Apelo a Passos para rever posição
face à Grécia
Numa carta aberta ao
primeiro-ministro, personalidades de vários sectores defendem que é “do
interesse de Portugal contribuir activamente para uma solução multilateral do
problema das dívidas europeias”
Paulo Pena /
12-2-2015 / PÚBLICO
A carta tem duas
ideias principais: o Governo português, ao insistir, a propósito da Grécia, que
“a política de austeridade prosseguida se deve manter inalterada”, escolhe um
caminho “contraproducente”; mais ainda quando esta é, na opinião dos
subscritores, uma “oportunidade que não pode ser desperdiçada para um debate
europeu sobre a recuperação das economias e das políticas sociais”.
No momento em que
Passos Coelho enfrenta um dos mais decisivos Conselhos Europeus do seu mandato,
hoje em Bruxelas, a carta surge como um “apelo”, um “pedido”, um “alerta à
opinião pública”, na descrição dos signatários ouvidos pelo PÚBLICO.
Subscrevem a
carta vários dos dinamizadores do anterior Manifesto dos 74, sobre a
renegociação da dívida portuguesa, como Bagão Félix, Francisco Louçã, João
Cravinho e Carvalho da Silva. Mas esta carta tem outros nomes que, adianta
Pedro Adão e Silva, um dos autores, “revelam que há um consenso alargadíssimo
na sociedade portuguesa, de que o Governo não faz parte”. No campo político, há
personalidades de todos os quadrantes: Octávio Teixeira (PCP), Mariana Mortágua
(BE), José Reis (Tempo de Avançar), Carlos César (presidente do PS), Pacheco
Pereira (PSD), Ricardo Bayão Horta (CDS). A novidade é a inclusão de
cientistas, como Maria Mota (Prémio Pessoa 2013) e Mónica Bettencourt Dias.
Para Octávio
Teixeira, esta carta aponta a abordagem “completamente errada” do Governo
português face à Grécia: “Portugal tem problemas idênticos e não deve ter uma
posição de total oposição à abertura de negociações. Por isso alertamos o
primeiro-ministro para o seu dever de pensar o nosso país também. O que tem
sido dito é contrário aos interesses de Portugal.” Pedro Adão e Silva salienta
que a carta aponta o caminho “de uma resposta europeia”. José Reis, director da
Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, concorda: “Antes de ser grego
ou português, este é um problema europeu. A solução só pode ser cooperativa,
solidária e europeia.”
Para Francisco
Louçã, “Portugal não se pode isolar de um debate que pode ser decisivo ou
perigosíssimo para a Europa”. O perigo está na tentação de forçar “a saída da
Grécia do euro”, o que seria “gravíssimo”. O almirante Melo Gomes, ex-chefe do
Estado-Maior da Armada, avisa que “a situação mais perigosa” para Portugal
seria ficar isolado “com uma posição radical” .
O
primeiro-ministro tem apontado a Grécia como um caso “singular” no contexto da
UE. “A Europa tem o dever e o interesse em ajudar a Grécia a ultrapassar os
seus problemas, o que não pode é fazê-lo de qualquer maneira, o que não se pode
dizer é que a Grécia é um problema da Europa, dos portugueses, dos espanhóis e
dos franceses.”
Ontem o
Presidente da República proferiu declarações ainda mais duras: “A Grécia não
pode fazer o que bem entende.” Para Cavaco Silva, “Portugal tem vindo a
demonstrar solidariedade em relação à Grécia para que ela permaneça na zona
euro. Além do empréstimo de 1100 milhões de euros, Portugal tem vindo a
transferir para a Grécia o produto dos juros das obrigações na posse do Banco
de Portugal, o que significa muitos milhões de euros que saem da bolsa dos
contribuintes portugueses”. Esta última afirmação é polémica, uma vez que os
juros das obrigações gregas apenas são incluídos no Orçamento português por uma
questão “política”, dado que o BCE – que é quem, de facto, compra a dívida
grega, e não os contribuintes portugueses – acordou com os Estados-membros um
processo de devolução indirecta dos juros, decidido no processo de
reestruturação da dívida helénica.
A afirmação de
Cavaco levou Carlos César a acusá-lo de ter “pouco sentido de Estado”. Octávio
Teixeira prefere a ironia: “Estar calado é mau, mas é melhor do que dizer
coisas destas.”
“Carta ao primeiro-ministro de
Portugal”
As cidadãs e os
cidadãos abaixo-assinados manifestam a sua preocupação quanto à posição do
Estado Português no Conselho Europeu de hoje. Tem o primeiro-ministro declarado
que, mesmo perante a grave crise humana que se vive na Grécia, a política de
austeridade prosseguida se deve manter inalterada. Os factos têm evidenciado
que este caminho é contraproducente. Não temos dúvidas de que a Europa vive uma
situação difícil, pelas tensões militares na sua periferia e pelos efeitos
devastadores de políticas recessivas que geraram desemprego massivo, o aumento
do peso das dívidas soberanas e deflação, abalando assim os alicerces de muitas
democracias. Este momento exige por isso uma atitude construtiva, que conduza a
uma cooperação europeia de que Portugal não se deve isolar. Para evitar uma
longa depressão, a União tem de combater a incerteza na zona euro e, para
tanto, precisa de uma abordagem robusta que promova soluções realistas e de
efeito imediato. O momento actual oferece uma oportunidade que não pode ser
desperdiçada para um debate europeu sobre a recuperação das economias e das
políticas sociais dos países mais sacrificados ao longo dos últimos seis anos. É
por isso também do interesse de Portugal contribuir activamente para uma
solução multilateral do problema das dívidas europeias reduzindo o peso do
serviço da dívida em todos os países afectados, que tem sufocado o crescimento
económico, agravando a crise da zona euro. Pela mesma razão, é ainda necessário
que Portugal favoreça uma Europa que não seja identificável com um discurso
punitivo mas com responsabilidade e solidariedade, que não humilhe
Estados-membros mas promova a convergência, que não destrua o emprego e as
economias mas contribua para uma democracia inclusiva. Estamos certos, senhor
primeiro-ministro, de que agora é o tempo para este apelo à responsabilidade
numa Europa em que tanto tem faltado o esforço comum para encontrar soluções
para uma crise tão ameaçadora. signatários: Adriano Pimpão, Bagão Félix,
Sampaio da Nóvoa, Carlos César, Freitas do Amaral, Ferro Rodrigues, Seixas da
Costa, Helena Roseta, Lídia Jorge, João Cravinho, Pacheco Pereira, Carvalho da
Silva, Mariana Mortágua, Paulo Trigo Pereira, Viriato Soromenho Marques
In PÚBLICO /
12-2-2015
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