Lei do álcool foi “ineficaz” e
deve ser “mais restritiva” para os jovens
Conclusões do Serviço de
Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências vão no sentido de
retomar a proposta para proibir a venda de álcool, incluindo cerveja e vinho,
aos menores de 18 anos
“Apenas cerca de metade dos
jovens com idade inferior a 17 anos declarou ter-lhe sido pedido alguma vez um
cartão de identificação na aquisição de bebidas alcoólicas”
Ana Dias Cordeiro
/ 11-2-2015 / PÚBLICO
O consumo de
álcool entre os jovens com menos de 18 anos não diminuiu e a frequência dos
problemas associados — como as situações de coma alcoólico ou de sexo
desprotegido — manteve-se. Não foi reforçado o controlo em bares, discotecas ou
outros locais de consumo e venda ao público de bebidas para garantir que se
cumpria a lei.
Em síntese: a
nova legislação, de 2013, que pretendia reduzir o consumo do álcool e
restringir o seu acesso aos mais novos, para “potenciar ganhos na saúde”, foi
“ineficaz”. O próprio decreto-lei previa a realização de um estudo a ser
elaborado e entregue ao Governo até Dezembro de 2014 pelo SICAD (Serviço de
Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências) sobre o impacto da
aplicação do novo regime. Esse estudo, divulgado ontem, concluiu que os jovens
mantiveram os mesmos hábitos que tinham antes de Maio de 2013 (quando entrou em
vigor a nova lei) e os consumos nocivos não se alteraram, levando os
investigadores a considerar que a lei “não seja sempre respeitada”.
Os investigadores
do SICAD conduziram dois estudos (nos quais participaram mais de mil jovens e
mais de 100 profissionais de estabelecimentos comerciais) e analisaram três
outros inquéritos realizados entre alunos do ensino secundário, estudantes
universitários e público jovem de um festival de Verão, lê-se no sumário
executivo das conclusões. Também foram considerados indicadores de várias
instituições.
Os investigadores
observam que, no período em análise, se verifica a tendência de manutenção da
frequência dos consumos, “incluindo de bebidas espirituosas, entre os menores
de 18 anos”. De igual forma, “a maioria dos jovens inquiridos afirmou não ter
“percebido alterações na acessibilidade”, referem, acrescentando que foram os
jovens de 16 anos, em particular, “os que mais mencionaram um aumento de
facilidade de acesso a bebidas alcoólicas, incluindo as espirituosas”.
É também
“considerável” a proporção de inquiridos com menos de 16 anos que diz ter
adquirido e tomado bebidas alcoólicas nos 12 meses seguintes à alteração
legislativa, sustentam. Relativamente à fiscalização e controlo, notam que
“apenas cerca de metade dos jovens com idade inferior a 17 anos declarou
ter-lhe sido pedido alguma vez um cartão de identificação na aquisição de
bebidas alcoólicas”.
Cruzando esta
informação, concluíram justificar-se “a implementação de medidas mais
restritivas, nomeadamente no que toca ao acesso a bebidas alcoólicas por parte
de menores de idade”. O documento das conclusões nota que tal convicção é
partilhada “pelos jovens e profissionais participantes no estudo.”
Por medidas mais
restritivas, confirmou ao PÚBLICO Manuel Cardoso, subdirector-geral do SICAD,
deve entender-se uma opção no sentido de se retomar “a proposta inicial”. Essa
proposta assentava na ideia de que “não há álcool bom e álcool mau”, recorda, e
interditava o consumo de todo o tipo de bebidas alcoólicas aos menores de 18
anos, e não apenas as bebidas espirituosas ou equiparadas. Essa proposta foi
alterada pelo Governo, levando o director-geral do SICAD, João Goulão, a
denunciar, na altura, “interesses económicos poderosos”.
A versão final,
denunciada na altura por João Goulão como dando “um sinal errado” e incapaz “de
ter o efeito” pretendido na redução do consumo, manteve o limite dos 16 anos
para o consumo de cerveja e vinho, quando a proposta inicial era de 18 anos. O
responsável alertava para o problema colocado por esta alteração. “A iniciação
faz-se nestas idades e a cerveja é a bebida preferida. O problema começa aqui.”
“A nossa leitura
vai no sentido de retomar a proposta inicial. Não deve ser permitida a venda de
álcool a menores de 18 anos”, disse Manuel Cardoso, garantindo que as
conclusões dos investigadores são independentes da direcção do SICAD e que este
organismo não interferiu nos resultados agora divulgados. Entre as medidas
restritivas defendidas para tornar a lei mais eficaz deu também o exemplo de
uma fiscalização reforçada, por existir a percepção, por parte dos operadores,
de que podem violar as regras “impunemente”.
Para o director
do Programa Nacional para a Saúde Mental, Álvaro Carvalho, esta proposta faz
todo o sentido e só peca por ser tardia. “Desde o início que defendemos que não
deve ser permitida a venda de qualquer tipo de álcool a menores de 18 anos”,
lembra. E diz que já tinha reclamado a mudança da lei do álcool, sublinhando
que o consumo de cerveja e vinho só deverá ser permitido a partir dos 18 anos.
com A.C.
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