Perante investidores, Costa
prefere “valorizar os factores positivos”
NUNO SÁ LOURENÇO
26/02/2015 - PÚBLICO
O secretário-geral do PS viu-se forçado a responder à polémica provocada
pelo seu discurso perante a comunidade chinesa.
O lançamento da
nova página electrónica do PS não foi suficiente para esconder António Costa da
polémica à volta das suas declarações sobre a situação do país perante a
comunidade chinesa.
Esta
quinta-feira, o secretário-geral do PS viu-se obrigado a “contextualizar” a sua
intervenção de há alguns dias, no Casino da Póvoa, onde o líder do principal
partido da oposição agradeceu o investimento chinês em Portugal, destacando a
“situação diferente” em que Portugal se encontrava quando comparada com o que
se passava há quatro anos.
A polémica
estalou quando se tornaram públicas declarações de António Costa no Casino da
Póvoa, perante a comunidade chinesa que celebrava o ano novo chinês, agradeceu
o investimento daquele ´país. “Como nós dizemos em Portugal, os amigos são para
as ocasiões. E numa ocasião difícil para o país, em que muitos não acreditaram
que o país tinha condições para enfrentar e vencer a crise, a verdade é que os
chineses e os investidores chineses disseram presente, vieram e deram um grande
contributo para que Portugal pudesse estar hoje na situação em que está,
bastante diferente daquela em que estava há quatro anos atrás.”
António Costa
manifestou-se “perplexo” com as leituras feitas às suas declarações. “Para
destruir a confiança já basta o Governo”, afirmou na sede do PS, antes de
acrescentar que não confundia “oposição com bota abaixismo”.
Afinal –
acrescentou - estava perante “investidores estrangeiros”, o que o levou a “valorizar
os factores positivos” em vez de se centrar “no dramático aumento da pobreza,
do desemprego, da emigração, da estagnação económica, dos cortes de salários e
pensões”.
A reacção do
socialista chegou já tarde para impedir o violento ataque de um dos fundadores
do PS. Alfredo Barroso, histórico socialista e chefe de gabinete e da Casa
Civil durante a presidência da República de Mário Soares, acusou Costa, no
Facebook, de "prestar vassalagem à ditadura comunista e neoliberal da
República Popular da China" e de desrespeitar "centenas de milhares
de desempregados e cerca de dois milhões de portugueses no limiar da
pobreza".
Por isso
anunciava, que tinha solicitado, "pura e simplesmente, a desfiliação do
partido" rematando com a intenção de “votar no Bloco de Esquerda, tentando
contrariar o oportunismo daqueles que se tornaram dissidentes do BE
aproximando-se do PS de António Costa, à espera de um lugarzinho na mesa do orçamento,
ou seja, na distribuição de cargos num futuro governo". Uma farpa à
plataforma Livre/Tempo de Avançar, cujos protagonistas são o ex-eurodeputado Rui Tavares e ex-dirigentes
bloquistas como Ana Drago.
A Tempo de
Avançar – que junta ao recém-criado partido Livre um conjunto de movimentos –
aproveitou para criticar o líder socialista. “Sim, as coisas estão diferentes.
Mas não no sentido que António Costa deu perante uma plateia de investidores
estrangeiros. Temos menos empregos, mais emigrantes, somos mais pobres e
estamos mais endividados. Não é possível mudar o rumo do País se ignorarmos
estes factos e repetirmos a propaganda do governo. Propaganda que nem as
instituições europeias se atrevem a repetir, como vimos recentemente.”
Entretanto, foram
surgindo reacções à posição tomada por Alfredo Barroso. Vítor Ramalho,
ex-deputado e antigo dirigente distrital próximo de Mário Soares aconselhou a
actual liderança a não desvalorizar o sucedido. "É útil que a direcção do
partido também não encare isto como uma situação de uma pessoa que bateu com a
porta por razões que não têm algum fundamento", disse, ao mesmo tempo que
reconhecia não ter feito a mesma leitura. "Porque reconheço que a posição
de um secretário-geral e simultaneamente candidato a primeiro-ministro tem que
se pautar também pelo reconhecimento do papel que os Estados representam hoje
no mundo e os países emergentes também, entre os quais a China”, disse à rádio
Antena 1.
Outro
ex-dirigente socialista reagiu com ironia. António Galamba, que acompanhou o
antecessor António José Seguro na direcção do PS, aproveitou o Facebook para
assinalar a “chatice” que era “quando o que dava jeito no passado deixa de dar
jeito no presente”.
A maioria não
deixou passar a polémica para ensaiar uma contradição no discurso do principal
partido da oposição. O ministro da Presidência aproveitou a conferência de
imprensa do Conselho de Ministros para falar em “estado de negação”. "Essas
declarações correspondem ao reconhecimento do trabalho que tem vindo a ser
feito pelo Governo. Era bom que o PS abandonasse o estado de negação em que
muitas vezes parece encontrar-se - e espero que estas declarações do doutor
António Costa sejam o prenúncio disso mesmo - e aceitasse definitivamente a
evolução e o resultado que o sacrifício e o trabalho dos portugueses tem vindo
a demonstrar e a possibilitar ao país", considerou Marques Guedes.
O eurodeputado do
CDS, Nuno Melo, fez questão de denunciar no Diário Económico o discurso para
elogiar a “franqueza imprevista” do socialista. Horas depois era o deputado
social-democrata Duarte Marques quem clamava “aleluia” nas redes sociais:
"Afinal, de forma envergonhada, Costa sempre reconhece”, exultava. O
entusiasmo foi tal que anteontem já estava disponível para download um toque de
telemóvel que replicava o discurso ao som de uma animada melodia.
Costa alerta contra Bloco Central
E assim se
esvaziou o impacto da entrevista de Costa ao Acção Socialista. Onde o líder
socialista justificou a ascensão do Syriza ao poder com o acordo de governo entre
o PASOK e a Nova Democracia, utilizando uma expressão política historicamente
bem portuguesa: “Houve uma grande coligação, um superbloco central, que
canalizou obviamente as alternativas à direita para a Aurora Dourada, e à
esquerda para o Syriza”, disse na entrevista publicada no site da publicação
socialista.
O líder do PS
contestou ainda a ideia de que a presente situação tinha igualmente
responsabilidades a apontar aos partidos socialistas europeus. Citou as
propostas políticas constantes da Agenda de Lisboa, de António Guterres, para
contestar que os partidos do centro-esquerda tivessem cedido ao pensamento
único. “Infelizmente, a Agenda de Lisboa esgotou o ciclo político em que os
governos socialistas eram maioritários na Europa, dando lugar a esta vaga em
que a direita é dominante”, rematou.
O autarca avançou
mesmo com exemplos de políticas alternativas defendidas pela sua família
política. “Hoje, damos uma nova atenção à importância estratégica do
investimento, que não existia no mandato anterior”, lembrou antes de assinalar
o “enorme contributo que demos para que o Banco Central Europeu tivesse uma
nova postura relativamente à política monetária”.
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