"Em público, nenhum socialista quer assumir uma posição crítica em relação à actual liderança. Todos os contactados o evitaram com o argumento de não pretenderem piorar o cenário para o partido. Mas não deixaram de reconhecer as suas preocupações. “A continuar assim, não ganha as eleições”, advertia esse ex-dirigente.
Um ex-dirigente nacional resume os pecados de Costa à falta de “clareza” que pode custar-lhe a maioria absoluta.
Um deputado aproveitou mesmo a recente polémica para assinalar a “inabilidade política” que a resposta à crise chinesa revelou."
Socialistas desesperam com
“inabilidade política” de Costa
NUNO SÁ LOURENÇO
e LEONETE BOTELHO 27/02/2015 - PÚBLICO
Falta de capacidade de resposta à direita, ausência de um discurso mais
assertivo, atraso na apresentação de um programa. Polémica das declarações aos
chineses vista como um sintoma do que está mal no PS.
“Foi tudo ao
mesmo tempo”, desabafava ontem um dirigente socialista no rescaldo da “pior
semana” de António Costa como secretário-geral do PS. 100 dias depois de se ter
tornado líder do principal partido da oposição, começam a surgir sinais de
irritação com a forma como o presidente da câmara de Lisboa tem gerido a agenda
política.
Para Costa não
existe agora sequer a desculpa de arrumar esse desconforto na ala dos seus
adversários internos. As críticas surgem até no seio de entre os que o apoiaram
na disputa contra o seu antecessor, António José Seguro.
É também entre os
seus apoiantes que o desespero sobe em relação à sua gestão política. E onde o
episódio da intervenção perante a comunidade chinesa é apontado como um sintoma
do que vai mal. “Um líder fica em causa [com um fait-divers] se não tem um
programa nem um discurso que o distancie da direita. Quando isso não existe, os
fait-divers ganham outra relevância”, diz um dirigente nacional
Um ex-dirigente
nacional resume os pecados de Costa à falta de “clareza” que pode custar-lhe a
maioria absoluta. O PS não descola nas sondagens porque Costa se está a revelar
incapaz de traçar o seu rumo. “Deve dizer não a um Bloco Central” e apresentar
o PS como um “partido moderado”, preparado para “reformar o Estado” ao mesmo
tempo que “evita utopias gregas”.
Em público,
nenhum socialista quer assumir uma posição crítica em relação à actual
liderança. Todos os contactados o evitaram com o argumento de não pretenderem
piorar o cenário para o partido. Mas não deixaram de reconhecer as suas
preocupações. “A continuar assim, não ganha as eleições”, advertia esse
ex-dirigente.
Um deputado
aproveitou mesmo a recente polémica para assinalar a “inabilidade política” que
a resposta à crise chinesa revelou. “Nós tínhamos a obrigação de ter respondido
bem melhor. Até mete dó num partido que tem um potencial de argumentário como o
nosso”, avaliava esse parlamentar. Afinal, a direcção socialista tinha armas
para responder à letra às críticas da direita. Costa podia, na opinião desta
fonte, ter apresentado exemplos de como o “Governo diz bem lá fora de coisas
que diz mal cá dentro”, citando como exemplo a campanha para “distribuir
[computadores] Magalhães pelo mundo” ou a defesa do ministro de Estado Paulo
Portas à “rede de mobilidade” construída em Portugal como um factor de atracção
de investimento no país.
Entretanto, a
direita continuou a capitalizar a polémica. Ontem de manhã, o
primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, começou por dizer que não pretendia fazer
“nenhuma observação que possa ser lida como procurando aproveitar ou intervir
nesse debate que decorre dentro do PS”, para depois afirmar que “qualquer
observador independente e afastado da luta político-partidária reconhece que o
país está diferente do que estava há quatro anos”.
Depois foi a vez
do vice-primeiro-ministro espetar mais uma farpa, aproveitando os números do
INE sobre o desemprego. "O desemprego desce tanto nos jovens como na
população mais adulta. Isto é um sinal de que o país obviamente está a dar a
volta. Às vezes, pelo menos, o que o Dr. António Costa diz é razoável, nós
estamos de facto a conseguir dar a volta como país, a conseguir vencer uma
crise que foi muito difícil por causa do resgate", disse Paulo Portas,
após uma visita à Feira Internacional de Turismo.
Como não podia
deixar de ser, a polémica perseguiu o secretário-geral do PS. Em Torres Vedras,
António Costa tentava preparar o caminho para o Encontro Nacional “Valorizar o
território” que o PS agendou para este fim-de-semana : "Já falei sobre
esse tema ontem e para mim é um assunto encerrado, hoje falo sobre outro tema.
Hoje estamos centrados sobre a revalorização do património, sobre os problemas
que preocupam os portugueses. Uma das formas mais importantes de valorizar o território
é a agricultura, foi isso que nos trouxe aqui".
O socorro a
António Costa teve assim de vir de paragens inesperadas. Francisco Assis, o
eurodeputado socialista que apoiara Seguro e abandonara o Congresso em Novembro
por considerar ter havido uma viragem demasiado acentuada à esquerda, saiu em
defesa do líder. "[Costa] fez referência a uma alteração das
circunstâncias do investimento externo. É evidente que a situação está melhor
do que há quatro anos porque a situação em termos europeus melhorou",
disse na TVI24, referindo-se à "estabilização da zona monetária".
E também a
comunidade chinesa ensaiou o lançar de uma bóia de salvação. A Liga dos
Chineses em Portugal lamentou a utilização do ano novo chinês como
"ferramenta política", acusando políticos e comunicação social de
descontextualizarem parte do discurso do líder do PS sobre a evolução do país.
Para a Liga, o único pecado do socialista fora o ter reconhecido “por um lado a
boa integração e a capacidade empresarial dos chineses residentes e a evolução
das relações de amizade e diplomáticas entre os dois países".
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