“Se não mudarmos a Europa, a extrema-direita irá fazê-lo”, disse Tsipras |
Tsipras não recua e assume
posição de choque com a zona euro
MARIA JOÃO
GUIMARÃES 08/02/2015 - PÚBLICO
Primeiro-ministro mantém mudanças às políticas de austeridade em discurso
desafiador e até emocionado ao Parlamento.
Se este é um jogo
de quem recua primeiro – a Grécia ou os restantes parceiros da zona euro – no
seu discurso deste domingo perante o Parlamento, o primeiro-ministro grego,
Alexis Tsipras, manteve-se firme na sua posição, sem recuar um milímetro.
Enganou-se quem
esperava moderação na sequência da viagem de Tsipras e do seu ministro das
Finanças, Yanis Varoufakis, a algumas capitais europeias, onde não receberam
apoios relevantes. Antes do discurso, o gabinete de Tsipras garantia que o que
o primeiro-ministro diz em Atenas não será diferente do que dirá em Bruxelas.
Sublinhando a noção de que está a falar para uma audiência global, no Twitter,
a conta de Tsipras em inglês ia debitando alguns dados e argumentos que o
primeiro-ministro fazia no Parlamento em Atenas.
Num discurso
desafiador, sublinhando a necessidade de democracia, de os países poderem tomar
as suas próprias decisões, e dizendo que a austeridade atrasou as leis do
trabalho para “tempos medievais”, o primeiro-ministro grego prometeu refeições
e electricidade de graça para quem não as pode pagar. “A Grécia não pode ser um
país civilizado se milhões tiverem fome.” Disse ainda que o Governo irá reabrir
a televisão pública ERT (encerrada em 2013) “sem excessos”, voltar a ter o 13.º
mês para reformas abaixo de 700 euros, e excluiu ainda mais baixas na idade da
reforma e mais cortes nas pensões. A maior concessão foi no fasear do aumento
do salário mínimo, que prometeu fazer de forma gradual até 751 euros em 2016.
Lançou-se numa
retórica especialmente dirigida à Alemanha (sem a nomear) quando disse esperar
que a Europa tenha aprendido a não repetir os erros do passado, e a não
humilhar países (a humilhação da I Guerra é um dos motivos da ascensão de
Hitler).
Agitou o fantasma
do que poderá acontecer se o seu Governo não conseguir concessões: “Se não
mudarmos a Europa, a extrema-direita irá fazê-lo.” “Não queremos ameaçar a
estabilidade na Europa”, garantiu. “O nosso objectivo é chegar a uma solução
com os nossos parceiros, uma solução que resulte para todos”.
Tsipras disse
ainda que o seu Governo “não tem o direito de pedir uma extensão do memorando”
com a troika que termina a 28 de Fevereiro, como insistem os outros governos da
zona euro, o que torna o encontro do Eurogrupo de quarta-feira especialmente
importante. “Não posso pedir a continuação de um erro.” O chefe do Governo
grego diz que tem uma proposta clara para apresentar e que espera conseguir um
programa de transição até ao Verão. "Estamos a pedir um acordo de
transição até ao Verão. Apesar das dificuldades, é possível”. Na semana passada
o líder do Eurogrupo tinha descartado esta hipótese dizendo que não havia
“acordos transitórios”.
Repetiu que
tenciona pagar a dívida “mas para isso há que negociar”, declarou.
Tsipras anunciou
então uma série de cortes nos privilégios dos políticos: a começar pelo
“exército de consultores” do seu próprio gabinete, até aos automóveis dos
deputados (na Grécia cada deputado tem direito a um carro de serviço) e a
extravagâncias do executivo anterior, como um carro de 700 mil euros numa frota
de 7500 veículos, que será cortada para metade.
Em relação a
impostos, prometeu acabar com um imposto especial na electricidade (considerado
especialmente injusto e que foi criado pela dificuldade do Governo grego fazer
a colecta fiscal), mas pediu aos gregos que paguem os seus impostos (em
vésperas de eleições no país a colecta fiscal baixa sempre muito com os
devedores a anteciparem alguma flexibilidade, ou mudança nas regras, que lhes
permita pagar menos). “Vamos lutar arduamente contra a evasão fiscal que foi
uma das razões que levou o nosso país à beira do colapso.”
Prometeu ainda
investigar “listas com grandes depósitos”, ou seja, listas como a enviada em
2010 por Christine Lagarde, então ministra das Finanças de França, ao governo
grego, e que incluíam os nomes de mais de 2000 gregos com contas no estrangeiro
e assim suspeitos de alguma fuga ao fisco. A lista foi perdida, houve nomes que
desapareceram de uma cópia para o original entretanto reenviado, um jornalista
que a revelou foi duas vezes a julgamento por causa dela, enquanto a
investigação aos nomes que estavam na lista tardava (com excepção do antigo
ministro das Finanças Giorgos Papaconstantinou, que está a ser julgado).
A gestão dos
contratos no sector público será objecto de uma nova lei que permita avaliação
por mérito e mudanças de chefes de serviço para cortar as ligações políticas,
prometeu Tsipras. Na Grécia é impossível despedir estes responsáveis e a cada
mudança de Governo vão sendo acrescentados. “Vamos quebrar as ligações entre a
administração e os políticos.”
Também prometeu a
quebra da terceira ligação “perigosa”, com os media – as televisões privadas
vão ter de pagar licenças, o que actualmente não acontece.
“Nos últimos dias
sentimos que o nosso orgulho foi recuperado”, disse Tsipras. “É o nosso dever
não desapontar as pessoas que nos apoiam, de todos os lados do espectro
político”, argumentou. “Depois de cinco anos de barbárie de resgate, o nosso
povo não consegue mais aguentar promessas não cumpridas.” O discurso está
prestes a terminar: “não vamos negociar a nossa história, o orgulho e a
dignidade do nosso povo. Estes são valores sagrados para nós”, disse. “Vamos
servir a nossa Constituição.”
O
primeiro-ministro emociona-se e recebe uma ovação dos deputados. “O discurso
foi óptimo para o sentimento dos gregos, desastroso para um acordo potencial
com a zona euro”, diz o jornalista grego Yannis Koutsomitis. Terça-feira o
Governo será submetido a um voto de confiança, quarta-feira espera-se uma longa
reunião do Eurogrupo.
“Se a Grécia sair, quem irá a
seguir? Portugal?”, pergunta Yanis Varoufakis
Um alerta de Yanis Varoufakis para Portugal e para toda a zona euro. Se a
Grécia sair da união monetária, esta irá "desmoronar-se como um castelo de
cartas", garante o ministro das Finanças da Grécia.
EDGAR CAETANO / 9-2-2015 / OBSERVADOR
O ministro das
Finanças da Grécia lançou no domingo um “alerta contra qualquer pessoa que
esteja a considerar uma estratégia que passe por amputar a Grécia da zona euro,
porque isso seria muito perigoso“. Yanis Varoufakis pergunta: “E quem irá a
seguir, depois de nós? Portugal? O que vai acontecer quando Itália se aperceber
que é impossível continuar presa ao colete de forças da austeridade?”
Em entrevista à
cadeia televisiva italiana RAI, citada pela Reuters, Yanis Varoufakis avisa que
se a Grécia sair da zona euro outros países irão, inevitavelmente,
seguir-se-lhe e a união monetária irá “desmoronar-se como um castelo de
cartas“. “O euro é frágil. E, como quando se constrói um castelo de cartas, se
retirarmos uma carta que é a Grécia, o castelo irá colapsar”, afirma o ministro
das Finanças da Grécia.
Varoufakis esteve
em Roma no final da semana passada, onde esteve reunido com o seu homólogo
italiano Pier Carlo Padoan. Aí, recebeu palavras de apoio – como o
primeiro-ministro Alexis Tsipras já tinha recebido de Matteo Renzi – mas
foi-lhe dito que não há margem para qualquer perdão de dívida. Mas, segundo
Varoufakis, essa foi a mensagem oficial, porque nos bastidores o discurso foi
diferente.
“Responsáveis
políticos italianos, não posso dizer de qual grande instituição, abordaram-nos
para nos dizer que nos apoiam mas não podem dizer a verdade porque a Itália
também está em risco de bancarrota e têm medo da reação da Alemanha“, afirmou o
ministro das Finanças grego. “Porque, convenhamos, a dívida de Itália é
insustentável“, atirou.
Em Roma, Yanis
Varoufakis voltou a pedir uma renegociação dos pagamentos de dívida e mais
tempo para que o governo a que pertence negoceie um “novo acordo” com os credores.
O grego tem, também, insistido num programa massivo de investimentos em vários
países europeus liderado pelo Banco Europeu de Investimento (BEI).
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