Os deputados perderam a paciência
numa "frustrante" audição a Zeinal Bava
CRISTINA FERREIRA
e PAULO PENA 26/02/2015 - PÚBLICO
“Eu não guardo memória”, foi a forma como o ex-gestor da PT respondeu a
quase todas as perguntas difíceis. Aquele que já foi considerado o “melhor CEO”
veio ao Parlamento com o orgulho beliscado, mas não se desviou um milímetro do
guião evasivo que trazia.
Zeinal Bava não
se recorda de quem aprovou na PT a compra de 500 milhões de euros da Espírito
Santo Internacional (ESI). “Não vou dizer que foi fulano, sicrano ou beltrano,
porque não me recordo”, disse nesta quinta-feira, em resposta a Mariana
Mortágua, do BE. Já não era a primeira vez. O deputado comunista Bruno Dias
ouvira uns quantos “não guardo na memória” minutos antes. Mortágua deixou
escapar o primeiro sinal de impaciência: “Era um bocado amadorismo para quem
ganhou tantos prémios de CEO do ano, não?” Outras se seguiriam.
Bava vinha
preparado para a acutilância das perguntas. Os deputados vinham preparados para
a mais dura audição, até agora, nesta Comissão de Inquérito à gestão do BES e
do GES.
Pedro Nuno
Santos, do PS, perguntou: “O BES tinha uma influência significativa na vida da
PT?”. O ex-gestor divagou, sem responder. O deputado repetiu a pergunta. Uma,
duas, três vezes. E recordou, no fim: “Estamos numa comissão de inquérito”.
Cecília Meireles,
do CDS, passou pelo mesmo. Fez a pergunta, não teve a resposta. Repetiu. E
desabafou: “Sou eu que sou de compreensão lenta. Sou eu que sou pouco
inteligente.” Os deputados suspiravam, exibiam sorrisos amarelos e iam
endurecendo o tom. Duarte Marques, PSD: “Percebo a sua afirmação, e é das
poucas que faz sentido.”
A audição
começou, ainda assim, num tom mais pacato, com Bava a assegurar: “Não acredito
que pudéssemos ter feito alguma coisa que contrariasse os interesses da PT.” Mas
seguiram-se as provas que desafiavam essa afirmação. Os investimentos, quase
exclusivos, da PT no GES, que chegaram a totalizar 91% da tesouraria da
empresa. A compra de dívida da ESI e da Rioforte, mil milhões de euros só nesta
última. Os encontros com Ricardo Salgado. O papel do BES na condução da PT. E o
fim da sua carreira na empresa, após o fim da fusão com a brasileira Oi.
Para tudo isto,
Bava trazia uma resposta padronizada, que repetiu, exaustivamente. As suas
conversas com Ricardo salgado eram, sempre, “genéricas”. E, depois, “ninguém pensava que o BES podia
falir. Do ponto de vista da PT, a responsabilidade final era do banco”. “A
partir do momento em que fui nomeado presidente da Oi, eu não sabia nem devia
saber das aplicações da PT, pois existia conflito de interesses.”
O gestor, que se
manteve quase sempre sorridente, assegurou que até à sua saída da liderança da
PT SGPS tudo estava bem. Ou quase. “Não me recordo de um único reparo até ao
dia 4 de Junho de 2013” ,
a data da sua mudança para a Oi. A
partir de então, “dedicava 85% do tempo à Oi, sempre no Brasil, focado.” Tanto
que passou a integrar expressões de português do Brasil nas suas respostas: “de
jeito nenhum” ou “esse caixa”.
O problema é que,
já antes disso, a PT entregara, entre depósitos e investimentos, 12 mil milhões
ao grupo liderado por Ricardo Salgado, ou seja, 79,9% da tesouraria da PT. Esse
valor subiu para 15 mil milhões no ano seguinte. Como recordou Mariana
Mortágua, “a PT endividou-se a 4,6% para comprar dívida da ESI que pagava
4,05%”. Bava não negou, mas elogiou “a taxa que se conseguiu” pela dívida da
ESI. De uma forma ainda mais contra-intuitiva: “A PT não aumentou a sua dívida,
aumentou a sua flexibilidade financeira.”
Em todo o caso,
mesmo quando os deputados apontavam a necessidade de ser do conhecimento do
gestor determinada operação entre a PT e o BES, Bava tinha uma resposta: “Não
guardo memória.” “Em sã consciência eu não sabia.” Fossem 500 milhões
investidos numa empresa como a ESI, onde “ninguém mais queria investir”, como
sublinharam os deputados. Fosse o fundo de pensões dos trabalhadores que ia
parar à Espírito Santo Activos Financeiros, do GES, em nome do Benfica Stars
Fund, por via da Ongoing.
Desta vez, ao
contrário das anteriores, Bava não usou uma miríade de termos em inglês. Falou
várias vezes de “cash pulling”, trouxe para o léxico parlamentar a expressão
“tableaux de board” (espécie de gráficos que iam a despacho na administração,
onde constavam os investimentos).
À defesa, com
pouca memória e muitos circunlóquios, Zeinal Bava decidiu não partir para o
ataque. Recusou-se, apesar de instado por Duarte Marques, a “desmentir” as
afirmações de Henrique Granadeiro. “Se o dr. Henrique Granadeiro vem cá, penso
que é a pessoa certa para lhe fazerem as perguntas.” Bava fez finca-pé e sublinhou
que a partir do momento em que saiu da PT SGPS, em Junho de 2013, “não tinha de
saber” o que se passava na PT SGPS. Aí mandava Henrique Granadeiro. Quando saiu
da PT, em Agosto, Granadeiro disse conviver bem com os seus actos, “mas não com
os encargos e responsabilidades de outros”. Já na recta final da venda da PT
Portugal à Altice (numa carta enviada à CMVM no momento da primeira assembleia
geral da PT SGPS convocada para aprovar o negócio), o gestor criticou a fusão
com a Oi, voltou a assumir parte das responsabilidades pelos prejuízos na
Rioforte, mas, desta vez, foi directo nas acusações a Bava. O cerne da
discussão entre os dois antigos responsáveis da PT anda em torno de quem na
empresa fazia a gestão de tesouraria e decidia onde aplicar os excedentes.
Segundo
Granadeiro, foi a PT Portugal (à data ainda sobre a gestão de Bava) a
responsável por uma tranche de mais de 600 milhões do investimento total na
Rioforte. Bava garante que a gestão de tesouraria da PT Portugal só passou para
a Oi em Maio (depois de liquidado o aumento de capital em que os activos da PT
passaram para a empresa brasileira) e assegura que “anda por aí uma confusão de
conceitos” sobre o que é a gestão de tesouraria.
Já passavam mais
de quatro horas da audição quando Bava reconheceu, por fim, um erro. Uma
informação ao mercado que garantia que a PT diversificava os seus
investimentos, quando na realidade os concentrava no GES.
Na quarta-feira
será a vez de Granadeiro ser ouvido no Parlamento
|
A parceria estratégica que
arrastou a PT
Ana Brito /
27-2-2015 / PÚBLICO
Os brasileiros da
Oi aproveitaram a deixa (ou o “calote”, como disse o ministro das Comunicações
do Brasil) para forçar a negociação dos termos da fusão com a PT, reduzindo a
posição com que os accionistas da PT SGPS deveriam ficar na nova empresa, de
37% para 25,6%. Asseguram ainda que os títulos ruinosos da Rioforte seriam
totalmente transferidos para a holding portuguesa, livrando-se os investidores
brasileiros de qualquer exposição a esse investimento.
O default da
Rioforte e o consequente rombo na Oi foi, de resto, uma das razões apontadas
pelos brasileiros para venderem a PT Portugal , num processo do qual a francesa
Altice saiu vencedora. A operação de venda (que foi notificada pela Altice na
quarta-feira às autoridades europeias da Concorrência) ficou decidida em
assembleia geral da PT SGPS em Janeiro e nas assembleias gerais de
obrigacionistas da Oi em Fevereiro. Pelo meio, houve renúncias, auditorias e
trocas de acusações. Granadeiro foi o primeiro a deixar a PT, em Agosto,
renunciando ao cargo de presidente do conselho de administração da PT e de
presidente da comissão executiva, ainda antes da assembleia geral de
accionistas em que os novos termos da fusão foram aprovados.
Na carta de
renúncia, o gestor disse conviver bem com os seus actos, “mas não com os
encargos e responsabilidades de outros”. Já na recta final da venda da PT
Portugal à Altice (numa carta enviada à CMVM no momento da primeira assembleia
geral da PT SGPS convocada para aprovar o negócio), o gestor criticou a fusão
com a Oi, voltou a assumir parte das responsabilidades pelos prejuízos na
Rioforte, mas, desta vez, foi directo nas acusações ao expresidente da PT
Portugal, que era simultaneamente presidente da Oi - Zeinal Bava. E na próxima
quartafeira será a vez de Granadeiro contar a sua versão dos factos aos
deputados da comissão de inquérito (na quinta-feira será a vez de Luís Pacheco
de Melo, o ex-administrador financeiro do grupo).
Zeinal Bava
acumulou a função de presidente da PT Portugal com a da Oi até Agosto, deixando
o cargo na empresa portuguesa em plena crise dos investimentos na Rioforte. Na
ocasião, a justificação foi a de que a fusão PT/Oi requeria toda a sua atenção.
A Oi disse publicamente que Bava nada sabia sobre os investimentos na Rioforte.
Porém, sem qualquer explicação, no início de Outubro (depois dos novos termos
da fusão terem sido aprovados em Portugal) o gestor deixou a empresa, tendo-se
mantido em silêncio sobre o tema até ontem.
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