segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Tsipras não recua e assume posição de choque com a zona euro / “Se a Grécia sair, quem irá a seguir? Portugal?”, pergunta Yanis Varoufakis

“Se não mudarmos a Europa, a extrema-direita irá fazê-lo”, disse Tsipras

Tsipras não recua e assume posição de choque com a zona euro
MARIA JOÃO GUIMARÃES 08/02/2015 - PÚBLICO

Primeiro-ministro mantém mudanças às políticas de austeridade em discurso desafiador e até emocionado ao Parlamento.

Se este é um jogo de quem recua primeiro – a Grécia ou os restantes parceiros da zona euro – no seu discurso deste domingo perante o Parlamento, o primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, manteve-se firme na sua posição, sem recuar um milímetro.

Enganou-se quem esperava moderação na sequência da viagem de Tsipras e do seu ministro das Finanças, Yanis Varoufakis, a algumas capitais europeias, onde não receberam apoios relevantes. Antes do discurso, o gabinete de Tsipras garantia que o que o primeiro-ministro diz em Atenas não será diferente do que dirá em Bruxelas. Sublinhando a noção de que está a falar para uma audiência global, no Twitter, a conta de Tsipras em inglês ia debitando alguns dados e argumentos que o primeiro-ministro fazia no Parlamento em Atenas.

Num discurso desafiador, sublinhando a necessidade de democracia, de os países poderem tomar as suas próprias decisões, e dizendo que a austeridade atrasou as leis do trabalho para “tempos medievais”, o primeiro-ministro grego prometeu refeições e electricidade de graça para quem não as pode pagar. “A Grécia não pode ser um país civilizado se milhões tiverem fome.” Disse ainda que o Governo irá reabrir a televisão pública ERT (encerrada em 2013) “sem excessos”, voltar a ter o 13.º mês para reformas abaixo de 700 euros, e excluiu ainda mais baixas na idade da reforma e mais cortes nas pensões. A maior concessão foi no fasear do aumento do salário mínimo, que prometeu fazer de forma gradual até 751 euros em 2016.

Lançou-se numa retórica especialmente dirigida à Alemanha (sem a nomear) quando disse esperar que a Europa tenha aprendido a não repetir os erros do passado, e a não humilhar países (a humilhação da I Guerra é um dos motivos da ascensão de Hitler).

Agitou o fantasma do que poderá acontecer se o seu Governo não conseguir concessões: “Se não mudarmos a Europa, a extrema-direita irá fazê-lo.” “Não queremos ameaçar a estabilidade na Europa”, garantiu. “O nosso objectivo é chegar a uma solução com os nossos parceiros, uma solução que resulte para todos”.

Tsipras disse ainda que o seu Governo “não tem o direito de pedir uma extensão do memorando” com a troika que termina a 28 de Fevereiro, como insistem os outros governos da zona euro, o que torna o encontro do Eurogrupo de quarta-feira especialmente importante. “Não posso pedir a continuação de um erro.” O chefe do Governo grego diz que tem uma proposta clara para apresentar e que espera conseguir um programa de transição até ao Verão. "Estamos a pedir um acordo de transição até ao Verão. Apesar das dificuldades, é possível”. Na semana passada o líder do Eurogrupo tinha descartado esta hipótese dizendo que não havia “acordos transitórios”.

Repetiu que tenciona pagar a dívida “mas para isso há que negociar”, declarou.

Tsipras anunciou então uma série de cortes nos privilégios dos políticos: a começar pelo “exército de consultores” do seu próprio gabinete, até aos automóveis dos deputados (na Grécia cada deputado tem direito a um carro de serviço) e a extravagâncias do executivo anterior, como um carro de 700 mil euros numa frota de 7500 veículos, que será cortada para metade.

Em relação a impostos, prometeu acabar com um imposto especial na electricidade (considerado especialmente injusto e que foi criado pela dificuldade do Governo grego fazer a colecta fiscal), mas pediu aos gregos que paguem os seus impostos (em vésperas de eleições no país a colecta fiscal baixa sempre muito com os devedores a anteciparem alguma flexibilidade, ou mudança nas regras, que lhes permita pagar menos). “Vamos lutar arduamente contra a evasão fiscal que foi uma das razões que levou o nosso país à beira do colapso.”

Prometeu ainda investigar “listas com grandes depósitos”, ou seja, listas como a enviada em 2010 por Christine Lagarde, então ministra das Finanças de França, ao governo grego, e que incluíam os nomes de mais de 2000 gregos com contas no estrangeiro e assim suspeitos de alguma fuga ao fisco. A lista foi perdida, houve nomes que desapareceram de uma cópia para o original entretanto reenviado, um jornalista que a revelou foi duas vezes a julgamento por causa dela, enquanto a investigação aos nomes que estavam na lista tardava (com excepção do antigo ministro das Finanças Giorgos Papaconstantinou, que está a ser julgado).

A gestão dos contratos no sector público será objecto de uma nova lei que permita avaliação por mérito e mudanças de chefes de serviço para cortar as ligações políticas, prometeu Tsipras. Na Grécia é impossível despedir estes responsáveis e a cada mudança de Governo vão sendo acrescentados. “Vamos quebrar as ligações entre a administração e os políticos.”

Também prometeu a quebra da terceira ligação “perigosa”, com os media – as televisões privadas vão ter de pagar licenças, o que actualmente não acontece.

“Nos últimos dias sentimos que o nosso orgulho foi recuperado”, disse Tsipras. “É o nosso dever não desapontar as pessoas que nos apoiam, de todos os lados do espectro político”, argumentou. “Depois de cinco anos de barbárie de resgate, o nosso povo não consegue mais aguentar promessas não cumpridas.” O discurso está prestes a terminar: “não vamos negociar a nossa história, o orgulho e a dignidade do nosso povo. Estes são valores sagrados para nós”, disse. “Vamos servir a nossa Constituição.”


O primeiro-ministro emociona-se e recebe uma ovação dos deputados. “O discurso foi óptimo para o sentimento dos gregos, desastroso para um acordo potencial com a zona euro”, diz o jornalista grego Yannis Koutsomitis. Terça-feira o Governo será submetido a um voto de confiança, quarta-feira espera-se uma longa reunião do Eurogrupo.


“Se a Grécia sair, quem irá a seguir? Portugal?”, pergunta Yanis Varoufakis
Um alerta de Yanis Varoufakis para Portugal e para toda a zona euro. Se a Grécia sair da união monetária, esta irá "desmoronar-se como um castelo de cartas", garante o ministro das Finanças da Grécia.

EDGAR CAETANO  / 9-2-2015 / OBSERVADOR

O ministro das Finanças da Grécia lançou no domingo um “alerta contra qualquer pessoa que esteja a considerar uma estratégia que passe por amputar a Grécia da zona euro, porque isso seria muito perigoso“. Yanis Varoufakis pergunta: “E quem irá a seguir, depois de nós? Portugal? O que vai acontecer quando Itália se aperceber que é impossível continuar presa ao colete de forças da austeridade?”

Em entrevista à cadeia televisiva italiana RAI, citada pela Reuters, Yanis Varoufakis avisa que se a Grécia sair da zona euro outros países irão, inevitavelmente, seguir-se-lhe e a união monetária irá “desmoronar-se como um castelo de cartas“. “O euro é frágil. E, como quando se constrói um castelo de cartas, se retirarmos uma carta que é a Grécia, o castelo irá colapsar”, afirma o ministro das Finanças da Grécia.

Varoufakis esteve em Roma no final da semana passada, onde esteve reunido com o seu homólogo italiano Pier Carlo Padoan. Aí, recebeu palavras de apoio – como o primeiro-ministro Alexis Tsipras já tinha recebido de Matteo Renzi – mas foi-lhe dito que não há margem para qualquer perdão de dívida. Mas, segundo Varoufakis, essa foi a mensagem oficial, porque nos bastidores o discurso foi diferente.

“Responsáveis políticos italianos, não posso dizer de qual grande instituição, abordaram-nos para nos dizer que nos apoiam mas não podem dizer a verdade porque a Itália também está em risco de bancarrota e têm medo da reação da Alemanha“, afirmou o ministro das Finanças grego. “Porque, convenhamos, a dívida de Itália é insustentável“, atirou.


Em Roma, Yanis Varoufakis voltou a pedir uma renegociação dos pagamentos de dívida e mais tempo para que o governo a que pertence negoceie um “novo acordo” com os credores. O grego tem, também, insistido num programa massivo de investimentos em vários países europeus liderado pelo Banco Europeu de Investimento (BEI).

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