Passos não pagou à Segurança
Social durante cinco anos
Primeiro-ministro diz que nunca
foi notificado da dívida, que foi criada entre 1999 e 2004 e prescreveu em
2009, facto de que soube em 2012. Adianta que pagou este mês, voluntariamente,
cerca de 4 mil euros, depois de questionado pelo PÚBLICO
Primeiro-ministro diz que pretendia
pagar voluntariamente a dívida, após deixar o cargo. E que optou por fazê-lo
já, para pôr fim a “acusações infundadas”
José António
Cerejo com Cristina Ferreira / 28-2-2015 / PÚBLICO
Nessa altura, em
2007, ganhava mensalmente 7975 euros de remuneração-base como administrador das
empresas Gestejo, Ribtejo e Tejo Ambiente, do grupo Fomentinvest, liderado por
Ângelo Correia. E, segundo disse esta semana ao PÚBLICO, nunca foi notificado
pela Segurança Social de que estava entre os devedores.
No entanto, entre
o dia em que terminou o seu mandato de deputado, em Outubro de 1999, e Setembro
de 2004, data em que recomeçou a descontar como trabalhador por contra de
outrem, no grupo Fomentinvest, o então consultor da Tecnoforma não pagou
quaisquer contribuições para a Segurança Social. Nesse período, além da
Tecnoforma, onde era responsável pela área da formação profissional nas
autarquias e auferia 2500 euros por mês mediante a emissão de recibos verdes,
trabalhava também, sujeito ao mesmo regime, na empresa LDN e na associação
URBE.
Nos dois
primeiros anos em questão, foi igualmente dirigente do Centro Português para a
Cooperação, organização não-governamental financiada pela Tecnoforma. Foi esta
organização que esteve, em Outubro passado, no centro de uma controvérsia sobre
o carácter remunerado ou não das funções que Passos Coelho aí exerceu, e sobre
uma fraude fiscal que então teria praticado no caso de ter sido remunerado,
como alegavam as denúncias então surgidas e por si desmentidas.
Números
divergentes
A obrigação que
Passos Coelho tinha, entre 1999 e 2004, de pagar à Segurança Social uma
quotização mensal equivalente a 25,40% do salário mínimo nacional — valor que
oscilou entre os 77 e os 92 euros nos cinco anos em causa — resultava do
decreto-lei 240/96, então em vigor, que estabelecia o regime de Segurança
Social dos trabalhadores independentes. Passos tinha apresentado a sua
declaração de início de actividade como trabalhador independente em 1 de Julho
de 1996, quando era deputado na Assembleia da República, por ter começado a
colaborar, a título remunerado, com alguns órgãos de comunicação social.
Nos três anos
seguintes, até Outubro de 1999, os seus descontos para a Segurança Social
continuaram a ser efectuados pela Assembleia da República, pelo que ficou
automaticamente isento da obrigação de contribuir como trabalhador
independente. Ao cessar as funções de deputado, ficou, no entanto, sujeito ao
pagamento da contribuição mensal dos trabalhadores independentes.
De acordo com os
dados recolhidos pelo PÚBLICO, essas contribuições não foram pagas na altura
própria, atingindo a dívida o valor de 5016 euros em Setembro de 2004, data em
que passou a descontar através de algumas das empresas de que se tornou
administrador. A esse montante acresciam ainda os juros de mora, que perfaziam
2413 euros em meados de 2013, num total em dívida de 7430 euros. Contudo,
Passos Coelho disse ao PÚBLICO esta semana que, segundo os dados que a
Segurança Social lhe forneceu em 2012 e confirmou no fim do mês passado, a
dívida que tinha acumulado até ao final de 2004 era de 2880 euros. A esta
dívida acresciam juros de mora no valor de 1034,48 euros.
Quando as
notificações deste género de dívidas começaram a chegar a casa dos
contribuintes em 2007, o pânico atingiu milhares de trabalhadores independentes,
sobretudo jovens pagos mediante falsos recibos verdes. No site do movimento
Ferve — Fartas/os d’Estes Recibos Verdes, então criado, encontram-se ainda
numerosos testemunhos de contribuintes que se viram confrontados com essa
situação e até com ameaças de penhoras. O tema estava na ordem
do dia, com
debates, manifestações, blogues e uma petição à Assembleia da República,
lançada em 2009, que reuniu 12 mil assinaturas.
Alguns dos
devedores conseguiram ajuda das famílias e de amigos para pagar as somas
exigidas pelo Estado, a pronto ou a prestações, enquanto outros contestaram as
dívidas alegando a sua prescrição. Outros ainda, assustados com o que estava a
acontecer e com o que liam nos jornais, passaram dias nas filas da Segurança
Social a tentar saber se deviam alguma coisa e como é que haviam de resolver o
problema.
Passos Coelho,
todavia, nunca tomou qualquer iniciativa, conforme se depreende do email que o
seu gabinete fez chegar ao PÚBLICO no início desta semana, em resposta a
perguntas que lhe foram dirigidas a 29 de Janeiro. “O primeiro-ministro nunca
teve conhecimento de qualquer notificação que lhe tenha sido dirigida dando-lhe
conta de uma dívida à Segurança Social referente ao período em que exerceu a
actividade de trabalhador independente, pelo que desconhecia a sua eventual
existência”, lê-se na resposta.
O
primeiro-ministro explica que, já em 2012, depois de estar a chefiar o Governo
há cerca de um ano, foi confrontado — não dizendo por quem — com dúvidas sobre
a regularidade da sua situação contributiva. Nessa altura, acrescenta,
questionou o Centro Distrital de Segurança Social de Lisboa, tendo-lhe sido
respondido que “estava registada a quantia de 2880,26 euros, acrescida de juros
de mora à taxa legal em vigor”.
Independentemente
do facto de a referida quantia corresponder aproximadamente à dívida que tinha
em Agosto de 2002 — segundo os documentos obtidos pelo PÚBLICO — e não incluir
a que foi gerada desde essa data até Setembro de 2004 (atingindo o total de
5016 euros), a resposta do gabinete do primeiro-ministro confirma que, pelo
menos entre 1999 e o Verão de 2002, Passos Coelho nada pagou à Segurança
Social.
O
primeiro-ministro diz também que a informação oficial que lhe foi fornecida em
2012 indica que os referidos 2880,26 euros, mais os juros, poderiam ser pagos
“a título voluntário e a qualquer momento para efeito de constituição de
direitos futuros, desde que o contribuinte não optasse por invocar a sua
prescrição, a qual já ocorrera em 2009” .
Perante esta informação, Passos também nada fez, explicando agora que pretendia
“exercer o direito, que a lei lhe reconhece, de contribuir voluntariamente para
a sua carreira contributiva”, mas “apenas em momento posterior ao do exercício
do actual mandato”.
No entanto,
acrescenta, face às perguntas do PÚBLICO, “decidiu proceder desde já ao
pagamento daquele montante, pretendendo assim pôr termo às acusações infundadas
sobre a sua situação contributiva”. A resposta do gabinete diz que a decisão de
pagar agora o valor de 2880,26 euros, acrescido de 1034,48 euros de juros, foi
tomada por Passos Coelho, apesar de a obrigação de o fazer “se encontrar
prescrita, logo, de não ser legalmente exigível a qualquer contribuinte nas
mesmas circunstâncias”.
O
primeiro-ministro diz ainda que a Segurança Social o informou em 2012 de que a
sua situação “não era diferente da de mais de 107 mil portugueses, igualmente
trabalhadores independentes, os quais terão sido alegadamente notificados por
carta simples em Junho de 2007 para proceder ao pagamento de contribuições em
falta”. A resposta adianta que, “atendendo ao elevado número de reclamações, em
grande parte suscitadas pelo modo de notificação adoptado, a Segurança Social
entendeu à época não participar os pagamentos em falta para efeito de cobrança
coerciva, facto que não foi comunicado aos referidos contribuintes”.
Uma pergunta sem
resposta
Confrontado com o
facto de os documentos da Segurança Social obtidos pelo PÚBLICO referirem que
Passos Coelho tinha uma dívida de contribuições e juros de mora substancialmente
superior àquela que ele refere, o gabinete do primeiro-ministro reiterou que os
dados que lhe foram transmitidos em 2012 e 2015, “em resposta a requerimentos”
seus, indicam que “a quantia registada era de 2880,26 euros, acrescida de juros
de mora à taxa legal em vigor”.
O PÚBLICO
perguntou também ao primeiro-ministro se “tinha conhecimento de que o facto de
estar colectado como trabalhador independente o obrigava a pagar mensalmente
uma contribuição à Segurança Social desde a data em que deixou a Assembleia da
República, em Outubro de 1999” .
Na primeira resposta, nada foi transmitido sobre esta matéria, razão pela qual
a questão foi recolocada. Na nova resposta, lê-se apenas: “Quanto ao mais, o
primeiro-ministro já prestou as informações detalhadas que entendeu oportunas.”
Quando deixou os
lugares que ocupava nas empresas do grupo Fomentinvest, em Março de 2010, Pedro
Passos Coelho continuou a descontar para a Segurança Social como trabalhador
por contra de outrem, mas agora através do Partido Social Democrata, onde
passou a auferir a remuneração-base de 7477 euros mensais, como presidente do
partido, até entrar para o Governo. Nesse ano, o Presidente da República
recebia 7249 euros por mês.
Nas respostas que
enviou ao PÚBLICO, o primeiro-ministro “manifesta sua perplexidade para a
circunstância de terceiros estarem alegadamente na posse de dados pessoais e
sigilosos relativos à sua carreira contributiva, os quais nunca lhe foram
oportunamente transmitidos pelas vias oficiais”.
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