A humilhação não paga dívidas
DIRECÇÃO
EDITORIAL 19/02/2015 - PÚBLICO
Em Portugal, cada um interpretou as palavras de Jean-Claude Juncker como
bem entendeu
“Pecámos contra a
dignidade dos povos, especialmente na Grécia, em Portugal e também na Irlanda. Eu
era presidente do Eurogrupo e pareço estúpido ao dizer isto, mas há que retirar
lições da história e não repetir os erros.” Esta é a frase de Jean-Claude
Juncker, no Comité Económico e Social Europeu em Bruxelas, que fez correr muita
tinta nesta quinta-feira.
Mas a frase do
presidente da Comissão Europeia tem um contexto. Quando falou em dignidade,
Juncker estava a referir-se aos funcionários da troika que são colocados nos
países alvo de resgate, com um poder desmedido, por vezes com uma arrogância
destemperada, ao lidar com ministros que foram eleitos democraticamente.
Aliás, um dos
primeiro a alertar para este problema foi o presidente do BPI ainda no final de
2011. “Não resisto a fazer um apelo para que acabem com as conferências de
imprensa da troika. (...) Ter de ouvir funcionários, sei lá, de quinta ou
sétima linha, não eleitos democraticamente virem cá dizer o que temos de
fazer... Por favor, poupem-me”, afirmou na altura Fernando Ulrich. A verdade é
que pouco tempo depois terminaram os espectáculos mediáticos das conferências
da troika.
Mas as
declarações de Jean-Claude Juncker surgem numa altura em que em Portugal e por
essa Europa fora se discute a continuidade ou um arrepiar caminho nas políticas
de austeridade, tendo como pano de fundo a Grécia. O PS veio prontamente dizer
que as críticas de Juncker à troika revelam "que há uma maior abertura
para reconhecer o falhanço da austeridade e a necessidade de mudar de políticas
do que muitas vezes muitos querem fazer crer". Vai uma grande distância
entre o que disse Juncker e o que os socialistas leram nas palavras do
presidente da Comissão Europeia. Até porque Juncker fez questão de sublinhar
que as críticas à troika “em nada reduzem a necessidade de consolidar a curto,
médio e longo prazo as nossas finanças públicas”.
Mas a verdade é
que as palavras de Juncker parecem encaixar que nem uma luva na mensagem do
Syriza. "Não negociaremos o orgulho e a dignidade do nosso povo”, disse
Alexis Tsipras na semana passada no Parlamento. Isto numa altura em que o
Eurogrupo volta a reunir-se para discutir o problema na Grécia. O novo Governo
grego deu nesta quinta-feira vários passos atrás nas suas promessas eleitorais
e enviou para o grupo dos 19 uma carta em que propõe o prolongar os empréstimos
da troika por mais seis meses. A carta, que mostra já uma grande boa vontade do
Syriza em negociar, mal tinha saído de Atenas e já um porta-voz do Ministério
das Finanças da Alemanha lia um comunicado a dizer que o pedido da Grécia não
cumpria os requisitos mínimos do Eurogrupo. Uma posição de inflexibilidade que
parece fechar portas à discussão e que só serve para humilhar os gregos e os
seus representantes. E assim não há negociação que aguente. Pelo menos uma que
seja feita com alguma dignidade.
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