A dívida, o euro e a banca – um
debate inadiável
João Ferreira / 03/02/2015
- PÚBLICO
Ninguém pode ignorar que o sector
bancário privado não serviu o país, as famílias, as empresas, os produtores, a
economia. Pelo contrário, prejudicou-os, serviu-se deles para engrossar lucros.
A União Europeia e a
União Económica e Monetária confirmam-se como causas centrais da actual crise.
As medidas paliativas de “expansão quantitativa” anunciadas pelo BCE não
alteram esta realidade. Confirmam-na.
No plano nacional, três
grandes constrangimentos pesam hoje sobre o país, contribuindo para a
degradação da situação nacional, entravando a recuperação económica e social e
eliminando num prazo mais alargado as hipóteses de um desenvolvimento duradouro
e equilibrado. São eles: os níveis brutais da dívida pública e da dívida
externa, a integração monetária no euro e a dominação financeira da banca
privada.
A renegociação da dívida,
a libertação do país da submissão ao euro, com a readopção de uma moeda
própria, e o controlo público da banca são, por isso, três instrumentos
fundamentais para a recuperação e o progresso do país, que devem ser aplicados
no seu tempo próprio, mas pensados e preparados em conjunto. Tudo devidamente
articulado e integrado num projecto mais geral de concretização de uma
alternativa política e de construção de uma democracia avançada nas várias
vertentes da vida nacional.
O carácter integrado
desta proposta tripartida impõe-se pela óbvia inter-relação entre os três
constrangimentos e, bem assim, entre os instrumentos para lhes pôr fim.
A dívida pública e a
dívida externa portuguesas são das maiores do mundo (em percentagem do PIB) e
excederam há muito qualquer limiar de sustentabilidade. É imperioso travar a
sangria de recursos do país, reduzindo substancialmente os juros pagos (60 mil
milhões de euros só até 2020, segundo estimativas da Comissão Europeia – mais
do dobro daquilo que o país receberá de fundos comunitários no mesmo período) e
garantindo uma redução também substancial dos montantes da dívida directa do
Estado. Salvaguardando os pequenos aforradores, a Segurança Social, o sector
público administrativo e empresarial do Estado e os sectores cooperativo e
mutualista.
Quanto à recuperação de
uma moeda própria (opção que, pesem embora os papões não inocentemente agitados
por alguns, não implica a saída da União Europeia), há vantagens evidentes:
dispor de uma gestão monetária, financeira e orçamental autónoma, ajustada à
situação e necessidades do país; deixar de depender exclusivamente dos mercados
para o financiamento do Estado; libertar o país da prisão do Pacto de
Estabilidade, retomando os níveis de investimento indispensáveis ao seu
desenvolvimento; abandonar a austeridade e o empobrecimento permanentes; e
limitar as perdas de competitividade pela valorização excessiva do euro.
É hoje uma evidência que
Portugal perdeu muito com o euro. Produzimos hoje menos riqueza do que quando
se introduziu fisicamente o euro. A dívida disparou, o desemprego e a
precariedade idem, os salários encolheram.
Mas aqui chegados,
Portugal pode perder ainda mais. Seja com a permanência no euro, seja com uma
saída forçada – imposta pelas grandes potências europeias, uma vez esgotado o
seu interesse ou a sua capacidade de manter dentro do barco uma economia
cronicamente endividada e deprimida, incapaz de assegurar o financiamento da
actividade do Estado ou do sistema bancário. Por esta razão, o estudo e a
preparação do país para este cenário será um acto de elementar
responsabilidade.
É importante que fique
claro que a saída do euro é necessária para libertar o país da subalternidade,
da dependência e do atraso. Mas deve ter condições: a preparação do país; a
articulação com outras facetas de uma política soberana de desenvolvimento –
como a renegociação da dívida e a recuperação do controlo público do sector
financeiro; o respeito pela vontade popular e a condução do processo por um
governo empenhado em defender os rendimentos, as poupanças, os níveis de vida e
os direitos da generalidade da população, e em evitar a fuga de capitais e a
perda de divisas, a desorganização do comércio externo e da vida económica do
país.
Por fim, ninguém pode
ignorar que o sector bancário privado não serviu o país, as famílias, as
empresas, os produtores, a economia. Pelo contrário, prejudicou-os, serviu-se
deles para engrossar lucros.
Ora, a necessidade
urgente de reconsolidar a globalidade do sistema bancário e de conter os riscos
sistémicos para a economia, de assegurar uma efectiva regulação, supervisão e
fiscalização da banca e, numa perspectiva mais vasta, a necessidade de travar a
especulação financeira e de canalizar as poupanças e recursos financeiros para
o investimento na produção nacional, de defender a soberania e impulsionar o
crescimento seguro e equilibrado, reclama que a moeda, o crédito e outras
actividades financeiras essenciais sejam postas sob controlo e domínio
públicos, ao serviço dos interesses nacionais.
Muito resumidamente,
estas são propostas que marcam uma fronteira clara: entre os que querem que
fique tudo na mesma – ficando na verdade tudo cada vez pior – e a possibilidade
real de mudança, a que aspiram cada vez mais portugueses, que rompa com o
atraso e o empobrecimento perpétuos.
Eurodeputado do PCP
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