CÂMARA DE LISBOA
Filhos e enteados
Helena Matos
15/2/2015, OBSERVADOR
Um perdão como aquele que agora a Câmara de Lisboa se propõe conceder ao
Benfica torna-se um insulto a todos aqueles que ao mesmo município pagaram o
que tinham de pagar.
Não tenho nada
contra o Benfica nem contra qualquer clube de futebol, excepção feita a um das
minhas imediações que insiste aos domingos em animar as redondezas com uma
animação sonora que deve ter brotado da cabeça de algum sádico. Sei que é
estranhíssimo dizê-lo e ainda mais escrevê-lo, mas se o futebol desaparecesse
não lhe daria pela falta porque vivo em quase total alheamento do que por ali
sucede. Mas, em abono da verdade, devo acrescentar que, se acaso pergunto quem
está a ganhar e se dá o caso de o Benfica estar em campo, prefiro ouvir que o
Benfica está a ganhar e, como sou espírito de contradição, neste tempo de
treinadores que se vestem como os empregados bancários, sinto uma certa
fraqueza pelo estilo de Jorge Jesus. E acaba aqui a minha declaração de (pouco)
interesse pelo futebol.
O que pelo
contrário me interessa muito é o tratamento fiscal muito favorável que o Estado
português, através dos seus sucessivos governos e das suas autarquias, tem dado
aos clubes de futebol. O perdão fiscal agora concedido ao Benfica pela Câmara
Municipal de Lisboa levanta-me as maiores reservas, tanto mais que ele acontece
num momento em que os cidadãos portugueses vivem sob uma tremendíssima carga
fiscal. Nada lhes é perdoado. Quanto aos munícipes lisboetas creio que só andar
a pé pela cidade não lhes é ainda taxado, como bem se percebe lendo as 22
páginas do Regulamento Geral de Taxas, Preços e outras receitas municipais,
mais as três páginas dos Tarifários do Serviço de Saneamento e Águas Residuais
Urbanas que também integra o incontornável Tarifário do Serviço de Gestão de
Resíduos Urbanos , a inevitável Tabela de Taxas Municipais para 2015 (13
páginas) e, por fim, a extensa Tabela de Preços e Outras Receitas Municipais
2013 (25 páginas). E não, não estou enganada, estes documentos não se anulam
entre si. Pelo contrário, cada um deles tem sempre umas taxas que os outros não
contemplam.
Como é óbvio nem
o frenesi fiscal do município e muito menos o tratamento fiscal light para com
os clubes de futebol nasceram com António Costa. Mas os tempos mudaram. Em 2015
vivemos sob uma carga insuportável de impostos. Cada vez somos menos cidadãos e
mais contribuintes. A obsessão com a cobrança de impostos leva a que o Governo
(graças a Deus o mais liberal de sempre. O que seria se não fosse), que adia
tanta coisa para um momento financeiramente mais adequado, não se tenha
esquecido de criar uma carreira especial para os técnicos do Ministério das
Finanças. Cada um de nós é tratado pelo seu Estado como um provável infractor
fiscal. A nível municipal ainda recentemente a autarquia de Lisboa entendeu por
bem taxar o simples facto de se aterrar ou desembarcar em Lisboa. Ora neste
quadro parece-me injustificável avançar com um perdão fiscal (a que obviamente
se seguirá, por parte dos outros clubes, a reivindicação de tratamento similar)
para um clube a quem não faltam receitas, muito menos sócios, equipamentos e
meios.
Os clubes de
futebol têm sido alvo ao longo de décadas de um tratamento fiscal muito
favorável: perdões fiscais, prescrições e fecho de processos, adiamento de
pagamentos, regularizações especiais, renegociações de dívidas, aprovação de
pagamento em prestações de dívidas que os clubes se tinham comprometido pagar a
pronto… E não raras vezes, quando se supõe que todo este tratamento tão
tolerante e solidário com os clubes de futebol levará a que estes arrepiem
caminho, eis que se descobrem novas dívidas… Depois quando as coisas ficam
outra vez difíceis fazem-se umas declarações espectaculares, acusa-se meio
mundo e ameaça-se com a fúria e a mística da massa associativa. Qualquer
semelhança com a estratégia dos actuais governantes gregos não é certamente
coincidência: os chamados partidos anti-sistema estão a trazer para a política
o estilo verbal e a atitude entre o displicente, o arrogante e o insultuoso que
muitos dirigentes desportivos e suas entourages têm adoptado para não serem
confrontados com os seus erros e desmandos.
Que o Benfica
tenha construído, segundo revela o Público, a partir de 2004 (note-se que foi
em 2004, no meio de Lisboa, não foi no Algarve dos anos 80, nem na Brandoa dos
anos anos 70 do século passado), sem respeitar o alvará de loteamento, dois
espaços comerciais, um equipamento desportivo, um balneário, duas bilheteiras e
o edifício que alberga as piscinas, o pavilhão e o museu é por si mesmo
espantoso. Tão espantoso que se aguardam esclarecimentos dos presidentes da CML
durante esse período: Santana Lopes, Carmona Rodrigues e António Costa deverão
explicar como foi isto possível.
Neste contexto e
com este historial dos clubes de futebol um perdão como aquele que agora a CML
se propõe conceder ao Benfica torna-se um insulto a todos aqueles que ao mesmo
município pagaram o que tinham de pagar. Mas não só. Aqueles que viram
recusados os seus pedidos de construção, alteração ou ampliação têm fortes
razões para concluir que andaram a fazer figura de parvos.
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