Os americanos e a base das Lajes
JOÃO J. BRANDÃO
FERREIRA 11/02/2015 – PÚBLICO
Curiosamente, não
vemos ninguém preocupado com a exiguidade (sempre a diminuir…), de meios
militares portugueses no(s) arquipélago(s) e na necessidade urgente de inverter
a situação.
A operação das
forças militares americanas na base aérea das Lajes há muito que merecia um
livro.
Muito
resumidamente, foi assim:
A apetência dos
EUA pelos Açores (e Cabo Verde) recua à Guerra Hispano-Americana, de 1898, que
marca o início do imperialismo yankee fora do continente americano, o que nunca
mais parou até hoje.
Prolongou-se na I
Guerra Mundial, com a ameaça submarina alemã e a visita do futuro Presidente
Roosevelt (na altura subsecretário de Estado da Marinha), em 1918, e firmou-se
na II Guerra Mundial, por causa da ameaça naval alemã – podia ter sido
aero-naval, caso a Alemanha tivesse intentado e conseguido ocupar aquele
arquipélago e também o da Madeira.
Mas quem, de
facto, pensou ocupar os Açores – considerados como uma fronteira avançada de
defesa da América – foram os próprios americanos, que chegaram a preparar uma
invasão e ocupação do território, em Jul/Ago de 1941 (Operação Life Buey,
comandada pelo brig. gen. Holland Smith).
Acontece que o
Governo Português da altura – estrénuo defensor dos interesses portugueses –
tinha reforçado os Açores com 25.000 homens e alguns meios aéreos e navais,
dispondo-se a garantir a neutralidade proclamada, mesmo com o uso da força. Os
americanos fizeram um cálculo do risco e das baixas e hesitaram.
Mais experientes
do que os seus amigos do outro lado do Atlântico, a diplomacia inglesa,
valendo-se do especial relacionamento que tem connosco, desde 1373, veio tentar
acalmar os ânimos e negociar uma solução adequada, até porque o Governo
português, num gesto habilíssimo, ameaçou invocar a Velha Aliança em caso de
ataque americano…
Destas
negociações que foram duras e demoradas resultou a ida dos ingleses para as
Lajes e, mais tarde, a dos americanos para Santa Maria, com a condição de no
fim da guerra saírem, deixarem-nos todas as instalações, garantirem a soberania
portuguesa em todos os territórios ultramarinos e, ainda, a garantia que
Timor-Leste – ocupado pelos japoneses – voltaria para Portugal e que forças
portuguesas participariam na libertação do território. Tudo foi cumprido.
Em 1948 (ano
anterior ao estabelecimento da OTAN) os EUA solicitaram facilidades de operação
na Base Aérea n.º 4, nas Lajes, o que foi concedido, até hoje. A base das Lajes
pertence à Força Aérea Portuguesa.
Deste modo
estabeleceu-se um destacamento da Marinha dos EUA – que operavam os aviões –
outro da USAF – que operavam os meios de apoio terrestre – e do Exército
Americano , que operavam as lanchas e equipamento portuário…
E como o Governo
de Lisboa, da altura, não brincava em serviço e não deixava que estrangeiros
nos ditassem leis, logo acordou com Washington um conjunto de condições que,
além de não comprometerem minimamente a soberania nacional, tornavam os EUA
completamente devedores de Portugal, pois não pagavam um dólar por lá estarem. Tal
facto devia-se a que a lógica política de então defendia, por ex., que nenhum
pedaço de território nacional podia ser alugado…
Foi criado um
Comando Aéreo Português, cujo comandante seria sempre mais antigo do que o
oficial americano mais graduado e, até, a bandeira americana não estava
autorizada (creio que ainda não está) a tocar o solo pátrio, ficando, simbolicamente,
assente num bloco de pedra para o efeito concebido.
Marcello Caetano,
que sucedeu a Salazar na chefia do Governo, mudou a postura portuguesa para com
os EUA, relativamente às Lajes, negociando contrapartidas materiais pela
presença americana, o que se podia consubstanciar em ajuda económica directa ao
arquipélago, melhoria das condições dos trabalhadores portugueses e, sobretudo,
em armamento e equipamento militar, de que as Forças Armadas Portuguesas
estavam muito carenciadas devido aos conflitos ultramarinos iniciados em 1961.
Esta nova
política acabou por não dar grandes frutos, sofrendo Portugal uma espécie de
“ultimato” encapotado, relativamente ao uso indiscriminado da base, no socorro
que Washington prestou a Israel na Guerra do Yom Kipur, em 1973.
A importância dos
Açores nunca diminuiu para os EUA durante toda a Guerra Fria, por causa do
eventual reforço rápido da Europa, da ameaça submarina soviética, além de ser
ponto de apoio importante para aviões em rota para o Médio Oriente.
Com a queda do
Muro de Berlim, em 1989, e a evolução geopolítica daí decorrente, a melhoria
dos armamentos e, ultimamente, a mudança de prioridades de Washington para o
Pacífico, a importância conjuntural da base das Lajes perdeu valor relativo
para os americanos. Daí a natural mudança do seu dispositivo.
Por isso é lógico
que queiram reduzir a sua presença nas Lajes (em 485 pessoas), mas, estamos em
crer, jamais a Secretaria de Estado da Defesa dos EUA quererá sair de lá de
vez… É claro que esta redução vai constituir um duro golpe na economia da ilha
Terceira e levar ao desemprego estimado de 500 trabalhadores portugueses, cujo
vínculo se procurava articular com as leis de trabalho nacionais. Mas temos que
perceber que os americanos não estão lá pelos nossos lindos olhos e tratam de
defender os seus interesses e não os alheios.
Os Açores já
tinham sofrido um duro golpe aquando da saída dos franceses da base de rastreio
de mísseis, que montaram na ilha das Flores, em 1993, sem que tivesse ocorrido
o alarido de agora [1]. Pacífica e gradual foi, também, a saída dos alemães da
base de Beja, em 1993. [2]
Por tudo isto não
se entende o actual “histerismo” de políticos e sobretudo do Governo Regional
dos Açores, à volta deste assunto, revelando uma grande falta de sentido de
Estado e em nada contribuindo para um bom desfecho do que está em curso e para
as futuras relações com os EUA.
A ameaça velada e
pública, sobre a possibilidade da China (ou outros) poder vir a operar
noaArquipélago é, a todos os títulos, deplorável. Há coisas que se tratam na
circunspecção das chancelarias e não no ruído e demagogia da rua.
Um contrato é um
vínculo de interesses comuns, entre duas ou mais partes. Se uma das partes se
quiser desvincular, só tem que o fazer negociando tal desiderato em função do
que estiver vertido no acordo. Além do mais, este é um assunto de Defesa e
Segurança nacionais, tratado Estado a Estado e, por isso, o governo regional
deve remeter-se apenas para as suas funções constitucionais. [3]
Nós podemos,
eventualmente, gostar mais ou menos da presença americana nas Lajes, mas a
decisão da sua diminuição ultrapassa-nos. A não ser que fôssemos nós a querer
impor essa redução.
Pode (e
eventualmente deve) Lisboa mostrar as suas preocupações; oferecer a sua
hospitalidade; apresentar outras propostas de relacionamento bilateral, etc.,
mas não pode exigir nada relativamente à presença americana na base, a não ser
o que está estritamente acordado para o efeito, e ficar com as decisões ora
tomadas, em carteira. A algaraviada de exigências propaladas pelos media não
passam de ruído ineficaz, apenas explicáveis pela eterna luta partidária.
Temos que estar
atentos ao comportamento do FMI e do Banco Mundial, onde os EUA pontificam,
cuidar da nossa comunidade emigrante naquele país e ter especial cuidado com a
atitude que os americanos irão assumir, na ONU, face à proposta de alargamento
da Plataforma Continental, apresentada por Portugal. E, curiosamente, não vemos
ninguém preocupado com a exiguidade (sempre a diminuir…), de meios militares
portugueses no(s) arquipélago(s) e na necessidade urgente de inverter a
situação.
Requerem-se bom
senso e clarividência política e estratégica. Uma coisa – além do “saber” –
anda, aliás, ligada à outra.
[1] O anúncio da
constituição da base foi feito pelo ministro dos NE Franco Nogueira, em 1964,
tendo o acordo sido assinado, em 7 de Abril daquele ano, e as suas instalações
inauguradas em Outubro de 1966.
[2] O acordo para
a utilização da base de Beja (construída de raiz) ocorreu em Dezembro de 1960,
mas o primeiro contingente de militares alemães só chegou em 8/8/1966.
[3] A existência
de ministros da República, assembleias regionais e governos regionais não
encontra qualquer razão de existência, a não ser como mitigação para as
loucuras do PREC e, sobretudo, na quantidade de tachos políticos que proporciona
– uma despesa enorme sem praticamente qualquer retorno útil. Uma realidade
muito difícil de modificar no futuro… Não contentes com isto, forças políticas
voltaram recentemente a defender a necessidade de “regionalização”, ideia
absolutamente idiota, bacoca e de lesa-Pátria!
Oficial piloto aviador
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