As entradas de leão, e a saída de
sendeiro, do Syriza
José Manuel Fernandes 21-2-2015
A Grécia
teve de ceder em quase tudo. De tal forma que pouco sobra das principais
bandeiras eleitorais do Syriza. Porque a realidade é a realidade. E porque, ao
negociar, a arrogância é má conselheira
O Syriza “hollandou”. Não
cedeu ainda em tudo, mas já foi obrigado a deixar cair muitas das suas
promessas eleitorais. E nem um mês passou da ida às urnas.
Diz o povo, e com razão,
que “entradas de leão, saídas de sendeiro”. Foi exactamente o que aconteceu. É
por isso que não são possíveis duas leituras do acordo a que se chegou no
Eurogrupo: eram 18 contra um, e os 18 tiveram ganho de causa em quase todas as
alíneas. O que ficou de fora serve mais para salvar a face aos gregos (por
enquanto) do que para qualquer outra coisa mais.
Recapitulemos. A promessa
eleitoral de Tsipras era que iria renegociar a dívida, obter um perdão
substancial (metade?) e formar uma coligação de convocasse uma conferência
europeia sobre as dívidas soberanas. A seguir, Varoufakis andou pela Europa a
tentar vender uma solução para a dívida grega que já não falava em perdão, mas
implicaria sempre grandes perdas para os credores. Na sexta-feira o acordo diz
taxativamente que a Grécia se compromete a honrar as suas dívidas e os seus
prazos de pagamento.
No discurso de vitória da
noite eleitoral, Tsipras proclamou que o memorando tinha acabado e troika
também. No acordo ficou escrito que o memorando passou a chamar-se “o actual
acordo” e a troika mudou de nome para “as instituições”, algo que estas, de
resto, agradecem. Os técnicos que costumavam visitar Atenas vão continuar a
visitar – e a vigiar – Atenas. O dinheiro também só voltará a fluir para a
Grécia quando “as instituições” e o Eurogrupo aprovarem.
Na primeira reunião do
Governo, realizada com as portas escancaradas e as televisões a transmitirem em
directo, foram anunciadas medidas que representavam uma violação clara dos
acordos com que a Grécia se tinha comprometido, como o imediato aumento do
salário mínimo ou a suspensão das privatizações. Agora, no acordo do Eurogrupo,
a Grécia aceitou que não tomará “medidas unilaterais”.
O único ponto de abertura
do Eurogrupo foi para alterar as metas do excedente primário. É algo que a
Grécia poderia ter obtido com uma negociação mais normal – como de resto
obtivera no passado e Portugal também já obteve.
Julgo por isso que Vital
Moreira tem toda razão: “o novo Governo grego teve de abandonar todos os seus
objetivos “antiausteritários”: nem corte na dívida, nem fim da austeridade
orçamental, nem reversão das medidas tomadas, nem novo empréstimo à margem do
programa de resgate em vigor (que o Syriza tinha declarado morto e sepultado),
nem fim da supervisão da troika (que só perde o nome).”
No dia a seguir às
eleições gregas escrevi – a contravapor de toda a euforia que por aí ia – que
naquele momento é que começavam as dificuldades do Syriza. Não esperava que a
realidade me desse razão tão depressa.
Porque é que Tsipras e
Varoufakis tiveram de mudar de política tão depressa?
A resposta é simples,
cristalinamente simples: porque a Grécia não tinha dinheiro. Não tinha dinheiro
para pagar os empréstimos nas datas previstas. Começava também a não ter
dinheiro nos bancos, de onde os gregos estavam a levantar mil milhões de euros
por dia não apenas para os colocar fora do país, mas também para nos guardar na
gavetas, nos frigoríficos e, sim, claro, debaixo dos colchões. Arriscava-se a
nem sequer ter dinheiro para pagar aos funcionários e aos pensionistas porque
os contribuintes estavam a deixar de pagar impostos (menos 40% de receita do
que o previsto só em Janeiro).
Nada disto deveria ter
sido uma surpresa para o novo governo grego pois ou era uma decorrência dos
acordos que o país assinara, ou a reacção normal de cidadãos assustados com a
possibilidade de uma saída do euro e do regresso ao dracma. Mas a dimensão do
colapso financeiro que estava em curso e as consequências do facto simples de o
BCE ter semi-cerrado as torneiras do dinheiro deixaram o executivo de Atenas
entre a espada e a parede. Só lhe restava ceder.
Mas há mais: a estratégia
confrontacional e hipermediatizada do governo grego foi a pior possível se
realmente queria chegar a um bom acordo. Desde o primeiro dia que Tsipras optou
pela guerra aberta, às vezes quase pelo insulto, tal como desde o primeiro aeroporto
estrangeiro em que aterrou que Varoufakis preferiu sempre explicar primeiro aos
jornalistas aquilo que pretendia e só depois reunir-se com os seus parceiros.
Atenas fez subir a parada, porventura pensando – como pensam sempre os
revolucionários – que levantaria “as massas” europeias em seu apoio. As
“massas” ficaram-se por uns magros ajuntamentos (em Portugal nem se deu por
eles e pelo seu fracasso) ao mesmo tempo que as opiniões públicas, sobretudo
nos países que mais pesam, passaram a ser mais exigentes com os seus governos.
A opção pelo confronto aberto fez com que os ministros das Finanças tivessem
menos margem para quaisquer cedências, pois toda a negociação se tornou pública
e uma espécie de combate de gladiadores. O estilo iconoclasta levado ao limite
de Varoufakis (que agora até usa a gola do casaco levantada, para ser
original), quando não a sua má criação, ainda tornaram mais difíceis as
negociações.
Mas o ponto essencial, e
que a Grécia pareceu esquecer, é que um país não pode pedir apoio e ao mesmo
tempo formular as condições, como recordou o social-democrata Dijsselbloem,
presidente do Eurogrupo, no final da reunião de sexta-feira.
E foi assim que
Varoufakis acabou a dar uma conferência de imprensa a tentar apresentar como
uma vitória o que era uma derrota, uma conferência de imprensa a lembrar aquela
em que Sócrates quis apresentar aos portugueses os termos do Memorando de
Entendimento como uma grande vitória do seu governo. Viu-se aqui, ver-se-á na
Grécia.
E agora, o que se segue?
Antes do mais segue-se
que o acordo de sexta-feira é apenas um pré-acordo. Ainda tudo pode
descarrilar, é bom ter isso bem presente. A primeira dificuldade do governo de
Atenas será vender o acordo aos seus próprios deputados. Isto ao mesmo tempo
que tem de cumprir um prazo de 72 horas para, finalmente, apresentar as medidas
concretas que permitam aos parceiros ter garantias de que o que foi assinado
não tem apenas o valor de um papel cheio de boas intenções. Só depois de essas
medidas serem aprovadas pelos técnicos da “ex-troika” e validadas pelo
Eurogrupo é que o acordo poderá ser dado por concluído. A seguir haverá nova
avaliação no final de Abril. Isto antes de o período de extensão do
financiamento caducar no final de Junho, isto é, na véspera de a Grécia ter de
pagar 6.9 mil milhões em empréstimos que vencem em Julho e Agosto. Ou seja, a
Espada de Dâmocles da falta de dinheiro continuará, ameaçadora, sobre as
cabeças de Tsipras e Varoufakis.
As coisas não tinham de
correr desta forma, mas correram porque tudo o que o governo grego fez nestas
semanas foi agravar o clima de falta de confiança que a vitória do Syriza já
criara nas outras capitais europeias. A arrogância com que, logo depois das
eleições, Varoufakis disse, em várias entrevistas, que sabia que, no fim, a
Alemanha acabaria sempre por ceder voltou-se contra ele. A petulância com que
Tsipras anunciou que não cumpriria as regras europeias também não o ajudou a
encontrar um só aliado no Eurogrupo. Nem Chipre, quanto mais a Itália ou a
França.
Este processo deve também
fazer-nos reflectir sobre algumas coisas que por aí se vão dizendo. A mais
comum de todas é que teria bastado a Portugal “bater o pé” ou “dar murros na
mesa” para, nestes anos, ter conseguido melhores condições. E que no futuro
deve ser esse o caminho. Já se vira o que essa estratégia rendera a François
Hollande, agora está a ver-se o que ela trouxe a Alexis Tsipras.
A Irlanda e Portugal, ao
longo destes anos, tiveram algumas negociações complicadas no Eurogrupo. E
choques com “as instituições”. No nosso caso esteve-se mesmo à beira da ruptura
durante a sétima avaliação. Mas foram conseguindo melhorar as suas condições,
até já conseguiram renegociar aqui e além as suas dívidas e as taxas de juro
associadas. Portugal até o conseguiu concluir uma dessas renegociações esta
semana, no meio da tempestade grega.
Sempre houve quem
achasse, e quem ache, que gritando em Portugal contra aquilo a que agora se
chama “as instituições” se obteriam melhores resultados em Bruxelas. Não será
altura de aprenderem um pouco com os erros alheios?
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