ENTREVISTA
Stuart Holland: “Este é ‘o’
momento de viragem da Europa”
PAULO PENA
08/02/2015 - PÚBLICO
Amigo de Yanis Varoufakis, este ex-conselheiro de Jacques Delors e de
António Guterres revela o que pode acontecer na cimeira extraordinária do
Ecofin na próxima semana.
“A Economia
é um jogo de linguagem privada jogado por economistas profissionais com pouco
ou nenhum respeito pelo mundo real”
Stuart Holland,
75 anos, passou os últimos 30 anos a defender algo que agora pode impedir “a
desagregação da Europa”. É um economista sui generis. Começou por estudar
História e Ciência Política e só depois fez um doutoramento na ciência que
domina os nossos dias. Holland é um perito em chancelarias.
Do número 10 de
Downing Street, onde começou, como conselheiro de Harold Wilson, aos labirintos
da Europa. Negociou com De Gaulle, escreveu memorandos para Helmut Kohl. Lembra
como Guterres podia entrar isolado no Conselho Europeu e sair de lá com um voto
unânime. Estas e outras memórias fazem parte do livro Europe in Question: and
what to do about it, que acaba de publicar. No final, como anexo, inclui a
última versão da Modesta Proposta para solucionar a crise da zona Euro, que
escreveu com o ministro grego das Finanças, Yanis Varoufakis, e com o
economista americano James K. Galbraith. No próximo dia 12 vai estar em
Londres, a debater com Vítor Constâncio, do BCE. Em Coimbra, onde reside há dez
anos, e é professor visitante na Faculdade de Economia, vai organizar, entre 28
de Fevereiro e 28 de Março, um seminário chamado: Depois do êxito do Syriza.
No seu livro, bem
como na Modesta Proposta… que assinou com Yanis Varoufakis, agora ministro na
Grécia, argumenta que a Europa pode recuperar economicamente, na linha do New
Deal de Roosevelt, sem que sejam criadas novas instituições, revistos os
Tratados, nem ajudas dos países mais fortes. Como?
As instituições
já existem. O Banco Europeu de Investimentos (BEI) e o Fundo Europeu de
Investimentos, que eu sugeri quando aconselhava Jacques Delors [Presidente da
Comissão Europeia] nos anos 90. Como? Através da emissão de obrigações. Como
Roosevelt fez, para financiar os investimentos sociais e ambientais do New Deal
que reduziram o desemprego, entre 1933 e a Segunda Guerra Mundial, de 25% para
menos de 10%. E isto foi feito com um déficit orçamental médio de 3% - o limite
de Maastricht…
Mas isso vai contra
aquilo que a Alemanha tem defendido. Não acredita que Berlim pode bloquear essa
proposta?
Não. Há um
procedimento que não depende da unanimidade, na Europa, chama-se “cooperação
reforçada”. A Alemanha usou-o recentemente para ultrapassar David Cameron
quando propôs uma taxa sobre as transacções financeiras. Outros estados-membros
que desejem recuperar economicamente podem usar este mecanismo, se necessário,
para contornar a posição da Alemanha.
Poucos serão os
políticos europeus, nesta altura, que tenham equacionado essa hipótese…
Jean-Claude
Juncker, François Hollande e os seus ministros da Economia e das Finanças,
Michel Sapin e Emmanuel Macron, Matteo Renzi e o seu ministro das Finanças,
Pier Carlo Padoan, o ministro polaco das Finanças Mateusz Szczurek e, é claro,
Yannis Varoufakis.
Mas ainda não os
vimos agir, pois não?
O desrespeito da
Alemanha pelas posições do Syriza e a necessidade de evitar uma Grexit [saída
da Grécia do Euro] podem ser o catalisador.
Mas há um
argumento de peso na posição alemã: Não se pode resolver uma crise de dívida
aumentando o montante da dívida. Não concorda?
Os empréstimos do
BEI não são contabilizados como dívida pública. Nem o seriam as obrigações
emitidas pelo Fundo Europeu de Investimentos. Seria necessário que ambas as
instituições funcionassem, neste plano, porque as regras do BEI apenas lhe
permitem financiar metade dos projectos, sendo a outra metade da
responsabilidade dos estados-membros. E os Estados sentem dificuldades para
co-financiar projectos com o BEI desde que surgiu a crise na Zona Euro. O BEI
tem também uma grande dependência, no financiamento das suas obrigações, de
fundos de pensões, que são muito conservadores. Pelo contrário, o Fundo poderia
emitir obrigações que reciclassem os excedentes financeiros, que é algo que os
BRIC [Brasil, Rússia, Índia e China] querem. Em Dezembro, o ministro da
Economia da África do Sul disse publicamente que se a Europa emitisse estes
títulos, eles investiriam. No primeiro discurso de Juncker, no Parlamento
Europeu, de 15 de Julho, das suas dez prioridades, a primeira era esta. Temos
tido aliados importantes, há décadas, nesta proposta, incluindo Jacques Delors
e António Guterres.
Quanto tempo
trabalhou com Delors?
Depende como
definir “trabalho” [risos]. Mas foi de 1975 até 1995. Fomos ambos conselheiros
de primeiros-ministros e ambos nos demitimos, por acreditarmos em valores, o
que não era uma coisa comum. Depois ele tinha-me pedido que desenhasse algumas
políticas e instituições que contrariassem o pendor deflacionário das condições
impostas em Maastricht sobre o déficit e a dívida. Eu recomendei-lhe o Fundo
Europeu de Investimentos, que ele criou em 1994.
Depois, tornou-se
num conselheiro externo de Guterres?
Sim. Eu só
conheci Guterres quando ele foi eleito primeiro-ministro, mas a recomendação
para que nos encontrássemos partiu de Jorge Sampaio, que eu conheço desde os
anos 70. Os meus conselhos beneficiaram de trabalhar com o primeiro-ministro um
assessor [diplomático] excepcional, o embaixador José Freitas Ferraz. Costumava
ligar-me sempre, antes dos Conselhos Europeus, pedindo-me sugestões. Havia
muitas, que Delors não conseguiu levar adiante. Aconselhei Guterres que
devíamos clarificar o âmbito do BEI, que era vago, “o interesse geral da
Europa”, para que investisse em projectos relacionados com Saúde, Educação,
reconversão urbana, novas tecnologias e Ambiente. Tudo são áreas sociais,
semelhantes às do New Deal de Roosevelt. Freitas Ferraz disse-me: “Stuart,
renovação urbana… Nós vivemos em sociedades urbanas. Isso pode significar
qualquer coisa, não é?” Era precisamente o que eu queria dizer [risos]. Exactamente,
respondi. Nesta questão demorou três reuniões do Conselho para ganhar. Helmut
Kohl [ex-chanceler alemão], opunha-se. Dizia que os contribuintes alemães já
pagavam demais. Ou seja, não percebia que um título do BEI não seria pago pelos
contribuintes alemães, e não precisa de transferências orçamentais da Alemanha.
Freitas Ferraz sugeriu que devíamos escrever um memorando para Kohl. Eu sei
algum alemão, mas não me atrevi. Escrevi em inglês e pedi para traduzirem. “Caro
chanceler, aproxima-se o conselho de Amsterdão [Junho de 1997] e, sem dúvida, o
primeiro-ministro português vai, mais uma vez, levantar a questão dos
investimentos do BEI…” Kohl aceitou.
Acha que Guterres
está disponível para se candidatar nas eleições presidenciais?
Ficaria
encantado. Como português honorário, e cidadão que reside aqui, consideraria
uma hipótese excelente. Eu sei que ele tem sido muito criticado, internamente,
em Portugal. Mas a um nível europeu, ele foi o chefe de Governo mais eficaz com
quem trabalhei. E eu faço isso desde 1965, quando comecei a trabalhar com
Harold Wilson [ex-primeiro-ministro do Reino Unido].
Outra pessoa com
quem trabalhou, Yanis Varoufakis, é agora ministro das Finanças na Grécia. Como
tem visto a sua actuação?
Ele é muito,
muito excepcional. Ele, como eu, não se deixa enredar nos mitos nem na técnica.
A Economia é um jogo de linguagem privada jogado por economistas profissionais
com muito pouco, ou nenhum, respeito pelo mundo real. Temos de conhecer a
linguagem e os conceitos para contornar os austeritários, e Yanis conhece-os.
E é por isso mais
eficaz?
Sim. Schäuble
[ministro das Finanças alemão] é um advogado, Angela Merkel [chanceler alemã] é
formada em Física. Eles não são capazes de perceber o que a Europa pode fazer
com as instituições que tem, e estão presos à ideia de que se equilibram
orçamentos reduzindo déficit e a dívida. E isto tem muito a ver com a história
e a cultura alemãs. Por exemplo, a maioria dos alemães está convencida que foi
a inflação que levou Hitler ao poder. Mas não foi. Foi a deflação, a
austeridade, os cortes, a partir de 1929, quando o partido Nazi tinha menos de
3%. Depois da austeridade esse número foi multiplicado por 10, em 1933.
O plano de
reestruturação da dívida de Varoufakis é plausível?
Parece-me
acertado, em dois aspectos. Atrasar indefinidamente o pagamento de um título é
absolutamente normal. O Banco de Inglaterra ainda estava, muito recentemente, a
“rolar” o pagamento de títulos de dívida que emitiu para financiar as guerras
napoleónicas! Em 1751 toda a dívida inglesa foi convertida em dívida perpétua. O
que é muito simples: os títulos de dívida não têm de ser pagos à cabeça. Numa
recessão como estas, o valor das acções é tão baixo, e o risco das economias
colapsarem é tão alto, que os investidores não querem tirar o dinheiro
investido em dívida. Basta-lhes o que recebem de rendimentos das obrigações. O
segundo aspecto que me parece excelente, e é baseado na nossa Modesta Proposta,
é provocar a recuperação da economia sem que se aumente a dívida pública. Precisamente,
através do BEI e do FEI, com títulos emitidos para a recuperação da economia
europeia.
Esse tem sido um
dos pontos que mais tem defendido, com Varoufakis. Desde a quebra de Wall
Street, o Mundo deixou de ter um sistema de reciclagem desses excedentes. A
Europa podia fazê-lo?
Isso podia ser
feito, em conjunto, pelo Fundo Europeu de Investimentos e pelo BEI. O primeiro
a nível “macro”, seria o mecanismo de reciclagem de excedentes que financiaria
os projectos que o segundo apoiaria, a uma escala quase ilimitada.
Este é um momento
de viragem?
É potencialmente
“o“ momento de viragem. Varoufakis vai argumentar isso mesmo na reunião
extraordinária do Ecofin, na quarta-feira, onde é provável que consiga o apoio
de Macron, Sapin e Padoan. E também, provavelmente, do ministro inglês, George
Osborne, que já defendeu eurobonds, dizendo que isso seria bom para as
exportações inglesas. Ele não tem nenhuma razão para mudar de ideias esta
semana, quando o Reino Unido enfrenta um substancial, e crescente, déficit
comercial. A Alemanha precisa de recuperar. A economia europeia está em
recessão. O desemprego está a um nível intolerável. Há o risco de
desintegração. Marine Le Pen lidera as sondagens. Com este nível de
austeridade, se David Cameron [primeiro-ministro inglês] precisar de fazer
maioria com o UKIP [partido eurocéptico] e convocar um referendo à continuação
na UE, esse referendo será provavelmente perdido… Neste momento, porquê votar
pela Europa se a Europa apenas oferece austeridade?
Mas ainda assim
está optimista?
Nem optimista,
nem pessimista. Pragmático. Mas tenho
alguma experiência de convencer as pessoas contra todas as probabilidades. Consegui convencer De Gaulle [risos].
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