“O PS tenta esconder das pessoas
os seus verdadeiros compromissos”
João Oliveira O líder parlamentar
do PCP considera que os socialistas defendem políticas austeritárias. Em
contraponto, os comunistas querem perdão de parte da dívida canalizado para
investimento
“Renegociação quer dizer
discutirmos as condições de pagamento da dívida em relação aos montantes, juros
e prazos. Incluindo [o perdão de parte] dos montantes [base]”
Maria Lopes /
28-2-2015 / PÚBLICO
O PCP organiza hoje um encontro nacional em
Loures onde são esperados cerca de 2000 comunistas para procurar “soluções para
o país” e travar o “declínio nacional”. João Oliveira, líder da bancada
parlamentar, antecipa algumas ideias do partido.
NUNO FERREIRA
SANTOS
O encontro de
hoje é o tiro de partida para as legislativas?
Este encontro tem
uma perspectiva mais ampla e pretende reflectir sobre o caminho que Portugal
tem seguido e aquele que é preciso seguir para lá das eleições. A batalha
eleitoral é um momento muito importante nesse percurso, mas o caminho não
começa nem acaba aí. Queremos reflectir de forma alargada sobre a situação que
o país atravessa nas suas várias dimensões, económica, social e política, e
afirmar linhas de solução para os problemas.
Que soluções são
essas?
Uma política
alternativa à executada há décadas, com eixos de natureza económica, social,
questões relacionadas com a produção nacional, a recuperação dos sectores
produtivos, a valorização de salários e de pensões, a defesa das funções
públicas e sociais do Estado.
Esses argumentos
não são novos no discurso do PCP. Vamos encontrar propostas concretas?
As propostas
concretas surgirão no programa eleitoral, trabalho que vamos fazer de forma tão
alargada quanto possível. Com todos os que não sendo comunistas, se afirmam
numa perspectiva patriótica, de preocupação com o país e que estão disponíveis
para as soluções que é preciso construir.
Isso é o PCP a
abrir-se à sociedade?
Dificilmente se
encontrará um partido que de forma tão aberta construa soluções políticas. O
facto de integrarmos coligações eleitorais com outros partidos e muitos
milhares de independentes é um exemplo da forma aberta como nos posicionamos.
Que condições é
preciso então construir?
Renegociar a
dívida, romper os condicionamentos que nos são impostos pela União Europeia de
encontrar uma resposta para a situação económica que parta da criação de
emprego e o controlo público dos sectores estratégicos são aspectos essenciais.
O PCP defende a
saída do euro?
Nós defendemos
que o país se deve preparar para isso. Defendemos que Portugal deve libertar-se
dos condicionamentos do euro e preparar-se para a saída do euro.
Isso é defender a
saída. Para a preparar terá que desenhar cenários. Quais são?
Temos que fazer o
levantamento, estudar todos os cenários que se podem colocar. Um cenário em que
sejamos empurrados, outro em que decidimos sair, ou até numa saída negociada.
A preparação e a
saída seriam em que horizonte temporal?
Depende do estudo
que for feito e dos cenários.
Voltávamos ao
escudo?
Eu acrescento:
que medidas se tomam sobre a circulação da moeda? Qual a moeda de referência
para os depósitos bancários? E as taxas cambiais? É tudo isso que o PCP quer
ver estudado.
Outros partidos
defendem a finalização da construção da união monetária. Não receia assustar os
seus eleitores?
Independentemente
dos custos políticos ou eleitorais, um partido com verdadeira noção da
responsabilidade e da urgência dos problemas que temos não pode deixar de
levantar essas questões.
Os países mais
fortes querem mesmo que alguém saia do euro? Tiveram uma oportunidade com a
Grécia e não a deixaram cair…
Depende da
situação em que se encontrarem alguns países da zona euro. A Alemanha e os mais
poderosos podem chegar à conclusão de que, para defesa do seu interesse, devem
sair da zona euro ou empurrar outros para fora.
Em que condições
defende
a renegociação da
dívida? Agrada-lhe o plano grego das obrigações perpétuas e indexar o pagamento
ao crescimento?
Cada país deve
encontrar as soluções para os seus problemas. Mas em relação a essa em
concreto, nós apresentámo-la em Junho de 2011: a primeira proposta apresentada
na AR para renegociação da dívida era do PCP, com um mecanismo semelhante,
indexado ao valor das exportações. Temos vindo a evoluir nessa matéria e nas
nossas propostas.
Renegociação ou
reestruturação no sentido de não pagar uma parte da dívida?
A utilização dos
termos tem sido variada. Renegociação quer dizer discutirmos as condições de
pagamento da dívida em relação aos montantes, juros e prazos.
Isso implica o
perdão de uma parte da dívida?
Implica todas
estas dimensões, incluindo os montantes, sim. A dívida portuguesa cifra-se hoje
à volta dos 210 mil milhões de euros. Esta situação não é sustentável durante
muito mais tempo. Já não somos só nos que o dizemos, é o próprio FMI que diz. Mais
cedo que tarde, vai tornar-se impagável. O que propomos é a renegociação para
libertar recursos financeiros e canalizá-los para uma outra política económica
que diversifique as fontes de financiamento e assegure o crescimento do país. Propomos
a indexação do serviço da dívida ao valor das exportações.
O que representou
a vitória do Syriza em Janeiro e o que representa agora depois do processo com
o Eurogrupo?
O relevante é a
afirmação que o povo grego fez de exigência de ruptura com as políticas
seguidas no quadro da troika.
Achou que a
Grécia iria esticar a corda até sair do euro?
O mais chocante é
a atitude de ameaça e de chantagem da UE ao Governo grego. E num momento em
que, para resolver os seus problemas, avançaram soluções no Eurogrupo, o
Governo português, em vez de procurar encontrar as convergências possíveis,
alinhou com a Alemanha, num quadro de chantagem, pressão e ameaça. Verdadeiramente
inaceitável.
Voltemos a
Portugal. Porque há tanta iniciativa política à esquerda e não se consegue mais
entendimento?
Não há um
problema com a fragmentação da posição política. O importante é discutir o que
cada um quer do país, os compromissos que queremos assumir.
Não têm sido
compromissos suficientemente flexíveis?
Não é um problema
de flexibilidade ou de táctica. É um problema de substância, de estratégia, dos
compromissos que cada um assume. Aquilo com que não nos podemos comprometer é
com opções políticas que comprometam o povo português. Da nossa parte nunca tem
havido problema. Em todas as eleições integramos uma coligação.
Mas sempre com os
mesmos…
Na questão das
coligações ou das convergências muitas vezes a soma dá menos que o resultado de
cada uma das partes. Tivemos essa experiência nas presidenciais: Manuel Alegre
teve menos votos quando foi apoiado pelo PS e BE do que quando concorreu
sozinho. Portanto, a soma das partes por vezes acaba por ser menos.
Pelo que tem
ouvido do Livre, das novas lideranças do BE e PS, vê o PCP num Governo de
esquerda com esses partidos? Estamos disponíveis para assumir qualquer tipo de
responsabilidade que o povo nos quiser atribuir, incluindo a governativa. Não
estamos é dispostos a quebrar compromissos e a palavra dada apenas em troca de
determinado número de lugares no Governo.
O que não aceitam
do PS?
A questão deve
ser ao contrário: com o que é que o PS está hoje comprometido? Continua
comprometido com o PEC 4, com todas as medidas de corte de salários e pensões,
na saúde, educação e segurança social? Com as privatizações? Porque sendo esses
compromissos, antes de nós respondermos a essa pergunta, o povo português há-de
responder negativamente ao PS. No que é que PCP e PS são absolutamente
inconciliáveis?
Há um ponto óbvio:
a clareza com que nós assumimos as nossas posições claramente contrasta com a
ambiguidade em que o PS vai tentando esconder os seus compromissos. Nem é
indefinição do PS. Tem mais a ver com a intenção de esconder das pessoas os
seus verdadeiros compromissos com as opções à direita. António Costa, estando
longe do debate parlamentar, tem mais tendência a esconder-se? Vai sendo
apanhado à mesma nos bastidores. As declarações a propósito do investimento
feito pelos chineses é exemplo disso. Quando um partido procura esconder os
seus compromissos mas necessariamente vai tendo que dizer alguma coisa sobre a
situação política, as contradições começam a tornar-se óbvias. Uma aproximação
ao PS só será possível quando António Costa puser as cartas na mesa? Não, quando
o PS decidir fazer uma política de esquerda — que é coisa que infelizmente até
hoje não tivemos oportunidade de ver. Vê o PDR de Marinho e Pinto como um
adversário à altura? Acho engraçado que, quando surge um movimento ou um
partido novo, é concorrente do PCP. Tenho a memória ainda fresca dessa análise
sobre o Bloco e afinal confirmou-se que o crescimento não foi feito à nossa
custa, porque nós crescemos em todos os actos eleitorais desde que o Bloco
existe. É preciso é que as pessoas tenham a noção exacta das soluções de cada
um para resolver os problemas do país. E é bom que cada um se defina. Mais do
que frases feitas ou um discurso mais ou menos populista, mais ou menos
demagógico, é bom que para lá da espuma dos dias haja substância política nas
propostas. A renovação da bancada fê-la bem mais jovem, saíram vozes de peso. Por
vezes parece ter perdido algum fôlego. Acho exactamente o contrário. Este
processo de renovação de organizações às vezes tem implicações que não são
todas controláveis. Procurámos fazer a renovação de uma forma ordenada e
sistematizada. Isso implica sempre sobressaltos no trabalho: há novas pessoas,
períodos de adaptação, necessidade de integração de pessoas que não tinham
experiência do trabalho parlamentar. Julgo que ainda assim tem sido feito um
esforço que tem tido correspondência na manutenção do nível de trabalho e da
nossa intervenção parlamentar.
Conseguem ainda
ter capacidade de antecipação?
Sim. A questão da
venda das casas em processos de execução, por exemplo. Esta semana foram
discutidas duas propostas do BE e do PS e em Dezembro já tinha sido discutido
um projecto de lei nosso. Temos um pioneirismo na defesa da renegociação da
dívida e um nível de proposta que nenhum outro grupo parlamentar tem na AR. A
proposta de comissão de inquérito ao BES foi nossa.
Pode esperar-se
uma quarta moção de censura do PCP?
Essa
possibilidade existe sempre. Não apresentamos uma moção de censura para queimar
foguetes. A apresentação é sempre ponderada de forma muito profunda, depende da
apreciação política que fazemos. Não é por isso que não vamos continuar a
insistir que o Governo tem que ser derrotado.
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