monetária. Não receia assustar os seus eleitores?
Independentemente dos custos políticos ou eleitorais, um partido com verdadeira noção da responsabilidade e da urgência dos problemas que temos não pode deixar de levantar essas questões.
Os países mais fortes querem mesmo que alguém saia do euro? Tiveram uma oportunidade com a Grécia e não a deixaram cair…
Depende da situação em que se encontrarem alguns países da zona euro. A Alemanha e os mais poderosos podem chegar à conclusão de que, para defesa do seu interesse, devem sair da zona euro ou empurrar outros para fora.
Em que condições defende
a renegociação da dívida? Agrada-lhe o plano grego das obrigações perpétuas e indexar o pagamento ao crescimento?
Cada país deve encontrar as soluções para os seus problemas. Mas em relação a essa em concreto, nós apresentámo-la em Junho de 2011: a primeira proposta apresentada na AR para renegociação da dívida era do PCP, com um mecanismo semelhante, indexado ao valor das exportações. Temos vindo a evoluir nessa matéria e nas nossas propostas.
Renegociação ou reestruturação no sentido de não pagar uma parte da dívida?
A utilização dos termos tem sido variada. Renegociação quer dizer discutirmos as condições de pagamento da dívida em relação aos montantes, juros e prazos.
Isso implica o perdão de uma parte da dívida?
Implica todas estas dimensões, incluindo os montantes, sim. A dívida portuguesa cifra-se hoje à volta dos 210 mil milhões de euros. Esta situação não é sustentável durante muito mais tempo. Já não somos só nos que o dizemos, é o próprio FMI que diz. Mais cedo que tarde, vai tornar-se impagável. O que propomos é a renegociação para libertar recursos financeiros e canalizá-los para uma outra política económica que diversifique as fontes de financiamento e assegure o crescimento do país. Propomos a indexação do serviço da dívida ao valor das exportações.
O que representou a vitória do Syriza em Janeiro e o que representa agora depois do processo com o Eurogrupo?
O relevante é a afirmação que o povo grego fez de exigência de ruptura com as políticas seguidas no quadro da troika.
Achou que a Grécia iria esticar a corda até sair do euro?
O mais chocante é a atitude de ameaça e de chantagem da UE ao Governo grego. E num momento em que, para resolver os seus problemas, avançaram soluções no Eurogrupo, o Governo português, em vez de procurar encontrar as convergências possíveis, alinhou com a Alemanha, num quadro de chantagem, pressão e ameaça. Verdadeiramente inaceitável.
Voltemos a Portugal. Porque há tanta iniciativa política à esquerda e não se consegue mais entendimento?
Não há um problema com a fragmentação da posição política. O importante é discutir o que cada um quer do país, os compromissos que queremos assumir.
Não têm sido compromissos suficientemente flexíveis?
Não é um problema de flexibilidade ou de táctica. É um problema de substância, de estratégia, dos compromissos que cada um assume. Aquilo com que não nos podemos comprometer é com opções políticas que comprometam o povo português. Da nossa parte nunca tem havido problema. Em todas as eleições integramos uma coligação.
Mas sempre com os mesmos…
Na questão das coligações ou das convergências muitas vezes a soma dá menos que o resultado de cada uma das partes. Tivemos essa experiência nas presidenciais: Manuel Alegre teve menos votos quando foi apoiado pelo PS e BE do que quando concorreu sozinho. Portanto, a soma das partes por vezes acaba por ser menos.
Pelo que tem ouvido do Livre, das novas lideranças do BE e PS, vê o PCP num Governo de esquerda com esses partidos? Estamos disponíveis para assumir qualquer tipo de responsabilidade que o povo nos quiser atribuir, incluindo a governativa. Não estamos é dispostos a quebrar compromissos e a palavra dada apenas em troca de determinado número de lugares no Governo.
O que não aceitam do PS?
A questão deve ser ao contrário: com o que é que o PS está hoje comprometido? Continua comprometido com o PEC 4, com todas as medidas de corte de salários e pensões, na saúde, educação e segurança social? Com as privatizações? Porque sendo esses compromissos, antes de nós respondermos a essa pergunta, o povo português há-de responder negativamente ao PS. No que é que PCP e PS são absolutamente inconciliáveis?
Há um ponto óbvio: a clareza com que nós assumimos as nossas posições claramente contrasta com a ambiguidade em que o PS vai tentando esconder os seus compromissos. Nem é indefinição do PS. Tem mais a ver com a intenção de esconder das pessoas os seus verdadeiros compromissos com as opções à direita. António Costa, estando longe do debate parlamentar, tem mais tendência a esconder-se? Vai sendo apanhado à mesma nos bastidores. As declarações a propósito do investimento feito pelos chineses é exemplo disso. Quando um partido procura esconder os seus compromissos mas necessariamente vai tendo que dizer alguma coisa sobre a situação política, as contradições começam a tornar-se óbvias. Uma aproximação ao PS só será possível quando António Costa puser as cartas na mesa? Não, quando o PS decidir fazer uma política de esquerda — que é coisa que infelizmente até hoje não tivemos oportunidade de ver. Vê o PDR de Marinho e Pinto como um adversário à altura? Acho engraçado que, quando surge um movimento ou um partido novo, é concorrente do PCP. Tenho a memória ainda fresca dessa análise sobre o Bloco e afinal confirmou-se que o crescimento não foi feito à nossa custa, porque nós crescemos em todos os actos eleitorais desde que o Bloco existe. É preciso é que as pessoas tenham a noção exacta das soluções de cada um para resolver os problemas do país. E é bom que cada um se defina. Mais do que frases feitas ou um discurso mais ou menos populista, mais ou menos demagógico, é bom que para lá da espuma dos dias haja substância política nas propostas. A renovação da bancada fê-la bem mais jovem, saíram vozes de peso. Por vezes parece ter perdido algum fôlego. Acho exactamente o contrário. Este processo de renovação de organizações às vezes tem implicações que não são todas controláveis. Procurámos fazer a renovação de uma forma ordenada e sistematizada. Isso implica sempre sobressaltos no trabalho: há novas pessoas, períodos de adaptação, necessidade de integração de pessoas que não tinham experiência do trabalho parlamentar. Julgo que ainda assim tem sido feito um esforço que tem tido correspondência na manutenção do nível de trabalho e da nossa intervenção parlamentar.
Conseguem ainda ter capacidade de antecipação?
Sim. A questão da venda das casas em processos de execução, por exemplo. Esta semana foram discutidas duas propostas do BE e do PS e em Dezembro já tinha sido discutido um projecto de lei nosso. Temos um pioneirismo na defesa da renegociação da dívida e um nível de proposta que nenhum outro grupo parlamentar tem na AR. A proposta de comissão de inquérito ao BES foi nossa.
Pode esperar-se uma quarta moção de censura do PCP?


Essa possibilidade existe sempre. Não apresentamos uma moção de censura para queimar foguetes. A apresentação é sempre ponderada de forma muito profunda, depende da apreciação política que fazemos. Não é por isso que não vamos continuar a insistir que o Governo tem que ser derrotado.

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