Volatilidade
JOSÉ PACHECO
PEREIRA 21/02/2015 – PÚBLICO
O que vai estar em cima da mesa nas próximas eleições é manter ou afastar
este Governo, e muitos portugueses votariam numa pedra inerte se essa pedra afastasse
Passos e Portas.
Tenho poucas
dúvidas, ou, em bom rigor, nenhuma dúvida de que vai haver coligação PSD-CDS
nas próximas eleições. Os motivos são todos maus, mas são fortes: é uma
coligação feita por puras razões defensivas e de sobrevivência, nenhum dos dois
partidos considera que haja quaisquer condições de ter um resultado minimamente
aceitável, se não houver coligação. Por aceitável quero eu dizer um resultado
que não seja convulsivo, que não coloque em causa de forma muito explícita as
lideranças partidárias, quer os líderes quer as suas cortes. A prazo, mais as
cortes do que os líderes, que esses têm sempre cama, mesa e roupa lavada
algures. O país conta muito pouco nestes cálculos.
Tenho também
poucas dúvidas de que, depois de uma derrota eleitoral, o cimento da coligação
vai esboroar-se quase de imediato, com cada partido indo à sua vida, vindo ao
de cima muita da acrimónia entre PSD e CDS que tem estado mal enterrada por
razões de conveniência. Há apenas uma circunstância que pode atrasar ou mesmo
impedir este desfecho: se o PS tiver uma maioria tão débil e tão frágil, uma
“vitorinha”, que também enfraqueça a sua liderança, e reforce as pressões para
um “bloco central”, ou que crie condições para que tenha de haver a prazo curto
novas eleições. Nada disto é aliás improvável, visto que qualquer solução que
não seja a existência de uma maioria absoluta do PS gera de imediato grande
instabilidade, e essa instabilidade pode convencer a coligação de que, mesmo
derrotada, pode voltar brevemente ao poder. Vai ser tudo navegação à vista.
Esta sucessão de
hipóteses mostra a volatilidade em que está mergulhada a vida política
portuguesa, em si mesmo também um resultado dos anos de “ajustamento”, que
tornaram amorfas as diferenças e uniformizaram a política por via da
“inevitabilidade”, ou seja, impuseram os “mercados” e não os eleitores como
julgadores das políticas e definiram fronteiras do que é “aceitável” ou não,
fora do terreno da decisão democrática.
Aquilo que se tem
chamado a “ditadura dos mercados” é a forma moderna de fusão dos interesses
económicos com a política, que já não permite a caricatura dos capitalistas de
cartola, senhores do aço e das fábricas de altas chaminés, mas sim os
impecáveis banqueiros e altos consultores vestidos de pin stripes, assessorados
por uma multidão de yuppies vindos das universidades certas com o seu MBA, que
num qualquer gabinete do HBSC movem dinheiro das ilhas Caimão para contas
numeradas na Suíça. Entre os perdedores não está apenas quem trabalha, no campo
ou nas fábricas, ou a classe média ligada aos serviços e à função pública, mas
estão também os interesses económicos ligados às actividades produtivas, ao
comércio que ainda não é apenas uma extensão de operações financeiras, e à
indústria.
A rasoira que tem
feito na Europa, usando com grande eficácia as instituições da União Europeia,
não é da “política” em si, porque o que eles fazem é política pura, mas sim de
qualquer diversidade política, tendo comido os partidos socialistas ao
pequeno-almoço, com a ementa do Tratado Orçamental. É por isso que, nestes anos
do “ajustamento”, o PS foi muito mais colaborante no essencial do que os
combates verbais pré-eleitorais indiciam, com os socialistas europeus domados
pelos governos do PPE como se vê na questão grega.
Os partidos
socialistas e sociais-democratas têm de facto a “honra perdida”. O PSD penará
por muitos anos o ter-se tornado não apenas um partido do “ajustamento”, mas o
partido do “ajustamento”, o mais alemão dos partidos nessa nova internacional
política dos “mercados”. Fez o papel que o CDS sempre gostaria de ter feito e
desagregou-se em termos ideológicos, perdeu a face e a identidade. O seu
destino próximo será recolher os votos necessários para manter uma frente
conservadora, muito à direita, com um CDS que por si só não tem os votos
necessários para governar. É mais instrumental do que confiável pelas mesmas
elites que ajuda a servir, que consideram a sua partidocracia como muito
incompetente, e perdeu há muito o mundo do trabalho, as universidades, a juventude
estudantil, os genuínos self-made men.
O discurso da
coligação já se conhece: o país “deu a volta” depois da bancarrota socialista,
a troika foi-se embora e Portugal está hoje a crescer. Tudo é positivo. Como
todos os discursos simples, não deve ser minimizado. É verdade que ele assenta
numa elaboração propagandística e não na realidade, mas isso conta pouco para a
eficácia do spin. Não só há uma sistemática manipulação das estatísticas, com
hipervalorização de alguns números débeis, pela subvalorização dos números
menos favoráveis, mas há, acima de tudo, pela omissão sistemática de todos os
indicadores que possam por em causa quer o “dar a volta” (a dívida, por
exemplo), quer a “prosperidade” (os efeitos sociais).
Podem ser feitas
todas as promessas eleitorais e muitas vão ser feitas, mas este modelo de
“ajustamento” só sobrevive se continuar a haver uma elevada tributação e se se
continuar a fazer cortes significativos no Estado, em salários, pensões e
reformas. Como não houve qualquer reforma estrutural, temei acima de tudo as
promessas que vão ser feitas de que será num próximo mandato que se fará a
“reforma do Estado”. É a forma como se esconderá, num programa eleitoral, a
continuidade da austeridade tal como a conhecemos.
O PS, por seu
lado, joga nas próximas eleições a última oportunidade de travar fenómenos de
menorização eleitoral dos socialistas, como os que explicam o Podemos ou o
Syriza, mas não é líquido que o consiga se perder essa oportunidade. Na
verdade, a bipolarização eleitoral entre a maioria e o PS, que vai caracterizar
as próximas eleições, diminui as possibilidades de implantação de todos os
pequenos grupos que se estão a transformar em partidos na esperança de entrarem
no Parlamento.
A ilusão do
Livre, do PDR de Marinho e Pinto, dos novos partidos de Fernando Nobre, Paulo
Morais, do proto-Podemos nacional, e outros em marcha, é de que a usura do PSD,
CDS e do PS — que existe quando se vê o número global de votos para o “arco de
governação” — lhes dará uma possibilidade, e é apenas e só uma ilusão. O PCP,
que é sábio, teme e muito as próximas eleições por causa da bipolarização, e o
BE anda à deriva no mar dos seus pequenos grupos. Do mesmo modo, a maneira como
a comunicação social aceitou institucionalizar o debate eleitoral, mesmo pela
negativa, prejudica seriamente os pequenos partidos, como já se viu nas
eleições europeias
O que vai estar
em cima da mesa nas próximas eleições é manter ou afastar este Governo, e
muitos portugueses votariam numa pedra inerte se essa pedra afastasse — eles
diriam corresse com — Passos e Portas. É isso que favorece a bipolarização. Por
isso, o PS tem aqui uma última oportunidade, que aliás tem feito tudo para não
merecer, para não caminhar no mesmo sentido do PASOK. Mas o PS acomodou-se
muito a tudo o que existe de mais conservador na vida política portuguesa. Tem
a obsessão da “responsabilidade”, uma forma de as elites poderosas em Portugal,
sociais, económicas e mediáticas, castrarem a dinâmica e a inovação política,
tem medo de sair do casulo da alternância soft e aceita as variantes do “morto”
que o aconselham a “fazer de”, como meio de chegar ao poder.
Ter um
alter-primeiro-ministro em vez de um líder da oposição é a melhor garantia de
uma “vitorinha”, o resultado que mais garantirá a instabilidade política e cuja
vítima será sempre a prazo o PS. Haverá certamente muitas palmas das “forças
vivas”, os de sempre, receberá muitos elogios dos comentadores do regime, mas
não mobilizará os portugueses em número suficiente para existir uma maioria
absoluta e sem ela as piores tentações do poder virão ao de cima.
É por isso que o
estado da política portuguesa é o de uma instabilidade endémica, de uma grande
volatilidade.
Sem comentários:
Enviar um comentário