Dia D para Atenas. O que separa a
Grécia e a troika?
15 Fevereiro 2015
Edgar Caetano / OBSERVADOR
Reunião decisiva
dos ministros das Finanças do Eurogrupo esta segunda-feira. Alexis Tsipras diz
que está "confiante" num acordo e que Atenas "não quer dinheiro,
quer tempo".
Os ministros das
Finanças da zona euro reúnem-se esta segunda-feira e, desta vez, terão
necessariamente de fazer melhor do que o resultado do encontro extraordinário
da semana passada, que terminou sem que houvesse sequer acordo para um
comunicado final, por mais descomprometido que este fosse. A poucos dias do
final do programa da troika, a Grécia precisa que desta reunião saia um acordo
que assegure o financiamento do Estado no imediato e que salve os bancos do
colapso. Por outras palavras, Yanis Varoufakis, o ministro das Finanças da
Grécia, precisa encontrar nesta reunião um acordo com os parceiros europeus que
afaste os receios de uma saída do país da zona euro. No fim de semana, Alexis
Tsipras disse estar “confiante” de que será atingido um acordo nesta
segunda-feira, sublinhando que “a Grécia não quer dinheiro, quer tempo“.
Técnicos do
Ministério das Finanças grego e de autoridades europeias como a Comissão
Europeia e o Banco Central Europeu (BCE) estiveram reunidos até à noite de
sábado “não para negociar o que quer que fosse, mas para trocar ideias com o
objetivo de compreender melhor a posição uns dos outros“, disse fonte europeia,
citada no domingo pela Bloomberg. O resultado deste trabalho servirá de base
para os trabalhos na reunião dos ministros das Finanças da zona euro esta
segunda-feira, em Bruxelas. Yanis Varoufakis, o ministro das Finanças, disse em
entrevista no domingo que os acontecimentos dos últimos dias lhe deram “uma
dose suficiente de otimismo” para pensar que se pode chegar a “um novo acordo
entre a Europa e a Grécia, que porá fim a uma crise que se autoalimenta e que
criará uma nova relação de confiança” entre os gregos e os seus parceiros.
Num dia em que as
bolsas norte-americanas estarão encerradas devido a um feriado, pode dizer-se,
então, que esta reunião do Eurogrupo irá estar, ainda mais, no centro de todas
as atenções a nível global. Trata-se de uma reunião decisiva por ser a última
reunião do Eurogrupo antes do final agendado para o programa da troika na
Grécia, a 28 de fevereiro. Além disso, ainda que o financiamento do Estado não
seja um risco para os próximos dias, a falta de um acordo pode atirar os bancos
gregos para ainda mais perto do colapso, designadamente por via da fuga de
depósitos que já está a verificar-se e que, para já, o BCE está a compensar com
a cedência de liquidez de emergência.
Mario Draghi diz que "não faz sentido especular sobre uma saída da
Grécia da zona euro".
Os analistas do
Rabobank dizem que “será muito difícil para o BCE justificar esta cedência de
liquidez se não houver sintonia entre a Grécia e os outros membros da troika“,
pelo que “a solvência da Grécia será muito rapidamente colocada em questão se
não houver um acordo com os credores oficiais até 28 de fevereiro”. No entanto,
“a pressão para que um acordo surja já [neste reunião do Eurogrupo] é enorme“,
sobretudo pelos riscos para o setor bancário, acrescentam os especialistas. Os
principais bancos de investimento acreditam que haverá uma solução em breve, o
que pode explicar porque é que as bolsas mostraram alguma tranquilidade no
final da semana passada. O Royal Bank of Scotland, por exemplo, definiu na
semana passada as 10 razões por que acredita que “quem disser que a Grécia vai
sair do euro, está errado“.
No domingo, Mario
Draghi apareceu na revista semanal do jornal ABC a repetir que o projeto da
zona euro era “irreversível“. Na entrevista, o presidente do BCE foi
questionado sobre a permanência da Grécia na união monetária e respondeu: “Por
favor, compreenda que eu prefiro não comentar esse assunto. Qualquer coisa que
diga pode ser usada politicamente. Especular sobre uma potencial saída da união
monetária não faz qualquer sentido“. O BCE quer manter-se à margem destas
negociações, dando a oportunidade para que seja o Eurogrupo a definir o caminho
em diante, não obstante o BCE também ser credor de Atenas e de poder deter, em
termos práticos, a chave para a manutenção da Grécia na união monetária.
"Por favor, compreenda que
eu prefiro não comentar esse assunto. Qualquer coisa que diga pode ser usada
politicamente. Especular sobre uma potencial saída da união monetária não faz
qualquer sentido"
Mario Draghi,
presidente do Banco Central Europeu
Jeroen
Dijsselbloem, o presidente do Eurogrupo, disse também no final da semana
passada que estava “pessimista” sobre algum acordo nesta segunda-feira, e o
presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, reconheceu que havia
“ainda muito por fazer”. Na noite de sábado, o primeiro-ministro grego, Alexis
Tripras, assegurou que tinha sido dado “um passo importante” nas negociações
com os seus homólogos europeus para renegociar o pagamento da dívida,
destacando, no entanto, que “ainda é cedo para dizer que há acordo”. Ainda
assim, afirmando que “não precisamos de dinheiro, precisamos de tempo“, Alexis
Tsipras deixou uma garantia: “Prometo que a Grécia será um país muito diferente
dentro de seis meses“.
O que o Governo
grego continua, também, a garantir é que está “determinado em cumprir o acordo
com o povo grego e o mandato que lhe foi dado para que [o Governo] acabasse com
a austeridade no país”, disse porta-voz do Executivo. Durante o fim de semana,
uma sondagem feita para a estação televisiva Alpha indicou que, três semanas
depois das eleições, se houvesse nova votação na Grécia o Syriza teria mais de
45% dos votos, face aos 36,3% que teve a 25 de janeiro. Significa, a julgar
pela sondagem, que o Syriza conquistaria, hoje, uma maioria absoluta no
Parlamento, sem necessitar de se coligar com os Gregos Independentes ou com
qualquer outro partido. A mesma sondagem indica que mais de 65% dos gregos
dizem que o novo Governo trouxe “esperança em algo melhor“.
Segundo uma
sondagem, se houvesse nova votação na Grécia o Syriza teria mais de 45% dos
votos, face aos 36,3% que teve a 25 de janeiro.
Não parece estar,
portanto, a refletir-se na popularidade do Governo o facto de este estar a
fazer algo que tinha prometido que não faria: negociar com a troika. O próprio
Governo alemão mostrou alguma ironia quando ao facto de o Governo estar a
negociar, precisamente, com as três instituições que compõem a troika: a
Comissão Europeia, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Central
Europeu (BCE). “Temos todo o gosto em deixar de chamar troika, mas as três
instituições vão continuar a monitorizar a situação na Grécia”, afirmou Martin
Jaeger, porta-voz do Ministério das Finanças da Alemanha. Nas redes sociais,
brinca-se, agora, com a nova designação atribuível aos credores da Grécia: The
Institutions formerly known as the Troika, isto é, as instituições
anteriormente conhecidas como troika.
O fim de semana
ficou, também, marcado pela publicação, num jornal que apoiou o Syriza, de um
cartoon que pintava Wolfgang Schäuble, o ministro das Finanças da Grécia como
um nazi que fazia questão em “fazer sabão a partir da gordura” dos cidadãos
gregos e que estaria disposto a “negociar a utilização das suas cinzas como
fertilizantes”. Alexis Tsipras distanciou-se da polémica e, mostrando-se um
“acérrimo defensor da liberdade de expressão”, afirmou que o trabalho “foi
infeliz, não partilho a opinião expressa pelo seu conteúdo”. Já na sexta-feira,
a revista alemã Der Spiegel noticiou que o Eurogrupo já terá discutido o
cenário da saída não só da Grécia da zona euro mas, também, do Chipre. Esta
será, no final, uma decisão iminentemente política, pelo que sistematizamos o
que deseja cada um dos lados, à entrada para esta negociação decisiva para o
futuro da Grécia e da zona euro.
Grécia e Eurogrupo. O que os
separa?
O atual memorando:
melhorar ou rasgar?
A posição
europeia pretende que o novo Governo grego aceite o atual programa de
ajustamento, sem prejuízo de alterações que possam vir a ser feitas. Em troca,
a zona euro aceita oferecer uma extensão do atual programa, o que implicaria
mais dinheiro mas levaria o Governo liderado pelo Syriza a ceder na sua posição
negocial e, efetivamente, na promessa eleitoral de rasgar o memorando da
troika. Jeroen Dijsselbloem admitiu, na semana passada, possíveis alterações ao
atual memorando, mas garantiu que “o acordo existente será sempre a base sobre
a qual se poderá trabalhar”.
Do lado de
Atenas, o Governo tem noção da importância – concreta e simbólica – desta
questão, sobretudo tendo em conta as promessas eleitorais e as posições
assumidas já depois da tomada de posse. Esta terá, segundo alguns relatos, a
razão pela qual nem sequer houve um acordo para um comunicado final da reunião
extraordinária do Eurogrupo na quarta-feira. O Executivo liderado por Alexis
Tsipras quer receber um empréstimo intercalar que faça a ponte entre as
necessidades de financiamento atuais e as que o país terá até final de maio. O
Governo está confiante de que, dessa forma, teria oportunidade para fazer uma
renegociação mais profunda do programa de assistência financeira.
Como se satisfaz
as necessidades de financiamento no imediato?
A posição
europeia sobre este aspeto é simples: a Grécia assina a extensão do programa e
conclui a avaliação da troika que está pendente. Recebe, então, a tranche de
7,2 mil milhões de euros que está pendurada. Já o Governo de Atenas quer
abdicar desta tranche, a última do programa de ajustamento patrocinado pela
troika e quer, em vez, financiar-se através de três meios principais. Em
primeiro, levar o Tesouro a emitir mais dívida de curto prazo, títulos que
seriam absorvidos pelos bancos gregos e, depois, utilizados por estes para
obter nova liquidez junto do BCE. Para isto seria necessário que o BCE
aumentasse o limite máximo de dívida grega de curto prazo que aceita como
garantia, que é atualmente de 15 mil milhões. Seria uma espécie de empréstimo
intercalar que ajudaria para os próximos meses.
Em segundo lugar,
a Grécia reivindica os cerca de 1.100 milhões de lucros que o BCE teve com a
compra de dívida grega ao abrigo do extinto programa de compra de dívida
pública. Finalmente, a Grécia quer, também, beneficiar dos lucros que os vários
bancos centrais nacionais da zona euro tiveram com os títulos de dívida pública
grega que constam dos seus balanços – algo como 700 milhões de euros. Estes
montantes seriam, calcula o Governo, suficientes para ajudar a financiar o
Estado enquanto se renegoceia o plano de ajustamento.
As reformas. O
que é 30% de um programa de ajustamento?
A Grécia tem de
continuar a respeitar os grandes pontos do ajustamento acordado com a troika em
2012, o que passa, por exemplo, por obter 2,2 mil milhões de euros com
privatizações de ativos estatais em 2015. O presidente do Eurogrupo admitiu
algumas alterações mas garantiu que esta terá de ser a base a partir de qual
poderá partir a negociação. Já o Governo de Atenas quer fazer uma renegociação
profunda do programa de ajustamento, o que o Syriza já promete há vários meses,
mesmo antes das eleições.
Mais
recentemente, na conferência de imprensa com o alemão Wolfgang Schäuble, o
ministro das Finanças da Grécia, Yanis Varoufakis, foi um pouco mais concreto e
afirmou que 70% das medidas do memorando são “OK”, mas que os restantes 30% não
são aceitáveis pelo Governo. É plausível que o “trabalho técnico” que decorreu
sexta-feira e sábado tenha servido para se perceber, em concreto, quais são as
medidas que Atenas coloca no grupo das 70% aceitáveis e quais são inaceitáveis,
os 30% que correspondem às “injustiças do memorando”. Sabe-se, contudo, por
exemplo, que o Governo grego quer limitar as privatizações planeadas,
nomeadamente interromper a venda de ativos ligados aos serviços essenciais.
E a dívida? O que
fazer?
O Eurogrupo quer
que, antes de qualquer conversa sobre o peso da dívida grega (175% do PIB),
haja um acordo para a extensão do programa. Qualquer discussão sobre alívio da
dívida partirá deste pressuposto. Já o Governo grego quer uma redução imediata
do peso da dívida, através da troca da dívida junto do BCE por obrigações
perpétuas e dos empréstimos aos parceiros europeus por títulos indexados à taxa
de crescimento. Um ponto crucial para a discussão é o nível de excedente
orçamental que a Grécia tem de obter, já que recai sobre este fator o nível de
austeridade das políticas públicas que terá de ser aplicado na Grécia. A troika
quer que o país tenha saldos primários (despesa sem juros) positivos de 4%, em
média, até 2022, ao passo que Alexis Tsipras e Yanis Varoufakis querem um
valor, no máximo, em 1,5%.
Largos milhares
de pessoas manifestaram-se domingo em Atenas, além de outras cidades gregas,
contra as políticas de austeridade.
Na véspera deste
encontro decisivo, houve novas manifestações em Atenas – à frente do Parlamento
– e em outras cidades gregas, de luta contra a austeridade. De acordo com
números avançados pela agência de notícias AFP, pelo menos 18 mil pessoas terão
saído à rua em Atenas, capital grega, e mais oito mil em Salonica, a segunda
maior cidade do país. Em alguns cartazes lia-se: “Deixem a Grécia respirar“.
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